Esqueceram de mim!

Há alguns dias atrás o saudoso Maurício Garcia – e nosso Dr. Health – lançou um artigo sobre micos, que infelizmente pagamos sempre. Lá contou dois micassos, um seu e outro do irmão.

Acontece que lendo tudo aquilo, me veio uma história em mente. Aconteceu com uma amiga minha alguns anos atrás, seria egoísmo guardar só pra mim. Ela vai querer meu fígado quando souber que estou tornando isso público, poucas pessoas sabem. Ou sabiam...

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Morávamos numa cidade não tão grande, onde um acontecimento – por mínimo que seja – ecoa do outro lado da cidade em questão de algumas horas, ou até minutos.

Era aniversário dela. Completava seus 19 anos, num sábado. Todo ano a família fazia algo pra deixar a data registrada. No ano passado àquele tinham planejado uma viagem pro nordeste do país, no retrasado, um cruzeiro, e por vai a mordomia.

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A menina se tornava mulher, num dia marcante.

Ela levantou pela manhã com o famoso pensamento de todo mundo que está fazendo aniversário: “É hoje”. Se trocou, e desceu animada as escadas da casa, que mais parecia um castelo. Estava, claro, na esperança de que todos dessem os parabéns e a enchessem de presentes, como de costume. Passou pela mãe, deu bom dia. Pelo pai, deu bom dia também. Pelo irmão, mais um bom dia. E nada.

Sentou no sofá da sala e ficou fixada na TV, esperando que alguém se lembrasse e viesse dar os parabéns, seguidos de desculpas. Mas nada aconteceu. Todos continuaram a rotina dentro da casa, passando por ela e não dando a mínima. O pai trabalhando no escritório da casa, o irmão alternando entre lavar seu carro e brincar com o cachorro, e a mãe começando a fazer o almoço. E ela ali, sem entender nada.

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Ela só queria algumas velas e um bolo, pô

Enquanto ela me contava essa parte, eu podia ver a falta de brilho nos olhos dela. Aquela cara de desapontamento e interrogação. Isso mudou um pouco quando...

...bateram à porta, era o namorado. Esse sim veio com um forte abraço, seguido de um beijo e o ainda não pronunciado “parabéns”. Eles sentaram no sofá, e ela logo foi questionada do porquê daquela cara, desapontada. Ela lhe explicou calmamente, que ninguém, a não ser ele, tinha dado os parabéns. “É meu aniversário, poxa. Esqueceram do meu aniversário? Vamos ver até onde vai essa palhaçada”.

A palhaçada só aumentou.

O pai passou pela sala dizendo que ia bater uma bola com os amigos, não ia ficar pro almoço e voltava tarde. O irmão fez praticamente a mesma coisa. E por final, a mãe. Essa disse que iria na casa de uma amiga, e que era pra olhar o arroz que estava no fogão. “Não deixe queimar, filha”. Todos saíram.

Agora não era só ela que não entendia mais nada. O namorado ficou com cara de...

Ficaram por mais alguns minutos ali, quietos. Até que o namorado, oportunista, deu a idéia. “Amor, vamos subir pro seu quarto, a gente fica mais a vontade lá. Temos que comemorar, hoje é seu aniversário”. Era o que restava, ela aceitou e eles foram.

Ligaram um som, carinho daqui, beijos dali, e quando notaram estavam completamente pelados. Numa hora dessas é “pelados” mesmo, “nus” fica pra outra hora, ok? E começaram a brincar de gato e rato. É, eu sei que é estranho, mas eles revezavam, um corria pra pegar o outro, e vice-versa. Quando por fim, ele pegou ela e queria acabar logo com aquilo, ela solta, “amor, antes vamos desligar o fogão, lembra que minha mãe pediu?”.

“Ta, deixa eu colocar minha...”,

“não, deixa, não tem ninguém em casa mesmo”, ela defendeu.

“Ah, então sobe aqui, vamos de cavalinho”.

E desceram as escadas, ela montada nele, ambos pelados e ele fazendo o “pocotó, pocotó” – nota: o que um cara não faz pela namorada no aniversário dela, o mais embaraçoso da vida dele.

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Foi isso, mas um pouco mais a vontade.

Foi só entrar na cozinha, que ficava do lado das escadas, que o mundo pra eles parecia ter desabado. A coisa soou mais ou menos assim: “Paaaaraaaaaabée...”, (silêncio).

Estavam ali, plantados, com chapéus na cabeça e prontos pra cantar o parabéns inteiro e quem sabe o “com quem será”, simplesmente pai, mãe, irmão, tias, tios, primos, primas, avôs, avós, e algumas amigas íntimas dela.

Ela me contou que todos ficaram em torno de 5 segundos tentando entender, com cara de “what the fuck?”.

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No flagra, garotão

Notas:

- Não, os avôs e avós não tiveram parada cardíaca.

- As amigas deram risada durante o dia inteiro.

- Os pais não comentam o caso desde então.

- O namorado (hahahaha), esse terminou no dia seguinte. Detalhe: por telefone.


publicado em 13 de Outubro de 2008, 18:11
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Breno Spadotto

(Quase) publicitário e apaixonado pelo comportamento humano. Acredita que as coisas só vão para frente se a causa for abraçada: "Take your risks, live your dreams". Pretende escrever de frente para o mar daqui a alguns anos. No Twitter, /@bnospadotto.


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