Metallica: 28 anos de porrada, álbum a álbum

Formada em 1981, o Metallica é uma das bandas que mais "construiu caráter" no planeta. A história básica você pode ler na Wikipédia, mas aqui vamos fazer uma retrospectiva recheada de vídeos desses músicos com cara de outsiders, párias tocando músicas agressivas para todos se rebelarem contra a autoridade.

Como não se identificar com James Hetfield no vocal/guitarra, Kirk Hammet na guitarra solo, Lars Ulrich na bateria e Cliff Burton no baixo? Como não se identificar com um álbum que se chama Kill 'Em All, cuja capa é uma marreta suja de sangue?

Kill 'Em All | 1983

"Seek and Destroy": dê play antes de continuar lendo.

O primeiro álbum é imaturo no instrumental e na temática. Muita disposição, muita velocidade e pouco detalhismo técnico. É música pra bater cabeça, tomar cerveja e gritar com os amigos.

Um pouco da NWBHM sem a elegância britânica mas com a típica transgressão e agressão norte-americana. Esse era o som que estava começando a nascer na Bay Area de São Francisco. A pergunta que fica é como um lugar tão gay friendly pode ter gerado um dos estilos mais brutais do heavy metal.

Antes que as viúvas do Mustaine fiquem de chororô: sim, algumas das composições ele participou, mas não gravou nada com o Metallica. Sobre essa fase eu sugiro assistir o vídeo Cliff 'Em All, com apresentações bem do começo da carreira.

Depois do sucesso do Kill 'Em All, o Metallica entrou na sua era de ouro com 3 álbuns perfeitos, impecáveis e insuperáveis: Ride the Lightning, Master of Puppets e And Justice For All.

Ride The Lightning | 1984

"Fade to Black": ao vivo no Monster of Rock (Moscou, 1991), a versão mais destrutiva.

A diferença do primeiro para o segundo álbum é tão gritante que parece algo gravado por outra banda.

A temática de Ride the Lightning é sombria: praticamente todas as músicas tratam de morte e sofrimento, inspiradas em filmes e livros, como em "The Call of Ktulu", "Creeping Death" e "For Whom The Bell Tolls".

Master of Puppets | 1986

O álbum seguinte – considerado a maior obra-prima da história do Metallica e até do heavy metal em geral – conseguiu melhorar o que já era excelente.

A produção melhorou e a voz do James engrossou! Compare com Kill 'Em All para notar essa diferença no vocal. O instrumental conseguiu unir a agressão rítmica do thrash com melodias assoviáveis. Ouça o interlúdio da música tema, a instrumental "Orion" e mesmo "Sanitarium".

"Master of Puppets": show de 1986, alguns meses antes da morte de Cliff Burton.

E então uma tragédia abalou a banda: num acidente de ônibus, o baixista Cliff Burton morreu esmagado pelo ônibus que o carregava, no interior da Suécia. Uma banda de frutinhas teria acabado aí mesmo.

Porém, apenas alguns meses depois, o Metallica já estava em estúdio para produzir mais uma obra-prima...

And Justice For All | 1988

É um álbum brutal, porém muito técnico. Longas introduções, longos interlúdios, muitos solos e bases rítmicas com muitos gritos. Pra não dizer que é um álbum perfeito, a produção até hoje é motivo de reclamações. O baixo é simplesmente inaudível. Será trauma da troca de baixista? Punindo ele por substituir o amigo de velha data?

Como sugestão, ouça "One", "Harvester of Sorrow" e a maravilhosa instrumental "To Live Is To Die". Lars está no auge da criatividade e complexidade no seu instrumento, Kirk faz solos históricos e James grita mais que um satã sendo estuprado numa cadeia.

"One": Ao vivo, o Metallica sempre deu 100%. Quem assistiu o show deles no Brasil em 1999, como eu, pode confirmar.

