Entrevista com Alexandre de Souza, do Diário de um PM - Parte I

A Revista Papo de Homem realizou uma entrevista muito bacana com o policial militar Alexandre de Souza, autor do blog Diário de um PM, onde conta o seu dia-a-dia profissional na cidade maravilhosa. Nessa primeira parte conversamos sobre sua formação, a situação da Polícia no Rio, suas motivações pessoais e também tocamos no famigerado BOPE.

 
Blog nas trincheiras
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Papo de Homem: Alexandre, qual sua formação e o que o motivou a se tornar um policial?

Eu terminei o Ensino Médio, fiz um Curso Técnico em Informática e entrei para a Academia de Polícia Militar D. João VI, que pouca gente sabe, mas é uma instituição de Ensino Superior.
O que me motivou a ser PM não foi o "P" de policial, mas o "M" de militar.

Meu pai é suboficial da Força Aérea Brasileira e desde pequeno eu queria ser igual a ele. Ficava fascinado com os uniformes, as armas, a ordem unida... via os filmes de guerra e treinamento militar e só me imaginava sendo militar.

O problema é que eu nunca gostei de matemática. E as provas para as Forças Armadas, pelo menos naquela época, puxavam muito na matemática. Não estudava o sufiente, e claro, não passava. Quando eu já tinha desistido do militarismo, eu fiquei sabendo do vestibular da UERJ para Oficial da PM. Foi minha chance de ser militar, e sem a bendita matemática para atrapalhar. Na Polícia Militar descobri o quanto também é gratificante a profissão policial.

Papo de Homem: Muitos policiais têm marcado presença na internet com blogs. O que o motivou a iniciar seu blog e quais foram as repercussões desse trabalho até agora?

O sucesso do livro Elite da Tropa deixou bem claro para mim o quanto as pessoas se interessavam pelo assunto "polícia" e "segurança pública". Existe muita curiosidade e pouca informação (eu, por exemplo, não sabia que existia o vestibular da UERJ para Oficial da PM). Na época eu percebi que tinha muita gente falando de polícia e segurança pública na internet, mas os policiais eram poucos. Eu queria contribuir, mostrando a visão de alguém de dentro da Corporação.


A repercusão está sendo ótima. O Diário de um PM foi bem acolhido pela blogosfera, e essa entrevista para o Papo de Homem é prova disso. Virou notícia em alguns sites e portais e foi humildemente citado em dois jornais impressos e em uma revista de circulação nacional. Algo acima das minhas expectativas quando decidi fazer o blog.

Papo de Homem: Qual sua média de visitantes únicos? Você consegue algum retorno financeiro pelo blog?

 A média é de 1.100 visitas por dia, e aumentando. No final do ano passado eu migrei para um servidor de hospedagem pago e adquiri um domínio próprio. Em janeiro, através do blog do Cardoso, eu descobri que meu blog poderia pagar-se sozinho, através da monetização por programas de afiliados.

Coloquei o Adsense como experiência, e em um mês eu paguei o custo anual do blog. Hoje, além do Adsense, uso o Hotwords e o Jacotei e o blog já funciona como uma espécie de "bico virtual". É um bom complemento do meu salário, que todo mundo sabe, não é lá essas coisas.

Papo de Homem: Já teve problemas com marginais das cercanias onde morava ? (Inúmeros casos de PMs que têm que se mudar pq os marginais da área descobrem que o cara é PM)

 Eu moro numa área de risco, por isso tomo bastante cuidado em não divulgar o local na Internet. Nunca tive problemas onde eu moro e lá pouca gente sabe da minha profissão. Mesmo assim, todo cuidado é pouco.

Papo de Homem: Quais as mudanças ocorreram em sua personalidade desde que se tornou PM? Se acha uma pessoa melhor?

 Não acredito que a Polícia Militar seja capaz de mudar a personalidade de alguém. Ela proporciona experiências, que, como em qualquer outra profissão, podem contribuir para que a própria pessoa tome uma atitude nesse sentido.

Não é algo de fora para dentro, mas de dentro para fora, que pode acontecer ou não. Posso dizer que a PM me fez amadurecer, ganhar mais conhecimento técnico e profissional e aprender a lidar com pessoas, mas isso é algo que poderia ter acontecido em outros lugares também.

Papo de Homem: A população se queixa muito da PM. No seu entender, ainda há disciplina na corporação ? O treinamento do PM atual é adequado para que ele possa cumprir um bom serviço ?

