Masculinidade: por que essa conversa também interessa às mulheres?

Já sabemos que narrativas caricatas de homens-monstros-violentos e mulheres-vítimas-indefesas não contam a história completa. Então como darmos as mãos nessa caminhada?

Começo com histórias reais.

Dia desses estava saindo de uma palestra sobre o que está acontecendo com os homens, que conduzi num escritório de direito em São Paulo. Uma das advogadas presentes me para na saída e diz:

"Adorei o papo! Olha, também acho que homens e mulheres precisam se unir mais. E sabe de uma coisa, sou mãe de um filho pequeno e demorei um bocado pra reconhecer que o que quero mesmo é passar mais tempo em casa com ele.

Eu tinha vergonha de admitir isso! E fico pensando em quantas dúvidas e vergonhas os homens também não passam."

Em outra roda de conversa sobre masculinidade que puxei, agora só com diretores (creio que contei dessa no meu instagram pessoal), uma das líderes, já nos seus cinquenta anos, pede a palavra:

"Tem uma coisa que não podemos esquecer que é do papel das mulheres nessa confusão toda. As mães são as grandes responsáveis pela criação dos filhos. E se vivemos num mundo machista e com homens tão agressivos, elas também têm parte nisso.

Então me interessa sim estar nessa conversa, não só pra exigir que eles melhorem, mas pra também reconhecer nossos erros."

E num encontro misto de homens e mulheres, com pessoas representando empresas e outras não, escutei o seguinte de um homem nos seus quarenta, branco e pai de duas crianças:

"Fico até sem jeito de perguntar isso numa roda com tantas mulheres, mas é o seguinte. Eu sou homem, branco, classe média alta, diretor numa multinacional. Sou quase todos esses privilégios aí que vocês falam. E fico me sentindo acusado boa parte do tempo, parece que não posso falar nada e alguém já me manda calar a boca.

Como posso pra me comunicar e tirar minhas dúvidas no meio disso, sem levar ficar levando porrada?"

* * *

Assim está a conversa sobre o que é ser homem, hoje: complicada.

Recheada de dúvidas, vergonha, medos, dedos apontados, raiva, cansaço. 

Um mar de ressentimento que às vezes nos faz esquecer do quão maravilhosos feminino e masculino podem ser, em suas diferenças e complementaridades.

Mas em meio a tanta dificuldade, também vislumbro esperança, vulnerabilidade e empatia, ao sermos capazes de reconhecer que homens e mulheres são seres complexos.

Ambos sofrem, em diferentes medidas — esse link possui dezenas de dados sobre isso, que separei pessoalmente, vale o tempo de vocês. E os dois estão intimamente conectados. Tudo que afeta o feminino, impacta o masculino. E vice-versa.

Se formos pelo caminho do cabo de guerra, ninguém sai do lugar.

Não vamos atravessar os problemas que enfrentamos hoje buscando culpados pra se queimar na fogueira das redes sociais, numa espécie de inquisição moderna.

Mas, afinal, por que essa conversa também interessaria às mulheres? 

Bate-papo sobre o tema desse texto que fizemos na antiga sede do PdH :-)

Gênero diz respeito a relações entre homens e mulheres. Tudo que afeta o feminino, impacta o masculino. E vice-versa. Ambos se constróem se maneira co-emergente.

Quando entendemos que "gênero no poder" nem sempre conta a história completa sobre os homens — como sugiro nessa palestra —, podemos substituir padrões de acusação e raiva por uma jornada lado a lado.

De cá, não acho que vá existir mudança sustentável a longo prazo sem esse diálogo. 

Se elas aspiram que os homens se transformem, que as reconheçam como pares, para que elas possam ocupar cargos de CEO e líderes políticas como eles, que não sejam violentadas e assediadas como acontece hoje, entender melhor quais obstáculos eles enfrentam pode ser uma boa.

Afinal, tendemos a escutar quem nos escuta. 

Compreendo quando mulheres dizem que não são elas quem deveriam escutar, pois já estão sofrendo por muita coisa e os homens passaram séculos as ignorando. Por outro lado, me empatizo por homens explicando que não aguentam mais se sentirem acusados de tudo a todo momento.

E aí, como quebramos esse impasse?

Minha sugestão vale pra qualquer um, seja homem ou mulher. Se estiver num espaço emocional que permita isso, dê o primeiro passo e puxe uma conversa sincera, paciente, sem ânsia de convencimento, para mergulhar no que o outro realmente vive.

Faça isso uma, duas, inúmeras vezes. Torne uma prática. 

