Lucha Libre: o violento e bizarro thriller mexicano

Verdade seja dita, não gostamos só de porrada, pancadaria, mas sim do espetáculo que envolve a batalha entre dois homens.

Ir ao ringue mais tradicional da Cidade do México é entrar nesse mundo.

É assistir a lutadores reais, de carne e osso, que pulam a uma altura inacreditável, fazem acrobacias no ar e derrubam os oponentes com movimentos que poderiam ser comparados a um fatality do Mortal Kombat.

Quando o primeiro homem caiu no chão e foi pisoteado pelo adversário, senti que a noite seria um thriller de violência farto em humor e bizarrices — só não imaginava que viriam travestidos em collants coloridos e anões voadores.

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Ao som das cornetas, batuques e gritos de "culero" (algo como "cuzão", em tradução livre), os luchadores mascarados entram no ringue em equipes de três para começar o espetáculo da Lucha Libre. Um a um, são escolhidos para se enfrentar e fazem isso com golpes tradicionais e verdadeiros voos para fora do ringue.

Eles pegam impulso nas cordas e arremessam o próprio corpo contra o oponente numa velocidade impressionante. O auge é quando sobem nos corners para iniciar ataques aéreos, os espetaculares e perigosos high-flying-moves — saltos altíssimos cujo alvo da queda é o adversário. E aí já era, na imensa maioria das vezes o golpe desnorteia quem é atingido.

Mesmo que a Lucha Libre não tenha um regulamento preciso, nessa hora, o luchador que está no chão (e será bombardeado pelo que vem de cima) não foge e nem desvia. "Temos que conter o ataque, mas nunca deixar o oponente cair no chão, pois isso poderia feri-lo gravemente", explica Máscara Dorada, um competidor de Guadalajara, estado de Jalisco. Essa espera pela queda do outro dá ao público uma impressão de movimento ensaiado, por isso muitos tratam a luta meramente como um show.

Não dá pra afirmar que as lutas são combinadas, mas é possível perceber uma certa coreografia acrobática ali, com movimentos tão perfeitos, golpes tão certeiros e quedas tão plásticas, que é difícil acreditar que tudo seja real. O calor da briga e a vontade de vencer não combinam muito com essa precisão toda. Mas nem tudo segue um script e às vezes os lutadores vão embora de maca ou sangrando, geralmente nas disputas finais, quando o clima fica mais violento.

Algumas apresentações são mesmo cômicas, com anões, que são jogados pra cima e chutados com facilidade. Aliás, essa coisa dos anões na luta é meio forçada: eles aparecem como em um picadeiro, para fazer as pessoas rirem da sua desgraça, afinal não têm chance física alguma contra os gigantes que estão no ringue.

Lucha Libre

Outra participação que faz o público rir de cara é a dos Exóticos, os luchadores maricones, que entram no ringue como uma espécie de "drag-fighters" — com collants bem afeminados, movimentos afetados e reboladas pra lá de femininas. Eles fazem cena, tentam dar beijinho nos machões que estão ali, exageram nos trejeitos e trazem à tona risadas e todo o preconceito (ou recalque) de grande parte do público.

Das arquibancadas se ouve todo tipo de xingamentos e gritos de torcida, como em um jogo de futebol. "Eres tan pinche fea que ni la crema hidratante te penetra" (você é tão feia que nem um creme hidratante te penetra) é uma das ofensas, gritada por um cara tipo líder de torcida, à (suposta) falta de beleza de algumas luchadoras na luta entre mulheres.

Hermosas y malvadas

Uma das melhores tequilas do mundo, fabricada em Guadalajara, se chama Tres Mujeres. O nome nada tem a ver com a Lucha Libre, mas a associação é inevitável: tal como a bebida, as equipes femininas de Lucha Libre (com tres mujeres) derrubariam qualquer um rapidinho.

Depois de uma ou duas lutas masculinas, elas entram em cena. Sejam as gordas, com aspecto malvado e sempre muito fortes, ou as gostosonas, elas dominam técnicas e lutam sem frescuras. São tantas "ganas" de vencer que as lutas se tornam perigosas: assisti a uma luchadora que se jogou para fora do ring num high-flying-move e caiu de cabeça. Ela foi levada embora de maca.