Aqui quero fazer uma pausa para uma teoria minha. Acredito que o Metallica seguia uma fórmula para escrever álbuns. Note que nessa trilogia, a primeira música é sempre um thrash brutal, a segunda é música tema com mesmo nome do álbum, a terceira é mais lenta e a quarta uma power balad com começo lento dedilhado e final rápido e pesado. A penúltima é instrumental e a última é outro thrash brutal, exceto no Ride the Lightning.

Parece que depois dessa trilogia o grupo queria experimentar outros ares artísticos, ou então se vendeu, dependendo de pra quem você pergunta. O ponto é que eles mudaram totalmente a forma de compor para o álbum seguinte, um divisor de águas na carreira da banda: o álbum preto cujo nome é Metallica. Trocaram até mesmo o produtor, chamando Bob Rock, um produtor famoso no meio hair/glam metal.

Metallica ("Black Album") | 1991


"Wherever I May Roam"
, uma das minhas preferidas, fala sobre a vida na estrada como uma escolha pessoal, sem arrependimentos ou submissão.

Esse álbum não tem músicas rápidas como os anteriores, embora lampejos do thrash podem ser encontrados em "Through The Never" e "Wherever I May Roam". Muitos fãs se assustaram com a produção límpida, o James "cantando", músicas relativamente lentas, várias power balads, como "The God That Failed" e "My Friend of Misery", e outra que talvez até fale de amor (nada mais anti-thrash do que isso), "Nothing Else Matters".

Sobre este álbum, sua gravação e a incrível turnê posterior de 4 anos, sugiro o documentário que vem junto com o box Live Shit.

Load e Reload | 1996/1997

"Fuel": uma das melhores músicas dos álbuns “irmãos”.

A partir de então, o Metallica passou a chamar mais atenção por polêmicas do que pela música. Lançaram dois álbuns: Load e suas sobras, Reload. É até difícil falar sobre eles. Digamos que neles, o Metallica abandonou o thrash e abraçou seu lado mais hard/heavy/alternativo.

Temos músicas heavy ("Fuel", "Ain't my bitch", "King Nothing"), músicas hard ("Memory Remais", "Unforgiven II"), country ("Mama Said", "Ronnie"), baladas ("Low Man's Lyric", "Hero of The Day") e um monte de porcarias. Eu pessoalmente adoro o Load, mas o Reload realmente é dificil de ser ouvido na íntegra.

Quem mais se destaca positivamente é o Kirk, que mostra toda sua versatilidade e criatividade entregando solos magistrais. O Lars também demonstra sua versatilidade na simplicidade, uma vez que ele diminuiu o tamanho do seu kit. James se destacou positivamente e negativamente como compositor, pois ao mesmo tempo que produziu coisa ótimas, entregou lixos totalmente dispensáveis. Ninguém nesse planeta defende "Fixxer" ou "Attitude". Duvido.

Eles mudaram muito o visual também. Cabelos curtos, unhas pintadas e maquiagem duvidosa pioraram a receptividade dos fãs. Sobre esta fase “estranha”, sugiro assistir o show Cunning Stunts.

Garage Inc. | 1998

"Turn the Page" (cover de Bob Seger)

Esse era originalmente um EP de covers para apresentar o baixista Jason Newsted. Porém, com o passar dos anos, eles acumularam um monde de covers, b-sides etc. Então resolveram juntar o que tinham com um um monte de covers de hard rock.

É até um bom álbum. Mas não tem nenhuma música original e algumas são desnecessárias. Sugiro ouvir "It's Eletric", "Turn The Page", "The Prince", "Breadfan" e "Am I Evil?", que tem uma estrutura melódica muito parecida com o que se tornou sua identidade músical.

