No sofá do Jô Soares

Quando assistem ao programa do Jô, muitos pensam como seria se fossem entrevistados. Ficariam com vergonha? Medo? Orgulho? Pois isso aconteceu comigo.

O problema do programa do Jô é que aquela porra é uma máquina de fazer infarto, cara.

Você fica num cubículo de camarim fechado, só ouvindo a equipe de produção preparando tudo. Do nada, após horas de silêncio no qual você contempla toda sua existência miserável tentando entender que diabos de erro da Matrix que causou a aberração de você ir parar naquela cadeira onde já sentaram ganhadores prêmios Nobel, ídolos, presidentes, músicos, celebridades mundiais e tal, entra uma pessoa e fala:

"Chegou a tua vez!"

Porra, maluco, você sente o cú trancar de uma tal forma que parece que está preso no elevador com o Motumbo!

Você pode dizer "Para de surtar, cara, ele é só um entrevistador", mas vai lá e me conta se é tranquilo.

Ai, tudo rodando, você achando que vai desmaiar, o coração querendo sair pela boca, tu vai seguindo a pessoa e do nada entra pela porta de acesso lateral ao estúdio, que é frio pra caceta. Ali está a plateia inteira olhando (todo mundo ao mesmo tempo) pra sua cara e 90% deles tem a expressão: "Quem é esse aí?".

Então, assim que você põe a bunda na cadeira, os músicos tocam a musiquinha e o Jô começa o programa. Este é o tempo que você tem (cerca de dois minutos) para respirar e tentar lembrar as estrofes do "Pai Nosso".

É nessa hora que ele chama o teu nome, as câmeras enormes viram ameaçadoramente pra você e o seu cu tranca tanto que ele vira ao avesso. Então, apesar de já estar com o cu ao avesso, você tenta andar calmamente até o Jô.

Só andar até o Jô já é foda. Você quer desmaiar, quer sair correndo e se esconder debaixo da cama, quer voltar pra segurança do útero da sua mãe, ir para uma caverna, pra algum lugar onde ninguém te encontre, mas tem que andar até lá sabendo que a câmera vai mostrar sua andadinha escrota de cú trancado para toda a nação e até para os países que passam a Globo internacional.

A dificuldade maior é que você não pode andar rápido demais, senão não dá tempo do Jô te cumprimentar no lugar certo. Mas, se andar devagar demais, parece que não está nem aí, que está esnobando o Jô e ninguém quer conhecer o que é a vingança do gordo na TV.

Assim que aperta a mão dele (estranhamente mole e fria), você senta lá naquele sofá e o nervoso só aumenta, associado a ansiedade e o medo de ser vergonhosamente ownado pelo Jô, algo que na vida dele é um fato corriqueiro, mas que na sua fará um rombo emocional maior que o dia em que teve uma diarreia súbita e fez cocô na calça no meio de um casamento.

Então começam as piadinhas do Jô. Você acha que o tempo não vai passar, que a tortura não terá fim. Até que, de uma forma deveras inexplicável, do nada você se acostuma e começa a se sentir mais à vontade ali. E é exatamente nesse momento que o programa acaba.

Você tenta cumprimentar o Jô, mas antes alguém te agarra pelo braço e te leva embora do estúdio.

Engraçado: no dia você não lembra de nada disso. As lembranças dos detalhes surgem a partir do dia seguinte. É meio como um acidente de carro.

Resumindo, é foda. Tinha que ter calmante naquela caneca.

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UPDATE | A entrevista completa

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publicado em 26 de Novembro de 2010, 11:36
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Philipe Kling David

Psicólogo por formação, já trabalhou com 3D e efeitos especiais, bonecos, jogos de videogames e miniaturas de chumbo. Foi professor de escultura, diretor de curta-metragem e até ufólogo. É um grande contador de histórias. Desde 2006, escreve no blog Mundo Gump, que já virou livro. No Twitter, @philipe3d


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