Como se tornar um expert em um ano

Alberto Brandão disseca um vídeo de Youtube sobre um cara que se tornou expert em tênis de mesa em um ano

Gosto muito de vídeos que envolvem pessoas treinando, gente desenvolvendo alguma habilidade, atletas de elite suando em treinamentos malucos, quase inacessíveis para nós, meros mortais.

Existe um lado meu que é motivado pelas pequenas possibilidades, às vezes num sentimento quase irracional de que, se aqueles atletas podem fazer aquilo, eu também posso.

Sei que isso nem sempre é verdade, mas também entendo que não preciso fazer tudo o que eles fazem. Muitas vezes a gente quer apenas apresentar uma boa performance, brincar com amigos e se divertir no final de semana. Não precisamos nos dedicar só ao que queremos ser campeões mundiais.

Navegando pelo Youtube essa semana, acabei me deparando com um vídeo de tênis de mesa. Nem gosto de tênis de mesa, nunca fui de querer jogar e não é algo que normalmente me chama atenção, mas acabei clicando. Fiquei bastante empolgado ao assistir e compartilhei o vídeo com muitos amigos, mas ninguém entendeu bem o que tanto me chamava atenção naquele vídeo.

No vídeo, Sam Priestley demonstra sua trajetória, indo de iniciante a profissional do tênis de mesa, entrando para o ranking dos 250 melhores da Inglaterra. Tudo em apenas um ano.

Link Youtube

Mesmo não sendo esse o foco da produção, o vídeo, para mim, apresenta uma breve aula de como se tornar bom em algo.

Apenas observando as cenas, sem muita profundidade, somos capazes de entender uma boa parte do que foi necessário para alcançar um alto nível de desempenho num esporte competitivo.

Por isso resolvi fazer este texto, para desmembrar o que captei e que tanto me motivou.

Espero que vocês consigam apreciar esse processo tanto quanto eu.

Comprometimento

O vídeo grita dedicação. Talvez esse seja o traço mais simples de se observar ao longo de toda trajetória do mesatenista. No entanto, existem algumas lições que precisam de um pouco mais de atenção para serem captadas.

Podemos notar que o principal cenário de treinamento é a sala do apartamento dele. Vemos os móveis arrastados para a parede e a mesa localizada ao centro. Dá pra ver também que a sala e a cozinha dividem o mesmo espaço com a mesa, adicionando uma nova camada de dificuldade para as tarefas diárias. Imagine a próxima vez que ele levar alguém para casa querendo dar uns amassos, ter que que explicar aquela mesa de ping-pong no meio do caminho e os móveis todos arrastados?

"Você janta nessa mesa de ping-pong?"

O que fica claro aqui é que ele estava disposto a passar alguns inconvenientes, se privar de algumas facilidades e organizações pessoais para alcançar o propósito desejado.

A maioria das pessoas, quando engaja num objetivo ainda não estão dispostas a isso, não querem abdicar de nada para alcançar aquela meta que tanto dizem querer. Uma das frases que cada vez fazem mais sentido para mim é: “a cada escolha, uma renúncia.”

Não dá pra ter tudo.

Ter um parceiro de treino

Mesmo treinando sozinho em várias cenas, somos capazes de notar que um amigo em específico aparece repetidamente, seja jogando ou ensinando alguma técnica nova.

Ter um parceiro de treino é importantíssimo para alcançar objetivos difíceis e que exigem um longo período de dedicação. Nossa motivação consegue nos impulsionar até certo ponto, mas quando ela falha, precisamos de algo mais concreto nos lembrando de nossos propósitos.

Por inúmeras vezes estive meio desmotivado para ir treinar, mas acabei indo porque um amigo, parceiro frequente de treino, insistiu.

É muito importante ter alguém que compartilha do mesmo objetivo, que é capaz de vislumbrar o mesmo sonho que você.

Não só isso, treinar com um amigo nos ajuda a observar o progresso por outros olhos, não apenas os dele observando você, mas você acompanhando o progresso dele.

Este senso de competência, ver que as coisas estão melhorando e o domínio de uma habilidade está surgindo, é um forte motivador para se continuar seguindo em frente.

Treinar com quem sabe

Mesmo com vários amigos jogadores e com um equipamento bacana em casa, vemos que inúmeras cenas são em escolas – isso, no plural – de tênis de mesa. Vemos também que em algumas cenas ele está recebendo instruções de técnicos profissionais, tendo aulas com professores.

Uma coisa que muita gente não entende, ainda mais com a facilidade de encontrar informações na internet, é que ter ao seu lado alguém que já trilhou determinado caminho, explicando todos os detalhes, encurta o caminho, poupa erros e, consequentemente, tempo.

A internet é uma ferramenta maravilhosa, podemos aprender muitas coisas com vídeos, textos, fóruns e livros, mas a experiência de quem já passou pelo processo nos ajuda a evitar subsequentes atrasos.

Grande parte das dificuldades e problemas que podemos passar anos sofrendo para resolver, muitas vezes são apenas detalhes aos olhos de quem está nesse caminho há décadas.

Conheço inúmeras pessoas extremamente hábeis, que estão presas em um loop de dificuldades por simples vergonha de buscar conhecimento com professores experientes. Existe uma exaltação equivocada do autodidatismo, como se fosse alguma vergonha aprender algo de quem sabe mais do que você.