Se não tiver saco pra esse papo de empatia, ainda resta o argumento da eficiência

Compreensível quando alguém torce o nariz só de ler mais um texto falando em se colocar no lugar do outro, empatia, bla bla bla... ok.

Mas por um viés puramente prático, o trabalho sujo da mudança é mais árduo e demorado do que parece. Depois que um homem ou mulher reconhece que deve mudar a maneira como exerce seu papel, a jornada só começou. O restante vem com muito tête-à-tête.

Vou compartilhar um exemplo.

Quando estava em Recife há uns anos visitando um casal com três filhos pequenos, escutei o seguinte do marido:

"Não é fácil não, minha mulher me pedia pra entender ela, voltar pra casa e cuidar dos filhos, meio a meio. Eu escutei, entendi e topei. Só que aí começaram outras brigas, porque o que faço nunca é do jeito dela, ela fica me dando ordens pra fazer como ela acha que tem que ser.

Tem que ser uma via de mão dupla. Se volto pra casa, ela precisa entender que tenho outro jeito de ser pai e de cuidar do lar."

E a esposa, super feminista, que pensaria disso? Ela estava do lado, concordando com ele:

"É duro mesmo, admito. Por mais que eu desejasse isso, foi difícil aceitar que ele realmente não vai fazer as coisas como eu quero e tudo bem. Tem sido um aprendizado pra nós dois."

O ambiente doméstico também pode ser um tremendo espaço de poder. As mulheres também podem ser controladoras e violentas, de diversas formas. E assim como às vezes é complicado pra homens abrirem caminho pra elas nas empresas, pra elas pode ser complexo não ter as rédeas do lar e da criação dos filhos.

Recebemos relatos diários de homens e mulheres absolutamente confusos pelos emails e caixas de comentários do PdH. Sem saber qual "regra" devem seguir em meio a tantas opiniões, reportagens sensacionalistas e textões de facebook.

Spoiler: não vai ter manual que dê conta do recado.

Cada situação pede um acordo, uma linguagem, uma abordagem e ações próprias. A sua família, empresa ou círculo familiar são redes que você conhece melhor do que ninguém.

Não faz sentido quem está de fora impor regras de conduta. 

Ninguém é obrigado a escutar ou que "tem que" fazer isso ou aquilo. Cada deve respeitar seu tempo e, de preferência, oferecer a mesma cortesia às outras pessoas.

Esse texto apenas oferece às mulheres um outro olhar sobre o que acontece com os homens, na tentativa de nos aproximar.

Não podemos abrir uma guerra aos homens. Que tal jogarmos luz nas forças e riquezas do masculino?

Dados, dados, dados:

Uma pesquisa realizada pela ONU Mulheres e o PapodeHomem revelou que 45% dos homens entrevistados não gostariam de se sentir inteiramente responsáveis pelo sustento do lar, por exemplo. E mais: 45,5% deles gostariam de se expressar de forma menos agressiva, mas não sabem como.

Aqui mais 11 desses dados e aqui o relatório completo, uma chuva de dados.

O que fica, desse apanhado de dados e relatos colhidos pela ONU e pelo PdH — compilados lindamente neste documentário — são sugestões sobre como podemos construir relações mais amorosas, construtivas e saudáveis entre todos, independentes de rótulos ou teorias.

E pra você, a conversa sobre masculinidade interessa às mulheres ou não?

Seguimos nos comentários.

Mecenas: Aramis (com um convite especial para conhecerem a Casa Aramis)

Se você dá valor a cada momento e gosta de viver intensamente. Se está sempre em busca do novo e sabe que suas escolhas definem sua personalidade. Se ser autêntico faz parte do seu estilo de vida, a coleção Primavera-Verão Aramis tem tudo a ver com você.

Mais do que combinar com sua maneira de vestir, combina com sua maneira de ser e pensar.

* * *

Por 6 dias durante Outubro, a Casa Aramis vai ser a sede do PapodeHomem e a casa dos homens. O PdH será co-anfitrião do espaço, articulando uma programação com vivências, rodas e conversas.

Vamos tratar de algumas das tensões chave do masculino: sucesso, trabalho, mundo emocional, sexualidade, dinheiro, indo muito além de estilo e guarda-roupa. Teremos convidados especiais e livestreaming de todas as atividades.

É uma preciosidade vermos uma marca acreditar em caminhos autênticos de transformação para os homens.

Esperamos vocês por lá!


publicado em 24 de Outubro de 2017, 00:10
File

Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


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