Faça coisas chatas

Na cultura do "faça o que você ama", às vezes esquecemos da importância de fazer o que ninguém mais quer

Mesmo quando estamos buscando uma vida na qual fazemos coisas prazerosas e satisfatórias, eventualmente vamos nos encontrar presos em tarefas repetitivas, metódicas e tediosas. Não adianta fugir, vez ou outra você vai precisar fazer algo que não está muito a fim. Faz parte da vida.

Em meu cotidiano procuro fazer coisas que me trazem algum tipo de satisfação pessoal, fugindo de trabalhos que não me representam nada, porque sei que minha capacidade de fazer algo bem feito depende diretamente de quanto me importo.

No entanto, um de meus projetos envolve passar horas executando tarefas extremamente mecânicas como pregar tags em camisetas, encaixotar pedidos, contar estoque e assim por diante.

Por mais prazer que minha empresa proporcione, é impossível fugir desse tipo de tarefa.

Felizmente, nem tudo é ruim. Podemos aprender a tirar o máximo de trabalhos ruins, utilizando como ponte para aguçar habilidades e tornar as coisas as coisas bem melhores.

Busque otimização e teste caminhos

Enquanto estou sentado no meu escritório, pregando hang tags – aquelas etiquetas que vêm em camisetas novas –, consigo ouvir minha mente voar para longe do que estou fazendo. Esse é o meu sinal pessoal de que algo está se tornando chato. 

É colocando essas hang tags que aprendo a lidar com coisas chatas

Ao identificar que estou entediado e querendo checar meu celular, ler emails ou fazer algo “produtivo de verdade”, tento assumir a calma e observar o que estou fazendo.

Para tornar a coisa mais interessante, tento pensar em formas de fazer mais rápido. Vamos supor, a direção que estou introduzindo o alfinete, qual tamanho fica mais interessante para o fio encerado? A tag fica mais bonita de frente ou de verso? Como valorizar mais a tag quando dobro a camiseta de volta no saquinho?

É um trabalho que eu preciso fazer e sei disso. Buscar otimizações faz o trabalho tedioso se tornar interessante. Cada novo passo vira um experimento diferente, uma forma de aprender melhor sobre o que estou fazendo e como melhorar o processo aos poucos.

Entenda o cenário completo

Toda pequena tarefa chata representa um tijolo novo em algo maior. Muitas vezes não conseguimos montar o quebra-cabeça, fazendo o que antes era tedioso se tornar ainda pior. Poucas coisas desmotivam mais do que não entender o motivo de determinada atividade.

Observando empresas grandes é fácil notar que a maior parte dos funcionários infelizes são aqueles que não entendem muito bem a necessidade do trabalho que estão exercendo. Reconheço que se estivesse no meu emprego anterior e precisasse ir até os correios, fazer caixas na mão, colar etiquetas, dobrar camisetas e tudo o que envolve a rotina da minha empresa, certamente estaria muito insatisfeito.

Entretanto, entendo que tudo isso é parte vital do meu negócio, que a experiência do meu cliente deve ser a melhor possível, do momento em que fizer uma compra até receber a caixa em casa e abrir o produto.

Ter essa visão ampla sobre a importância de algo tão pequeno muda todo o clima do jogo.

A moça que trabalha na limpeza de uma loja de roupas precisa entender que o trabalho dela é vender roupas. Manter a limpeza da loja é imprescindível para o sucesso das vendas. A moça que entrega o cafezinho na hora de uma reunião tensa está colaborando para acalmar os ânimos gerais e facilitar acordos.

Cada trabalho ou tarefa ruim tem um papel mais importante do que parece quando observados de forma global.

Transforme sua tarefa em um jogo

Se uma tarefa é longa e repetitiva, comece a jogar contra você mesmo. Criar jogos tem sido um estratégia para engajar usuários e clientes no mundo todo, criando um senso de competição e recompensas de acordo com os resultados.

Veja quanto tempo demora para fazer a primeira vez, depois tente fazer cinco no mesmo que levaria conseguir três. Adicione pequenas recompensas como doces, balas ou jujubas. Melhorando seu tempo você ganha o prêmio. Crie incentivos mais longos também. Se conseguir terminar 50, ganha 15 minutos de descanso para beber uma água e descansar.

Todas as tarefas maçantes do cotidiano dependem da forma como as abordamos.

Nossa disposição mental é capaz de transformar algo extremamente chato numa brincadeira bem divertida.

Compartilhe o fardo

Já não é segredo que somos seres sociais. Quando precisamos fazer algo por muito tempo e ainda por cima fazer sozinho, tudo parece um pouco pior. Chamar alguém para ajudar na tarefa e passar esse tempo conversando e botando assuntos em dia não só auxilia no processo de socialização, como também faz o tempo parecer que correu mais rápido.

Deixar a síndrome de super-herói de lado e se abrir para uma ajuda só traz benefícios.

Crie listas

Para uma série de atividades chatas, mas que não são repetitivas, é interessante criar listas de execução.

Escreva de forma simplificada tudo o que precisa ser feito, gerando uma lista ordenada.

Esta lista será responsável por fornecer um senso de direção em relação ao trabalho, mostrando que você está cada vez mais próximo do fim conforme vai riscando os itens.

Duas abordagens podem ser levadas em consideração. A primeira é a atividade mais difícil logo de começo, para acabar com o medo da tarefa que normalmente nos impede de começar todas as outras.

Outra abordagem é começar pelas tarefas que exigem menos tempo indo para aquelas que consomem mais esforço. É muito mais fácil se dedicar a uma tarefa longa quando ela é a última do dia.

* * *

Ninguém está livre do tédio. O melhor que podemos fazer é aprender a controlar esta sensação e trabalhar para tirar o melhor disso.

Sabendo como valorizar seu momento de trabalho, é possível transformar quase qualquer atividade em algo valioso e interessante, basta olhar cuidadosamente.

Se você possui algum segredo para fazer coisas que não tem muito tesão, compartilhe com a gente. Todos precisamos aprender melhor como fazer aquilo que inevitavelmente precisa ser feito.



publicado em 05 de Janeiro de 2015, 17:11
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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