Geme que a gente gosta

Pode colocar pra fora.

As velhas regras de como ser homem são chatissimas: Homem não chora, homem não sofre por amor, não tem medo nem da morte. Homem também não geme. Nunca. Homem come, fode, mete, faz a mulher gemer, gritar, urrar, perder a força, até os sentidos, mas não geme. Só respira. Cerra os dentes e puxa o ar pelas narinas bem abertas, às vezes até espreme o olho, mas não deixa escapar vibrações vocais.

Todo som emanado do corpo masculino não deve ser ouvido a mais de um palmo de distância da sua origem. Existe o medo de gemer e soar inadequado, inadequado como “um guaxinim sendo masturbado”, como alguém me disse certa vez, ou simplesmente medo de parecer feminino. Talvez passe pela cabeça do moço que essa transgressão deve desagradar a parceira. Digo “a parceira” porque resulta que o medo de quebrar essa e outras regras do antiquado “manual de como ser macho” afeta mais os héteros, afinal o que se assumiram homoafetivos já decidiram que sua vida não seria regida por tal lei.

Com o medo de soar estranho, esses homens se esquecem que o esforço para reprimir o ar interno de sair vibrando pelas laringes, pode causar expressões muito mais inadequadas e monstruosas que um sussurro animalesco.  

Gemidos são sinal de paixão, não em seu significado moderno e amoroso, mas da paixão que vem do latim, passado particípio de sofrer. Na gramática, quem sofre a ação não costuma ser o agente dela, e sofrer o prazer deixaria o homem na voz passiva, posição esta que, segundo o enfadonho manual, não deveria jamais ser ocupada por machos de respeito.

Assim como no sexo, na língua portuguesa, a cada novo acordo ortográfico, alguns ficam perdidos sem saber como aplicar os acentos graves e agudos. Mesmo quando a mudança resulta a apenas na eliminação de regras engessadas, se encarregando de acabar com as consoantes mudas, uns tradicionalistas decidem ignorar o novo. Julgam ser uma troca vulgar. Outros hesitam porque ainda não sabem ao certo qual das regras é mais bem aceita por hora. Mas, aos poucos, nos adaptamos às mudanças.

Tamanha é a energia gasta por alguns para suprimir os grunhidos, que arrancá-los é a prova de que o sujeito foi levado ao descontrole e, então, o gemido se converte em medalha de honra ao mérito para a extratora.

Por sorte, vivemos em meio a essa transição de intransitivo para transitivo. No começo talvez os sussurros serão indiretos, tímidos e depois se tornarão cada vez mais diretos, usando adjuntos apenas para determinar intensidades, modos e lugares.

É parte dessa mudança que homens se permitam expressar mais, e mais verdadeiramente, sentimentos como o medo, o amor ou o prazer. Muito mais próprio do homem natural (e gutural) que esconder os gemidos em função de uma pose social, é deixar-se levar pelo ritmo da transa, sem vergonha, emitindo todo e qualquer som que sair pulmão à fora.

Gemer nunca deve ser obrigação, de nenhum dos lados. Mas quando os sons afloram no peito, permiti-los significa ceder o controle. É deixar que a parceira te cause sofrimentos sórdidos, mundanos e deliciosos, e é admitir a cada respiração o quanto isso mexe com seu corpo inteiro.

Sussurrar, urrar, gritar, ou pedir baixinho, mas sem esconder vontades, é um ato sincero de permitir-se inteiro.


publicado em 17 de Janeiro de 2017, 12:10
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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