Essa foi por pouco...

Essa presepada que vou contar aconteceu há uns 2 meses. Como foi definido antes, um dos meus clientes fixos ná agência é a Motorola, qualquer coisa que se faz pra esse cliente tem que passar por nós, desde um simples panfleto até uma campanha de lançamento de um celular.

Até ai tudo bem mas esse job que vocês vão ler no transcorrer da estória foi um dos mais bizarros que eu já trabalhei na vida:

Criar uma campanha de lançamento de um celular com MP3 mais barato da categoria pra a população de baixa renda na África do Sul.

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Visualiza! Vamos contratar uma agência do Catar pra criar a próxima campanha do Mercosul!

Como assim? Porque a gente aqui em Dubai vai fazer uma campanha pra uma coisa tão regional? Sem querer ser chato, porque a Ogilvy de lá não está envolvida nisso?

A diretora de contas com aquele ar de “lá vem ele denovo” explicou:

"Porque somos o escritório regional da conta, Londres está contando com a gente." - foi aí que pensei, grande merda, bem capaz deles acharem que Dubai é na África.

Vou pular a fase das quarenta e poucas reuniões de debriefing, o doloroso proceso de criação e o penoso processo de aprovação que envolve uma campanha em que você é um alien envolvido. Vamos partir direto pra produção.

O processo de produção foi um caso à parte, pelo roteiro que criamos a campanha tinha que ser produzida na África e com sul-africanos, isso era lógico. Não na cabeça do produtor da agência:

- Vamos filmar no Cairo.

- Você só pode tá brincando, Sam.

- Claro que não, é mais barato, vai por mim, eu conheço um pessoal lá que vai deixar o set igual a Cape Town. Inclusive com casting que você juraria que é só de sul-africanos…

Claro e ainda bem que o diretor de criação não aceitou isso, no final das contas fomos eu, o diretor de criação alemão, minha dupla inglesa, a diretora da conta indiana e o produtor libanês pra produzir uma campanha para sul-africanos. O circo estava formado.

Depois de 10 desconfortáveis horas de vôo com o seu diretor de criação do lado, durante as quais você tem que soar cool e inteligente o tempo todo, desembarquei destruído. Era o último na fila do guichê e tava rezando e torcendo calado pra não pegar uma gordona mau humorada que tava criando problema com todo mundo. Veio ela mesmo, e como toda vez por causa do meu passaporte verdinho, veio cheia de perguntas.

- Tá vindo de onde?

- Dubai.

- Veio fazer o quê?

- Vim filmar um comercial.

- Quando foi a última vez que você foi no Brasil?

- Em dezembro do ano passado.

- Cadê as vacinas?

- ??

- Pode entrar não viu, meu lindo. Próximo!

- Peraí, por favor (já sem nehuma dignidade e tentando jogar algum charme pra ela), vamos conversar, olhá lá, ta todo mundo me esperando prometo que dá próxima vez eu trago todas as vacinas que você quizer.

Depois de muitos argumentos e jeitinho brasileiro…

- Tá certo seu safado, pode ir, mas se da próxima vez você não tiver essas vacinas eu mesmo lhe mato!

- Thank you.

O clima em Cape Town naqueles dias estava meio tenso, tudo por causa de umas rebeliões que estavam acontecendo, uma briga antiga entre os refugiados de Zimbabue, Moçambique, Nigéria e os locais. O bicho tava pegando forte por lá. Por ser uma campanha pra população de baixa renda, decidimos filmar nas Townships que é a mesma coisa sem tirar nem pôr das favelas do Brasil. Era esse o público que a gente tinha que atingir. Na manhã seguinte fomos logo pra produtora pra ficar sabendo que duas das três locações que iamos visitar estavam em chamas por conta dessa briga. Foi aí que começou o perrengue.

township
Bem-vindo a uma township.

O diretor era sul-africano, todo descolado e confiante, bem aquele tipo de diretor “cabeça” que gosta de filmar pobreza e o lado “cru” da nossa realidade injusta, querendo mostrar tranquilidade enquanto todo mundo estava meio com o pé atrás.

Decidimos checar a única locação que não tinha sido incendiada e procurar outras. Fomos lá pra onde a onça bebe água, a maior township, a Rocinha de Cape Town, fui com o diretor. E como toda favela tivemos que perdir autorização ao “governo paralelo” de lá.

O "governante"

O cara era uma figuraça o típico malandro brasileiro, de óculos escuros, jaqueta de camurça roxa, e uma calça verde musgo, cheio de colares, pulseiras e “seguranças”. Me senti um pouco em casa nessa hora.  Parecia que o diretor já conhecia ele de outras atividades porque se mostraram bem amigos, mas isso não vem ao caso agora.

Ele nos garantiu que era tranquilo e que podiamos filmar e transitar por lá numa boa apesar de todas as evidências serem contrárias, como gritos, pessoas correndo e barulhos esquisitos.

Fomos rodar o local na nossa van e um carro do figuraça lá nos escoltando, o clima estava muito tenso, muitas pessoas nas ruas, gente correndo, familias deixando o local com alguns pertences, pessoas olhando pra gente com cara de ódio. Alguma coisa ia acontecer a qualquer momento.

E o ambiente seguro

Meu termômetro era a cara do diretor, enquanto ele estivesse calmo eu também estava. Foi nessa hora que a coisa começou a ficar preta, um bando de pessoas chegaram mais perto do carro e tentaram bloquear a passagem, alguns davam murros no carro, outras cospiam, faziam careta. Até me lembrei de um amigo dizendo que lá não tem essa de roubar e sequestrar, eles fazem tudo isso e matam. O matar pra eles é um plus, a cereja no bolo.

Nessa hora o carro que estava escoltando a gente encostou do lado e gritou pra o motorista em africano mas eu entendi como se fosse o mais claro português, um William Bonner anunciando uma tragédia. Olhei pra cara do diretor que estava pálido agora e disse pra mim mesmo: F-o-d-e-u.

Fiquei imaginando como minha mãe ia receber a notícia, e juro que cheguei a desejar uma morte rápida, sem dor pelo menos. Mas graças a Deus e à destreza do motorista conseguimos escapar com tudo.

No dia seguinte conseguimos achar uma locação mais tranquila e o resto das filmagens foram até bem interessantes. Tive que produzir as fotos pra campanha impressa no mesmo dia das filmagens com um fotógrafo inglês hippie que só andava com uma bata fedorenta e morava numa van mais fedorenta ainda.

O filme ficou até legal, com a cara que a gente queria. Fiquei sabendo que tá o maior sucesso por lá, a música do filme virou um hit porque pegamos um cantor que está pra estourar por lá, negociamos com o produtor dele que é outra figura e foi nada mais nada menos do que o produtor do Nirvana.

No fim deu tudo certo, todo mundo feliz, contente, e principalmente, vivo.

O resultado da campanha






publicado em 21 de Julho de 2008, 20:32
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Rafael Rizuto

Diretor de Arte, 30 anos, morando pelas bandas do Oriente Médio há 4 anos, mais precisamente em Dubai. Curioso e observador do comportamento humano. Adora surpresa de uva. Seus trabalhos estão reunidos em www.rafaelrizuto.com.


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