S&M | 1999

Gravado com a Orquestra Sinfônica de São Francisco, o álbum duplo contém clássicos da banda como "Battery", "Master of Puppets", "One", junto com outras menos populares, como "Bleeding Me" e "Devil's Dance". A minha opinião é que nos clássicos não fez muita diferença. Exceto em "Call of Ktulu", que ficou sublime:

"Call of Ktulu" orquestrada

Na verdade, a banda passava por maus momentos: debaixo de crítica pesada dos antigos fãs e jornalistas, dois álbuns duplos só pra encher linguiça e o bolso de grana (Garage Inc. e S&M), o Metallica chamava a atenção negativamente por perseguir a distribuição da música deles na internet, o caso Napster. Pra piorar a situação, o baixista Jason Newsted resolve pular fora do barco. Se fosse uma banda de frouxo, de tanga, era o fim. Mas o fundo do poço ainda não havia chegado.

Debaixo dessa pressão, a banda contrata um psicólogo e entra em estúdio pra gravar o sucessor dos "Loads". No meio da gravação, James descobre que é alcoólatra e se interna numa clínica de reabilitação. No retorno, a gravação é concluída e quem grava o baixo é o produtor Bob Rock.

St. Anger | 2003

O álbum se chama St. Anger. Alguns dizem que esse álbum é pior do que o Reload. O que eu acho uma injustiça. É um álbum com potencial estragado pela esquizofrenia da banda na época. Neste caso, é o retrato perfeito do momentum do artista. Mas é um álbum de thrash. Bumbo duplo em profusão? Confere. Bases rítmicas? Confere. Vocal gritado como se fosse o apocalipse? Confere. Letras raivosas e sem baladas? Confere.

Então, porque é considerado tão ruim? A escolha de fazer uma produção muito crua, muito seca e o fato de não ter sequer um solo. A caixa parece uma lata de Nescau e as músicas ficaram repetitivamente longas e monótonas. Parece que eles lançaram uma versão posteriormente com uma mixagem/produção decentes e com solos. Mas o estrago já estava feito.

Apesar disso, sugiro que você ouça: "Frantic", "St. Anger", "Invisible Kid" e "Sweet Amber".

"St. Anger"

Nesta altura do campeonato, somente die-hard fãs ainda esperavam algo da banda.

Sobre essa fase, sugiro o documentário Some Kind of Monster. É uma vergonha alheia, mas deixa bem claro como a banda estava na época. Ainda assim, no fundo, todo mundo achava que eles tinham capacidade para fazer melhor que isso. O Metallica já estava impregnado no subconsciente de todo metaleiro do planeta.

Death Magnetic | 2008

Making of

Então eles lançaram seu álbum mais recente: Death Magnetic. Sua definição mais perfeita (não lembro onde ouvi) é a seguinte: é o elo perdido entre o And Justice for All e o álbum preto. Músicas muito pesadas, ritmadas, solos selvagens, gritaria desenfreada, melodias assoviáveis e partes técnicas intrincadas. Tudo isso com uma produção límpida. Existem umas reclamações sobre a masterização/mixagem mas não é algo muito grave.

Quem se destaca negativamente é o Lars, pois parece que ele não consegue mais criar como antigamente. Positivamente Kirk e James dão uma aula do que é guitarra thrash. O baixista (Rob Trujilo) mais uma vez não é muito ouvido.

Algo que parece que ajudou foi a troca que todos metaleiros no mundo urraram de alegria: saiu o produtor Bob Rock e entrou o mestre Rick Rubin, que já havia produzido Slayer, Slipknot, System of a Down e umas outras porcarias pop. Mas tem a fama de Midas da produção musical.

O Metallica se tornou essa imagem adolescente, romântica e inesquecível para metaleiros do mundo todo. Hoje é uma banda relevante, porém não mais transgressora ou inovadora.

Mas mostrou pela sua história que é uma banda de machos saco-roxo que já enfrentaram de tudo de ruim que a vida podia oferecer e ainda estão de pé, fazendo música pra bater cabeça e pensar na vida.


publicado em 20 de Dezembro de 2009, 16:32
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Marcão

Marcão foi montado de partes de fracotes mortos e existe pra guiá-los a uma terra onde as espadas estão sempre banhadas com o sangue dos inimigos, a cerveja brota do chão e as mulheres são lindas.


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