La La Land é isso tudo mesmo?

Só se fala no musical de Ryan Gosling e Emma Stone por esses dias. Mas tem um porquê

Interessante perceber como foram justamente os prêmios recentes que vieram aos borbotões para La La Land  que levaram muita gente ao cinema com dois pés atrás ou quatro à frente. E o grande pecado está justamente em assistir a este filme com expectativas. 

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Acompanhar a saga de Mia (Emma Stone e seus olhos grandes), uma garçonete que busca a oportunidade de poder atuar em Hollywood e vive de teste em teste, de chute na bunda em chute na bunda, e de Sebastian (Ryan Gosling e seus olhinhos pequenos), um músico que vê sua carreira minguar aos poucos, junto com o jazz que ele tanto preza, requer um tanto de melancolia, precisa daquele ceticismo que só os cínicos possuem.

Afinal, temos a ironia da autorreferência ao cinema e ao espetáculo, as dores e delícias de se estar em Hollywood e ter, à flor da pele e em seu cotidiano, a magia, a máxima americana que sonhar é, se tu lutas, conseguir. Temos a crise existencial de dois artistas em busca de viver das mazelas da arte, dinheiro e ego, talento e atenção. Ela quer atuar e os figurões não deixam. Ele quer explicar pra ela da importância do jazz, mas ela não quer saber. E que bela sacada do Damien Chazelle ir colocando esses acontecimentos todos de acordo com as estações do ano, o frio invernal, a maleabilidade da primavera, os calores de veraneio e, enfim, as quedas do outono.

La La Land é o exagero, a farsa martelada todo o tempo em um casal que não dança como dançava Fred Astaire e Gene Kelly, mas que arrastam seus sapatos bicolores na madrugada de Los Angeles como podem. Aos trancos e barrancos. A enganação mascarada o tempo todo em um Ryan Gosling e seu timbre de voz que lembra Chet Baker, ou melhor, uma imitação de cover de Chet Baker, o despretensioso do despretensioso, mas atraente demais, assim como as caretas de Emma Stone, lindas, mentirosas, deslavadas. Eles mentem bem demais, tanto a ponto de ele aprender a tocar piano para soar menos falso.

A enganação.

Em tempos de verdades doídas, a realidade cinza machucando a cada derrota, La La Land vem como cor para quem quer pirar um pouco e, enfim, ser conscientemente ludibriado por duas horas no cinema. 

Pra quem quer sonhar um pouco e, ainda assim, sentir aquela dor maravilhosa nos encontros e desencontros de um casal e seus dedos envergonhados na cadeira do cinema, temos aqui o filme perfeito.

Ai, que filme mais bonitinho!

Análise completamente pessoal e cheia de spoilers

Daqui pra baixo, é por sua conta em risco.

E que casal! Quanto carisma pode caber em Ryan Gosling e Emma Stone em cena juntos? Toda a frustração desde o trânsito à primeira trombada, do buzinaço dele em frente à casa dela no verão com a amiga "agora vai ser sempre assim, é?", e a Mia, com a cara da mais apaixonada: "sim, parece que sim". Suspiros.

La La Land é delicioso justamente por ser falso e forçado, clichê porque passa todo o tempo homenageando os musicais, a juventude transviada, o cinema clássico, a conversa do jazz, seu propósito. Chazelle se esforça com a câmera e permeia diversos estilos, dos planos-sequência musicais e complexos ao companheiro inicial e pueril de Emma Stone antes da festa na piscina, a câmera na mão nos momentos mais soturnos de confusão e decepção do casal que se vê em meio à frustrações ou se desencontrando na vontade. 

O nó na garganta quando ela fura o encontro em frente ao cinema e o deleite de testemunhar os dedos se tocando e entrelaçando antes de o filme derreter e as luzes se acenderem. E como dói acompanhar a derrocada, a separação, a clareza de perceberem que precisavam do afastamento para que, enfim, os anseios que ambos tanto buscavam durante toda a vida finalmente se concretizassem. 

E eles se encontram e se reconhecem bem sucedidos. Mas sem ser um, do outro. Como é bem feita essa mistura de orgulho e arrependimento no veloz olhar de ambos antes de ela ir embora. Eles sabem que seu certo dando errado, que eles poderiam ter ficado juntos sem nada daquilo ter acontecido, a felicidade deles. Que complexo e bonito esse fracasso da relação, essa cumplicidade, só dos dois - e apenas deles dois - do fiasco. 

Não deu. 

E é esse saber pleno do casal, uma afirmação simples como o filme em si, que faz de La La Land um filme muito mais legal do que muitos podem considerar, ofuscado, infelizmente, pela enxurrada de estatuetas que o filme provavelmente vai receber.


publicado em 24 de Janeiro de 2017, 00:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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