Marco Feliciano e os cristãos contra Jean Wylys: nem a retórica se salva. Por que?

Nota do editor: Obviamente não há generalização com o termo"cristãos" utilizado no título e no artigo. A autora fala claramente sobre, de todos os cristão existentes no planeta Terra, daqueles que tramam -- direta e indiretamente -- com o específico caso da tentativa de cassação do deputado Jean Wylys. Logo, se você é cristão mas não tem nada a ver com o caso em questão, fique tranquilo. Não há um ataque gratuito contra qualquer religião cristã. Com isso, não seja agressivo gratuitamente nos comentários.

Desde que o pastor Marco Feliciano foi indicado presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, meu Facebook tem sido inundado por revolta, sarcasmo e boas críticas. Geralmente me sinto contemplada, por isso não me manifesto. Não havia me pronunciado até ler uma das últimas postagens fresquinhas:

Uma das imagens que anda circulando nas redes sociais

Evangélicos pedem a cassação de Jean Wyllys
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) ficou famoso nacionalmente após ter vencido um reality show se declarando gay num dos programas de maior audiência da TV brasileira. Eleito deputado com apenas 13.016 mil votos, começou uma campanha na Câmara para que leis como a PL 122 fossem aprovadas, tentando dar fim ao que classifica de “homofobia”.
Desde que assumiu essa postura, teve diversos embates públicos com os políticos que discordavam dele e de suas propostas, em especial os membros da bancada evangélica. Após a entrevista de Malafaia no SBT e a eleição de Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos, Wyllys passou os últimos meses atacando constantemente os posicionamentos dos cristãos, em especial nos debates sobre a comunidade LGBT.
Não apenas os evangélicos, pois conseguiu angariar muita antipatia entre os católicos depois de ter criticado no Twitter o que ele chama de “fundamentalistas”, incluindo nesse grupo o papa Bento 16 quando este se pronunciou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Nas últimas semanas surgiram campanhas nas redes sociais pedindo a cassação do mandato de Jean Wyllys. Segundo as imagens reproduzidas milhares de vezes no Facebook com frases atribuídas ao deputado, a principal indignação dos evangélicos é sobre o que Wyllys teria dito sobre a pedofilia.
De um e-mail atribuído a ele e divulgado pelo filósofo Olavo de Carvalho, retirou-se a frase“Defendo, sim, o direito de qualquer pessoa poder dispor do seu corpo da forma que bem entender – inclusive as crianças, pois estas têm as mesmas necessidades que os adultos e não são propriedades de ninguém”.
A outra frase seria de uma entrevista dele à Rádio CBN também defendendo a pedofilia. Porém, o deputado nega ter dado tais declarações [...]

Esse tipo conteúdo não surpreende, mas sempre afeta. Depois de vários compartilhamentos indignados dos amigos que, assim como eu, defendem os direitos LGBTs, resolvi avaliar.

Link YouTube | Vídeo divulgado no site citado abaixo que está pedindo a cassação do deputado Jean Wylys

O que chamou minha atenção na notícia foi o conteúdo do manifesto público postado no site Change.org. Trata-se de uma petição pública que pede a cassação do deputado Jean Wyllys, do PSol:

“A sociedade brasileira se mostra, por meio desta petição ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, cansada da quebra de decoro do parlamentar Jean Wyllys que publicamente demonstra e incita o desprezo à (sic) partes da sociedade do nosso país e à democracia. Por diversas vezes, o deputado fez comentários contrários à Constituição Federal, ofendendo cidadãos brasileiros que divergem de sua limitada visão de mundo. Realizou ataques pessoais e a grupos, com intuito de se autopromover, desrespeitando o preceito básico do bom senso.
Um Deputado Federal é um representante do povo, e deve porém (sic) fazer-se essa representação de uma forma homogênea e não colocando uma parte da sociedade contra a outra como esse senhor vem fazendo na sua incessante busca da dualidade entre religião e sexualidade, como visto em seções na públicas na câmara onde ele levou um "Pastor inclusivo" para afrontar símbolos e preceitos religiosos, quando a constituição garante a liberdade religiosa, ainda por cima chamando a família de desgraça quando a constituição no “Art. 226. diz: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Fora as afrontas disparadas em suas redes sociais contra o Papa Bento XVI, podemos discordar do Papa sim, claro que sim, tenho várias divergências teológicas porém o respeito é base da boa convivência democrática”.

Sim, esse conteúdo me irrita, mas me faz rir, porque ele mesmo se condena. Segundo que, dos argumentos colocados pela Petição, a única coisa que seus proponentes podem afirmar com certeza é que eles próprios discordam de Jean Wyllys e que discordam dos LGBTs.

O que esses argumentos fazem é nos permitir olhar para a visão de mundo muito limitada dos próprios requerentes e não daqueles que Wyllys defende. Por quê?