É importante ser humilde e buscar ajuda.

Treino físico faz diferença

Para quem está por dentro do esporte, talvez isso seja algo óbvio, mas para quem está começando essa curva leva um tempo até ser aceita. O treino físico é visto como complemento para a maioria dos praticantes amadores de alguma atividade, quando ele deve ser visto como uma base essencial.

Vejo isso pelos meus amigos nas artes marciais, a maioria deles leva alguns anos até começar a fazer treinos de condicionamento físico, flexibilidade ou musculação. Em geral acreditam que desenvolver a técnica é todo o necessário para evoluir, esquecendo que a capacidade do corpo nas execuções está diretamente ligada à mobilidade, força e condicionamento muscular.

No vídeo isso fica bem claro. Ele faz treinos específicos para agilidade e força de explosão das pernas.

É importante absorver a lição de que o treinamento físico forma a base para que a técnica seja bem desenvolvida, sua técnica só vai até onde o corpo consegue acompanhar.

Consistência

Este também é um traço fácil de identificar ao longo do vídeo. Vemos o rapaz treinando diariamente, com chuva, sol, frio ou calor.

A maioria de nós subestima o poder da consistência, de se manter firme, sem falhas, numa atividade até que a desempenhemos com certa proficiência. Costumamos analisar nosso progresso pela forma que nos desempenhamos da última vez e utilizar isso como parâmetro comparativo.

Se fiquei 3 dias sem treinar e tive um bom desempenho quando voltei, tendo a acreditar que ficar 3 dias sem treinar não me faz tão mal.

O contrário também acontece. Ficamos um período treinando consistentemente e não notamos uma melhora tão drástica, muitas vezes nem somos capazes de notar progresso. Essa análise superficial e equivocada da experiência nos diz que podemos treinar menos e continuar avançando bem.

A questão é que tanto nossas perdas, quanto nossas melhoras são processos gradativos, sendo difícil mensurar com uma amostragem pequena, como alguns dias de referência. No entanto, quando somamos todos os mínimos avanços diários num longo período, o progresso se torna evidente.  

Consistência não apenas gera resultados positivos, mas também nos condiciona mentalmente a continuar executando determinada atividade.

Gastamos energia para executar tarefas. Sempre que preciso levantar e ir para academia, existe um esforço psicológico aplicado à ação. Quanto mais automático esse processo se tornar, menos energia é necessária para isso. Pense como é natural para nós acordar e escovar os dentes, mas é difícil, trabalhoso, tomar um medicamento a cada 8 horas quando um médico nos receita. A repetição consistente automatiza, cria o hábito e diminui o esforço.

Senso de desafio

Tornar-se um mesatenista experiente em apenas um ano já é um processo desafiador, mas isso não é tudo.

Ao longo do vídeo observamos várias partidas em campeonatos. Adicionar essa camada de desafio é importante. Nas artes marciais, por exemplo, somos capazes de notar uma diferença gritante entre os praticantes competidores e os que não se envolvem em campeonatos.

Mesmo sabendo que cada um de nós possui objetivos diferentes, campeonatos adicionam elementos vitais para o progresso. Erros e acertos são cruciais, ninguém está ali tentando aliviar, ou apenas relaxando após um longo dia de trabalho. Numa competição, o que ambos os lados procuram é vencer. O grau de dificuldade e tensão aumenta, é necessário um controle bem maior das habilidades para não cansar antes da hora ou não cometer erros grosseiros.

Até quando perdemos numa competição, voltamos ao treinamento com um novo referencial, recebemos um choque de realidade e aprendemos que precisamos praticar bem mais se quisermos superar aqueles competidores.

Quando treinamos com as mesmas pessoas, mesmo num centro de treinamento onde existe muita gente, aprendemos mais ou menos como cada um deles trabalha e isso acaba nos dando uma visão limitada do mundo lá fora.

Numa escola de qualquer coisa, a tendência é que todos desenvolvam mais ou menos as mesmas estratégias e vícios. É muito mais fácil para mim lutar com um cara mais experiente da minha própria academia, do que com um cara tão experiente quanto eu de outra academia. Existe um forte fator surpresa envolvido nesse processo.

Cada escola tem sua especialidade e forma de agir, é importante não ficar preso a isso.

* * *

Este vídeo nos ensina de forma curiosa como buscar aprendizado.

Às vezes, substituindo algum dos elementos por outro, mas a lógica geral é aplicável e transferível a praticamente tudo.

Quero ficar bom em matemática? Não é necessário o treino físico, obviamente, mas posso pensar nisso como reforçar a base matemática lá do ensino fundamental/médio.

As diferenças existem mas o processo, a forma de pensar, acaba sendo basicamente a mesma.

No fim, a mensagem é simples. Acreditar de forma ingênua em algo, mesmo quando números e estatísticas nos mostram o contrário, fazer o que precisa ser feito esperando que o melhor resultado saia daquilo.

Caso não role, bola pra frente, o aprendizado ainda assim esteve presente.

É muito fácil racionalizar o quanto alguma coisa é difícil, ver como é raro que pessoas se destaquem em determinadas áreas e isso nos desmotivar.

Às vezes, simplesmente ignorar a lógica e seguir em frente é o que precisamos, deixar que o tempo nos diga se estávamos certos ou não, sem pensar demais.


publicado em 26 de Janeiro de 2016, 11:43
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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