Lá estava ela...

Lá estava ela, sentada num canto da festa enquanto tudo pegava fogo. Não que ela não tivesse se divertindo ou aproveitando a festa. Pelo contrário, fez questão e dançou e curtiu e bebeu e riu, e riu e riu... Mas agora arrumara um lugar qualquer e descansava. Não só o corpo, mas também as ideias. Descansava a mente e percebi que conseguia relaxar de verdade. Tudo aquilo fazia muito bem a ela e não havia nada que ela merecesse mais, senão a paz.

Fugiu de todas as minhas investidas como o mais sutil dos toureiros. Mas ao contrário destes, não machucou aquele que contra ela bufava e atacava. Não perfurou espadas em meu corpo, não me matou para delírio de quem observava. Acolheu-me e acalmou-me como a mais gentil das mães faria com seus filhos mais hiperativos, sem dor, sem rancor, só mesmo carinho... Disse-me o que eu deveria ouvir, ainda que já soubesse. Tudo aquilo que eu mais temia de escutar. Mas não havia nada a mais a ser feito. Agora não...

Há muito tempo ela, por mais angelical e divina que me parecesse, sofria um grande mal. Não conseguia realmente amar a si mesma, antes de tudo e de todos. Não conseguia se entregar ao limbo da solidão e enfrentar os seus ensinamentos.  Na ânsia de se preencher, acabara por me dar espaço em sua vida e ainda que eu soubesse um bocado disso, entrei de cabeça nesse furacão de emoções e, claro que não poderia acontecer outra coisa, me apaixonei perdidamente.

Vai ver foi justamente esse ar perdido, essa incerteza no seu olhar, essa angústia em ter que tomar decisões que me cativou desta maneira. Senti-me um salvador, um herói, quando na verdade não passei de uma alternativa, um estepe, um remendo.

Daí o bicho pegou mesmo. No final das contas, não é que eu era um puta dum estepe? Um remendo da melhor qualidade? Uma alternativa consideravelmente viável? E isso bagunçou tudo. Na cabeça dela, é claro...

Mas enfim, nesse ar de festa, a tantas da manhã, as coisas parecem mais lúdicas, mais intensas, mais vívidas. Foi quando senti escorrer pelas minhas mãos a nossa relação de outrora, se liquefazendo e impossível de conter, não importasse qual o meu esforço. Como uma tentativa inútil de segurar água com as mãos, tudo que consegui manter foi uma pequena parte daquela cachoeira de emoções. O que me restou, apesar de muito pouco, me abalava, me confortava, me iludia...

Não havia mesmo o que fazer naquela festa. O casamento representava emoções diametralmente opostas às que eu sentia. Falei com os noivos, desejei novamente todas as felicitações pela união e pelo serzinho que a noiva trazia em seu ventre. Despedi-me de meus amigos e, como diria o Otto, saí morrendo de medo do desejo de querer ficar.

Cheguei até o estacionamento e percebi um vulto atrás de mim. Ela tinha me visto saindo, não queria deixar que eu fosse sem falar com ela. Movido por um último ímpeto, e um bocado por causa do vinho, maravilhoso por sinal, retomei as minhas investidas.

De uma maneira delicada e engraçada ela beijava os seus ombros dizendo, “tenho que me amar, o momento agora é só meu. Tem que ser assim, não há outro jeito...”. O pior é que eu sabia que era verdade. O pior é que eu acreditava naquilo, mesmo sem querer.

Como um jogador de poker, preparei minha última aposta, era tudo ou nada, “Eu te amo, porra!”. Se isso fosse um golpe, teria sido um cruzado no estômago. Senti que ela bambeou, ameaçou o nocaute, mas movida por uma força extraordinária, e aqui fica registrado o meu apreço e orgulho por essa força, me sorriu o mais lindo dos sorrisos, e beijou os ombros de novo.

Só pude mesmo rir e ver que aquela batalha estava encerrada. Não sei qual seria o fim da guerra e cá para nós, naquele momento realmente não importava, um guerreiro deve saber o momento da retirada.

Por fim, eu disse, “lembra-se daquele escravo que desafiou Roma? Bem, ele perdeu a sua guerra, mas será para sempre lembrado como aquele que semeou esperança e força em um terreno árido e sem vida. Não sei se vou ganhar essa guerra, mas se eu tiver conseguido semear a mesma esperança e força no seu coração, sei que vou viver para sempre na sua memória”.

O som de uma coruja rompe o silêncio da noite. “Se eu ainda não perdi essa guerra”, disse, “preste atenção nas corujas. Elas anunciarão o meu retorno.”

Assim nos despedimos e eu fui para casa, sentindo o sabor da mais doce das derrotas.


publicado em 06 de Outubro de 2012, 21:00
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Santiago Queiroz

Acha que escreve e sabe que não desenha. Gosta da vida como ela é, sem maquiagem. Servidor público, jura que faz alguma coisa pelo seu país, mesmo no extremo ocidente da Amazônia.


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