Com a desenvoltura do mais eloquente dos professores de história, o Ph Cortês, um menino de treze anos, apareceu na tela do meu notebook falando de Zumbi dos Palmares. Ele está ensinando pra mim e pra mais oito mil pessoas um teco sobre a vida daqueles que são nossos símbolos da luta negra aqui no Brasil.
Em vídeos concisos que saem toda terça ou quarta, Pedro já levou a história de Machado de Assis, Dandara, Luiz Gama, Carolina de Jesus e outros negros brasileiros cuja trajetória de vida tenha sido decisiva pros rumos da nossa história.
Ficou difícil conter a admiração enquanto conversávamos no chat do Facebook. Ele estava saindo da aula de educação física, e tivemos vinte minutos entre o intervalo e a chamada do próximo professor pra trocar uma ideia.
Ele me contou que a motivação começou a brotar quando, no dia das crianças, pediu de presente pra mãe, Egnalda, um ingresso pra peça O Topo da Montanha, sobre Martin Luther King, e saiu do espetáculo inspirado. Diz que foi incrível e que, de verdade, “mudou minha vida!”.
Quis ler, então, as biografias não só de King, mas também de Mandela e de Malcom X. Seguiu explicando: “ela, muito esperta, aproveitou a oportunidade. Viu que eu estava na vibe e impôs uma condição: eu só ganharia as biografias de presente de natal se pesquisasse sobre os herois negros brasileiros”.
E a gente já viu onde isso vai dar – Pedro já tinha um canal no YouTube, e quando pediu à mãe uma sugestão de tema para o vídeo do dia 20 de novembro, feriado da Consciência Negra, ela sugeriu que fizesse sobre os herois. Como eram muitos, a ideia virou série.
Me encantou o material de qualidade que um menino do nono ano do ensino fundamental produziu. A mãe ajuda com as pesquisas e roteiros e ele adapta a linguagem, grava e edita – com destreza bem surpreendente pra alguém que não atua nessa área. Os vídeos tem cortes estilísticos, identidade visual, esquetes de humor e até vinhetas que organizam o conteúdo no tempo.
Pedro Henrique contou que já fez três workshops e está fazendo cursos de aperfeiçoamento em edições de vídeos no YouTube Space SP, uma escola do próprio site que dá suporte aos autores de seus canais pra que eles produzam cada vez melhor.
O moleque está correndo atrás de levar parte da nossa história pra uma plataforma online que conversa com muita gente. O canal tem oito mil assinantes e potencial pra crescer muito mais, já que o YouTube tem um bilhão de usuários únicos ao mês e o Brasil é seu segundo mercado. Isso pode significar que muito mais gente tem potencial acesso aos vídeos de Pedro do que a uma sala de aula, já que o sistema de ensino brasileiro tem 53 milhões de alunos, ensino superior incluso.
Além disso, o formato e linguagem favorecem não só a retenção do interesse, mas também a fácil compreensão e a curiosidade: ainda que a historicização de figuras heroicas seja gravemente controversa e possivelmente ficcional, os vídeos são um empurrão pra quem quer saber mais ou até mesmo fazer igual, estimulando a autonomia de aprendizado.
A iniciativa é foda porque não só Ph toma as rédeas da sua formação intelectual, mas também se dispõe a oferecer conteúdo negligenciado por boa parte da educação formal de forma bem lúdica. Traduzir a história negra do Brasil de forma bem-humorada em personagens é tarefa que muitas escolas não estão conseguindo cumprir.
Longe de mim demonizar o entretenimento disponível online pra adolescentes – afinal, ele é parte do nosso ócio necessário e também da socialização –, mas é bonito ver que tem molecada que adianta o passo e pauta algo tão relevante já tão cedo.
Apesar disso, ele faz questão de ressaltar que nem ele, nem a mãe são especialistas: “antes que me pergunte, minha mãe não é historiadora, nem militante, nem professora, nem jornalista” e, ao que me pareceu, só educa sua cria com excelência. Os vídeos são majoritariamente fruto do trabalho de pesquisa e dedicação do adolescente.
Mãe e filho, juntos, constroem uma rede de conhecimento, valores e autoestima que sustenta não só a identidade de Pedro, mas também o empoderamento de outros jovens negros que desconhecem boa parte de sua própria história e precisam da identidade una que ele ajuda a construir.
publicado em 11 de Fevereiro de 2016, 15:06