Mario Name, Comandante da TAM - Parte II

Dando continuidade à primeira parte da entrevista, conheça o estilo de vida de um piloto com mais de 20 anos de experiência.

Esse é o Mario... ou seria um agente secreto

PapodeHomem: Para você qual a maior vantagem e a maior desvantagem de ser um piloto?

A maior vantagem é poder dominar uma máquina moderna cortando os céus e conhecer muita coisa por esse mundo afora. A maior desvantagem é conhecer o mundo e ver como o nosso país tem que se desenvolver. Você vê o que é bom pelo mundo e quando chega no Brasil se assusta.

PapodeHomem: Você se lembra do seu primeiro vôo como comandante? Conte-nos qual é a sensação de estar do lado esquerdo da cabine.

Ahhh. Não tem sensação igual. Ainda me lembro com carinho. Você tem uma responsabilidade muito grande. Muita gente contando com você, com sua decisão, com seu bom senso e julgamento. É prazeroso demais. Quando tudo dá certo e você sai do avião, dá uma tremenda sensação de dever cumprido.

PapodeHomem: Todo piloto tem suas preferências. Por exemplo, voar de dia ou voar de noite? Existe alguma que você considere só sua?

Eu gosto de voar. Gosto de voar de dia e de noite, não tenho preferência. Tem uma coisa que gosto muito, que é voar internacional. O vôo internacional é um vôo diferente, mais trabalhoso. É muito bom.

PapodeHomem: A vida é repleta de histórias, que vão acontecendo no decorrer do tempo. Aproveite e conte-nos algo engraçado que ocorreu com você como piloto.

Certa vez, há cerca de 20 anos, estava voando um avião pequeno e que não tinha banheiro. Só que a vontade de ir ao banheiro foi aumentando e aumentando. Havia quatro passageiros naquele dia e estávamos na metade do caminho. Tive de pedir desculpas aos passageiros e pousar em uma cidade, na metade do caminho, para ir ao banheiro. Todos riram muito, mas aproveitaram para ir também!

PapodeHomem: Qual foi o momento ou a situação mais emocionante da sua vida como piloto? Você se recorda?

O momento mais emocionante foi a primeira vez que cruzei o Oceano Atlântico, em 1997, e me recordo como se fosse hoje. Eu estava em um jatinho executivo e foi um vôo muito trabalhoso. Fiz a rota Recife, Ilha do Sal, Madrid. Foi uma emoção muito grande para mim como piloto.

PapodeHomem: Qual é a sensação de ter que confiar cegamente na aeronave? Isso te assusta?

Nunca assustou. Fazemos pousos com nuvens a sessenta metros do chão. Isso nunca me preocupou. Confio muito em meus instrumentos de bordo, afinal, sou treinado exaustivamente pela empresa e a manutenção é criteriosa, nesse sentido. Se não fosse assim, não poderia voar.

PapodeHomem: Qual a relação que há entre você e a aeronave? Eu digo, existe sim aquela afinidade, afinal um depende do outro ou isso é loucura?

Eu já ouvi falar de pilotos que conversam com o avião, cumprimentam e até se despedem. Eu acho que sou mais prático. Trato o avião como uma máquina. Respeito muito a máquina.

PapodeHomem: Quem erra mais? O homem ou o equipamento? E porque?

Sem dúvida o homem. Ainda temos muito que trabalhar. O erro humano diminuiu muito com a ajuda de estudos e equipamentos de bordo cada vez mais modernos. As falhas de equipamento são repetidamente treinadas em simuladores de vôo.

PapodeHomem: Porque você acha que, ainda hoje em dia, muita gente tem medo de voar?

Por pura ignorância. Eu explico. As pessoas não imaginam como é uma cabine de avião. Muita gente nem pede para ver, de medo. Quem tem medo deveria ir até a cabine depois do pouso, com o avião parado, e conversar com o piloto. Eu faço muito isso com os passageiros. Explico como a aviação está moderna e mostro como a cabine do avião está avançada. Hoje, temos computadores que nos monitoram o tempo todo. Um dia desses uma senhora me contou, na porta do avião, que ela morria de medo de voar. Foi a uma livraria, comprou vários livros sobre aviação e estudou todos eles. Hoje já entendendo como funciona, perdeu o medo. Eu achei fantástica essa idéia.

PapodeHomem: Em termos de tripulação, como funciona? Você geralmente conhece com quem vai voar ou é uma surpresa a cada vôo?