Quando acabar a disciplina na Corporação, acabará a Polícia Militar, pois a hierarquia e a disciplina são suas bases institucionais. Nós temos um regulamento disciplinar extremamente rigoroso, tão rigoroso que dá margem para punições injustas e é impossível seguí-lo à risca o tempo todo.


O cumprimento do bom serviço depende, dentre outros fatores, da valorização profissional. Valorização profissional é formação, treinamento e qualificação adequados, mas também é salário digno. Não adianta somente ser um policial super treinado e qualificado, também é preciso um salário adequado.

Papo de Homem: Você poderia nos contar um pouco sobre o treinamento específico das Tropas Especiais da PM, como o Batalhão de Choque, Operações Especias. Como é o processo, a que o policial é submetido.
Integrante do BOPE
BOPE

Para fazer parte do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) é preciso ser policial militar há pelo menos dois anos e ter completado o Curso de Ações Táticas ou o Curso de Operações Especiais (ambos os cursos são ministrados pelo BOPE). Para ser admitido nesses cursos, o candidato passa por testes de condicionamento físico, avaliação médica e psicológica.


Não é à toa que o BOPE é considerado uma tropa de elite. A resistência física, a agressividade e seu autocontrole são testados ao extremo nesses cursos. Em cada dez alunos, apenas dois concluem o Curso de Operações Especiais e 90% já sai logo nos dez primeiros dias.

Papo de Homem: Qual a sua opinião sobre as milícias? Elas resolvem o problema do tráfico? Qual vai ser a postura da PM assim que as milícias tomarem todos os morros?

As milícias, assim como o tráfico de drogas, são ilegais e orientadas pelo lucro. Se os traficantes vendem drogas, as milícias cobram "taxas", e ambos quebram o monopólio estatal da força. Mas não são iguais. Comunidades dominadas pelas milícias não tem troca de tiros com a polícia, não tem tráfico de drogas, não tem guerras de facção, não tem altas taxas de criminalidade.

Então a milícia é uma boa? Não! Força e dinheiro costumam ser mais fortes que ética e legalidade. As milícias são (mais) um problema para a segurança pública. A postura da PM sempre será o da legalidade.

Papo de Homem: Qual a realidade da Polícia Militar hoje em dia? Ela está pronta pra combater o crime carioca ou é caso de colocar o exército nas ruas mesmo?

Sou favorável a colocar o Exército nas ruas para o PAN, mas não porque a PM não está pronta para combater o crime, pelo contrário. No Rio de Janeiro nós temos por volta de 1 policial para cada 400 habitantes. É um número baixo. Além disso, o aparato logístico do Exército é bem vindo. São homens, carros, helicópteros e equipamentos a mais.


O efeito seria o mesmo do policiamento ostensivo já feito pela PM: presença de homens fardados e armados, coibindo atividades delituosas. Por mais que possam dizer não serem os mais preparados para o enfrentamento direto com criminosos, seriam muito importante dando suporte às operações e aumentando o patrulhamento na ruas.


Porém esse apoio deve ser pontual e temporário. Nem a PM, nem a Força Nacional e nem o Exército são onipresentes e não ocuparão permanentemente e de forma efetiva área nenhuma. Não são a solução.

Papo de Homem: Qual é o maior empecilho para o cumprimento da função atualmente?
Moto da Polícia Militar, essa é pra poucos
moto-policia

 E qual é a função? A função da Polícia Militar é de polícia ostensiva e preservação da ordem pública. Trocando em miúdos, significa que é responsável patrulhar as ruas do Estado, no intuito de inibir ações criminosas ou, se não for possível, deter os criminosos.

Para isso são necessários viaturas, efetivo, rádios, armas, fardamento. Mas principalmente, o policial militar que vai dirigir a viatura, compor o efetivo, se comunicar no rádio, empunhar a arma e usar a farda.

O policial militar no Rio de janeiro tem o pior salário do Brasil, não recebe fardamento a anos (já recebem pouco e ainda tem que comprar a farda que tem direito de ganhar) e trabalha em viaturas sucateadas. Isso dificulta ou não dificulta o cumprimento da função?

Amanhã a segunda parte da entrevista onde vamos falar sobre maconha, futebol e o efeito da farda sobre as mulheres. Enquanto isso, aproveite pra visitar o Diário de um PM e conhecer mais do Alexandre.


publicado em 27 de Junho de 2007, 13:20
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Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


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