O boxeador cubano que não quis ser milionário | Mergulho Olímpico #3

"O que é um milhão de dólares contra oito milhões de cubanos que me amam?”. Este é Teófilo Stevenson, o pugilista tricampeão olímpico que - dizem - era tão bom quanto Muhammad Ali

"Vai para Cuba!"

Em tempos de acirramento político e ruas repletas de discussões políticas, lá foi Barack Obama visitar a terra dos irmãos Castro.

Link YouTube | Barack Obama en La Habana

"Socialista", dizem os republicanos. Aqui, é preciso menos que uma visita oficial a Havana. Um camiseta Hering vermelha já é suficiente para acabar tachado.

A verdade é que as relações entre Estados Unidos e Cuba já foram muito mais tensas e nada amistosas. E houve a tentativa frustrada - diversas vezes - de retirar Teófilo Stevenson, exímio boxeador da Ilha, para hospedá-lo em hotéis luxuosos e despejar um caminhão de dinheiro para que ele deixasse o amadorismo cubano rumo ao mundo dos milhões na potência do Norte.

“Não vou deixar meu país por um milhão de dólares ou muito mais. O que é um milhão de dólares contra oito milhões de cubanos que me amam?”, disse ele em 1974, talvez uma das mais célebres falas de um atleta olímpico na história.

Medalhista de ouro em Munique (1972), Montreal (1976) e Moscou (1980), o fetiche era tentar seduzi-lo ao mundo vistoso dos cassinos, bolsas de apostas e bolsas extraordinárias. Quase certeiro seria seu quarto ouro, em Los Angeles (1984), feito impossível após Cuba seguir as orientações soviéticas e boicotar os Jogos da Costa Oeste americana.

Foram nove nocautes ou nocautes técnicos nas lutas olímpicas. Mais duas vitórias por pontos e uma vitória por W.O.. E Teófilo jamais perdeu uma disputa nos Jogos.

Os números da carreira, segundo a Radio Havana, são ainda mais expressivos: 301 vitórias em 321 lutas por mais de 20 anos de carreira e mais um tricampeonato mundial entre os amadores.

Longe dos ringues e perto de Fidel, exatamente como ele escolheu viver seus dias

Tamanha estatura atlética fez de Teófilo um verdadeiro fetiche para o mundo do boxe. Em 1976 viria o convite para tornar-se profissional e pegar pela frente o mítico Muhammad Ali, até hoje considerado o "Pelé do boxe".

Stevenson deu de ombros: 

"Para os atletas profissionais, o dinheiro é uma armadilha. Você ganha muito dinheiro, mas quantos boxeadores na história conhecemos que morreram pobres? A grana vai sempre para outras mãos".

Quem venceria? Há quem diga que essa seria a verdadeira luta do século. Por ser mais 10 anos mais jovem que o americano, há quem crave sem dúvidas o voto no pugilista de Puerto Padre.

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Como o capitalismo não sabe ouvir não, Stevenson continuou a ser tentado.

Conta o Opera Mundi:

Em 1977, Stevenson recusaria novamente outra oferta de US$ 1 milhão. Nem mesmo a proposta de que o dinheiro seria entregue ao governo de Cuba a fim de resguardar seu status de amador foi capaz de convencer Teófilo a para enfrentar Leon Spinks, em Nova York.

Em 1979, outro promotor, Ben Thompson, tentou negociar com Stevenson uma luta contra Ali em Nova Orleans, porém esta tentativa também fracassou.

“Não quero me tornar um profissional. Quando havia boxe profissional em Cuba, os pugilistas eram tratados como mercadoria”, disse certa vez.

Fidel Castro, claro, vendeu o peixe do regime com as decisões do atleta: “Este jovem, humilde filho de uma humilde família, não quis trocar seu povo por todos os dólares do mundo”, comemorou El Comandante.

Com a carreira nos ringues encerrada, foi absorvido pela burocracia castrista, chegando a ser diretor da federação cubana de boxe, deputado da Assembléia Nacional e, já nos últimos anos de vida, vice-presidente da Federação Cubana de Boxe.

Massacre vindo aí. E é melhor estar preparado

Vítima de um infarto agudo do miocárdio quando tinha 60 anos, deixou o cambaleante boxe cubano órfão em 11 de junho de 2012. A morte precoce impediu que Teófilo pudesse ver o americano Barack Obama em seu país, agora uma Ilha que tenta abrir-se ao globo.

No dia seguinte à sua morte, a Tribuna de La Habana, um dos meios de imprensa oficiais do regime se derreteu ao astro:

“A grandeza de Teófilo Stevenson Lawrence não pode ser medida somente pelas suas glórias desportivas; ele é o paradigma de homem desses tempos, representante de um povo que fez a Revolução e construiu o socialismo, um exemplo a ser imitado pelos jovens atletas de qualquer parte do mundo”.

O quanto a chegada de Obama vai trazer de mudanças ainda é impossível prever. Mas tanto faz se o esporte cubano passar a ser profissional e milionário. A história sempre terá espaço para bons personagens. E é certo que Teófilo estará sempre no pódio também quando o bloqueio e os novos ventos começarem a passear por Havana.

E no imaginário vai sempre haver espaço para o jovem que escolheu viver com medalhas de ouro no peito e os bolsos completamente vazios.


publicado em 23 de Março de 2016, 00:05
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Rafael Nardini

Torcedor de arquibancada, vegetariano e vive de escrever. Cobriu eleições, Olimpíadas e crê que Kendrick Lamar é o Bob Dylan da era 2010-2020.


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