Uma das luchadoras com maior torcida na Arena México, Estrellita afirma que sempre há uma aura de sexualidade maior quando são mulheres no ringue. "O público nos vê como símbolos sexuais, por causa do corpo e da roupa. Quando nos atracamos uma contra a outra então, muitos associam ao sexo", diz.

Ela gostaria de mais igualdade de gênero, mas comemora uma evolução. Vinda de uma família de luchadores (como tantos outros competidores famosos), Estrellita começou há 20 anos e naquela época havia muito preconceito. Ela diz que sempre teve que se esforçar o dobro para provar que poderia lutar com tanta técnica quanto os homens. "Tinha que mostrar que mulheres não servem só para lavar, passar e cozinhar, mas também podem lutar, hoje em dia isso é visto com mais naturalidade", comemora. E elas dão um show, com muitos ataques aéreos e briga pesada.

É curioso que quando os competidores são homens, os gritos da torcida são sempre relacionados à força e técnica e os xingamentos são genéricos, como "culero", mas quando mulheres estão na briga, muitas referências são feitas à beleza ou capacidade sexual delas.

Pelo clima quente na arena, talvez intensificado pela pimenta presente em todas as comidas (sim, até pipoca é picante) e pelo álcool, algumas mulheres se revoltam com esse tipo de coisa, arranjando bate-boca na arquibancada.

Preparação dura

Em meio a essa euforia, gritos e aplausos, os luchadores vivem momentos de glória.

São ali os heróis e vilões com capacidades físicas extraordinárias — a maioria vem de artes marciais como Luta Olímpica,Luta Greco-Romana, Judô, Karatê e Kung Fu, outros foram ginastas profissionais.

Todos passam por cinco anos de preparação exclusiva para a Lucha Libre. Quando se tornam profissionais, os treinos são diários. E o esporte não está livre de acidentes. Assim como a luchadora que vi cair, Máscara Dorada já caiu de cabeça de um ataque aéreo e teve que ficar três meses fora das competições.

Vale-tudo?

Foto por Juan Carlos Sánchez Díaz
Foto por Juan Carlos Sánchez Díaz

Se no início era um contra um, quando a porrada está comendo solta, juntam-se dois ou até três contra um. E nessa confusão, dá um prazer sádico ver um luchador completamente derrubado ser segurado de pernas abertas por outros dois e em seguida receber um chute no saco do terceiro da outra equipe. E não é um chute qualquer, é um impulso aéreo seguido de uma pisada forte.

De acordo com o luchador Titán, também de Guadalajara, essa desigualdade no ataque só é permitida por cinco segundos dentro do ring. Já para quem assiste, a impressão que fica é que é uma regra completamente ignorada por todos.

O público delira.

Mesmo que os competidores estejam mascarados e não se possa ver direito a fisionomia de cada um, dá pra sentir a realização que é aquele momento. Mas dura pouco. Entrei nos vestiários para conversar com eles e a vida fora dos holofotes é bem mais ferrada do que parece.

A maioria dos luchadores é de origem humilde e vê no esporte uma forma de reconhecimento. Eles passam por muito perrengue antes de atingir a fama e, mesmo com ela, os treinos espartanos (ironicamente) limitam as liberdades da vida pessoal de cada um.

É uma profissão ingrata: um minuto de fama e algum dinheiro em troca de uma vida cheia de limitações e sem glamour nenhum fora do ringue — até porque, quase ninguém nem os reconhece fora dali, já que ficam o tempo todo mascarados.

A êxtase do ringue, contudo, vicia e alimenta a alma dos guerreiros da lucha. Em 1999, Tyler Durden, personagem de Brad Pitt no clássico Clube da Luta, já preconizava: "Depois de lutar, tudo na sua vida tem menor importância".

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publicado em 01 de Novembro de 2013, 08:06
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Juliane Massaoka

Jornalista, escritora e viajante.


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