Normalmente voamos com pessoas diferentes a cada vôo. Uma tripulação muito dificilmente, ou, quase nunca, se repete.

PapodeHomem: Quando você não está em serviço (isso inclui viajando), o que mais gosta de fazer? Tem algum hobby?

Divido meu tempo entre família, amigos e estudos. Leio muito e gosto de viajar de carro. Por incrível que pareça, quando estou de folga gosto de dirigir nas estradas. Com um bom carro e uma boa música, vou dirigindo até onde agüentar.

PapodeHomem: Falando em hobby, pessoas passam horas e horas na frente de um computador simulando o seu trabalho através do jogo/simulador Flight Simulator. Você tem conhecimento da aviação virtual? O que acha da iniciativa dessas pessoas apaixonadas pela aviação? Como é vista na aviação real? Conte-nos mais sobre como você vê esse “outro mundo”.

Eu sou suspeito. Admiro muito esses colegas virtuais. Fui convidado há pouco mais de um ano a conhecer a aviação virtual pelo meu irmão, que é fisioterapeuta e piloto virtual. Ele é comandante de Airbus na aviação virtual. Fiquei impressionado com aquilo. Os pilotos voam como se fosse de verdade. Não acreditei que aquilo podia acontecer. Em um site os pilotos se cadastram em uma rede chamada IVAO. Lá, eles voam com controle de torre como se fosse de verdade. Eles usam um programa de voz e falam no rádio com a mesma desenvoltura de um piloto real. Fiquei tão impressionado que passei a fazer parte daquilo. Comecei a ensinar algumas coisas na rede, como meteorologia e fraseologia de rádio. Depois tive um treinamento e fiz exames para me tornar controlador de tráfego aéreo virtual. Hoje, quando me sobra um tempinho, eu controlo a área terminal de São Paulo. Muita gente da aviação real não imagina que a aviação virtual é tão desenvolvida.

PapodeHomem: A aviação como um todo tem feito de você uma pessoa melhor? Em que aspectos?

Sim, a aviação é uma escola. Digo isso porque a gente vive conhecendo muita gente e muitas culturas diferentes. Seja no norte ou no sul do Brasil, ou em um lugar como a Islândia, onde já pousei. Se bem aproveitada, essa experiência transforma a gente. Eu, com certeza, tenho aprendido muito nessa vida de piloto. Afinal são 21 anos de vôo por esse mundo.

PapodeHomem: Na aviação todos têm apelidos? Se sim, qual era ou é o seu? E porque?

Não são apelidos, chamamos de “nome de guerra”. Alguns pilotos e comissários são chamados por um nome diferente do seu. Outros, como eu, são mais conhecidos pelo próprio nome. Isso é opção de cada um.

PapodeHomem: Se tem algo que te inspira para continuar, vencer, evoluir, etc... o que é?

A vontade de me superar. Todo dia eu quero fazer mais que ontem. Todo vôo eu quero fazer melhor que o último. Todo dia eu quero aprender mais coisas. Falo quatro idiomas e quero mais. Eu agora faço Faculdade de Aviação Civil, porque no meu tempo não existia. Então mesmo beirando os 40 anos, entrei pra faculdade. Quero aprender o que os pilotos que estão começando aprendem. O que me faz continuar é a vontade de ser sempre melhor.

PapodeHomem: O que significa ser chamado de comandante para você?

Que tenho uma responsabilidade muito grande com os passageiros, que dependem de mim e da tripulação para chegar em seu destino e ver seus familiares. Para mim, ser chamado de comandante, significa responsabilidade.

PapodeHomem: Deixe uma mensagem para a equipe da Papo de Homem e para os leitores também. Uma última consideração!

Minha mensagem é óbvia.Eu faço o que gosto e por isso faço com prazer. Fico triste de ver gente que não gosta do que faz. Se você não está feliz com sua vida, faça algo para mudar. Eu amo meu trabalho e a empresa onde trabalho. E isso não tem preço.

PapodeHomem: Muito obrigado pela excelente entrevista Mario e pela cooperação da TAM ao longo do processo. Abraço!


publicado em 30 de Março de 2007, 11:11
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Breno Spadotto

(Quase) publicitário e apaixonado pelo comportamento humano. Acredita que as coisas só vão para frente se a causa for abraçada: "Take your risks, live your dreams". Pretende escrever de frente para o mar daqui a alguns anos. No Twitter, /@bnospadotto.


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