Analisemos:

1. Não. Defender minorias ou a pluralidade sexual, cultural, religiosa não é contra a Constituição Federal. A liberdade de expressão é permitida por ela. O que não é permitida é essa invasão religiosa no aparelho do Estado. Isso sim é inconstitucional. Sugiro aos deputados da bancada evangélica e a todos seus apoiadores que leiam a constituição.

2. Um Deputado Federal não se define como alguém que deve fazer a representação do povo de forma homogênea. Se os proponentes da petição querem o governo da maioria, sugiro que vão para a China.

Aliás, a bancada evangélica não é “o povo”. Se sua existência baseia-se no reconhecimento do direito da representação dessa parte da população no aparelho do Estado, presume-se a possibilidade de que “o povo” seja cristão, macumbeiro, ateu, muçulmano, espírita e etc. A única coisa boa da democracia é o princípio da isonomia, que não tem nada a ver com homogeneidade ou maioria, mas sim com equidade.

3. Há um problema de lógica: o cristianismo (o islamismo e outras grandes religiões...) condena a homossexualidade por definição, logo, não são os LGBTs ou o deputado Jean Wyllys que incitam "uma dualidade entre a religião e a sexualidade", mas sim essas religiões que são contra a representação da sexualidade requerida pelos LGBTs. A lógica é essa, não se pode reverter.

4. Os LGBTs não são contra a instituição familiar. O cristianismo que é contra qualquer instituição familiar que não seja a defendida pelos pastores, padres, bispos, papas, ou seja lá quem for. Mesmo caso do item 3: o inverso não é verdadeiro.

Se Wyllys realmente chamou a família de desgraça (afirmação suspeita, já que os defensores de Marco Feliciano, Bolsonaro e Malafaya também o acusaram de defender a pedofilia...), sua fala não representa o grupo que ele defende e que é constantemente atacado pela bancada evangélica. Pelo contrário. Os LGBTs comemoraram avidamente a atual conquista da união homoafetiva e o direito conquistado de formarem suas próprias famílias.

5. Não existe “um” ou “o” “preceito básico do bom senso”, assim como não existem “a” ou “uma” “moral”. Novamente aqui, os requerentes não saem do círculo de sua própria moral para pensarem em algo tão complexo quanto “o bom senso”.

Aliás, bom senso mesmo tem o movimento LGBTs, que nunca disse aos cristãos ou aos religiosos em geral o que eles têm de fazer ou como têm de fazer para viver. Eu, pelo menos, nunca vi um homossexual bater à porta de ninguém pregando que a relação sexual entre heterossexuais é imoral.

6. A "Heterofobia" é um argumento inventado e bem ridículo, quase vindo de Sucupira. Não há casos de violência "heterofóbica" ou de membros do movimento LGBTs advogando contra a família, seja ela qual for, ou contra a heterossexualidade. De novo, o movimento não está nem aí para a família heteronormativa e coxinha, assim como não está nem aí se você faz sexo só para reprodução.

O movimento só quer garantidos e reconhecidos os direitos de os homossexuais terem a sua própria família e usarem seus corpos da maneira como quiserem. Isso está de acordo com uma leitura decente do princípio de isonomia. Não somos todos iguais. E por não sermos, temos de reconhecer a diferença para garantir direitos correspondentes a elas.

7. “Um pastor inclusivo” ainda é só um pastor e não um representante da democracia ou dos "direitos humanos". “Uma” moral, “uma” verdade, implicam em uma única possibilidade de inclusão: a inclusão no meu grupo, na minha verdade, na minha moral. A democracia não se baseia nesse tipo de inclusão, mas sim no reconhecimento e aceitação da diferença. A humanidade é diferença.

Em suma, o que nos deixa intelectualmente envergonhados frente ao mundo inteiro quando colocamos para discutir Direitos Humanos (humanidade: conjunto infinito) uma pessoa que tem uma visão limitada de Humanidade (religião: conjunto finito), como o pastor e Deputado Marco Feliciano, é colocarmos o "um" para defender o "muitos", ou aquele que quer todos iguais para defender justamente a comissão que considera que somos todos diferentes.

A manifestação de Wyllys contra essa desgraça de representatividade na comissão é legítima. Aliás, falta de decoro parlamentar é o uso inadequado das prerrogativas do cargo parlamentar, então, deixo que os leitores façam suas próprias interpretações críticas, sarcásticas, lógicas, intelectuais, indignadas desse imbróglio ridículo...

Eu, por enquanto rio. Meu medo é quando a república das bananas deixar de ser ridícula para ser realmente fascista. E ela tem um grande potencial.


publicado em 22 de Março de 2013, 10:00
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Carol Bazzo

Totalmente professora, meio antropóloga, quase psicanalista, radicalmente nerd, suficientemente feminista. Gasta mais tempo do que deveria na web e nas redes sociais.


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