O Primeiro Restaurante Gourmet

-- Senhor?

-- Pois não?

-- Adão na linha nove.

-- Pode passar.

-- Sim, Senhor. Só um instante.

-- Alô?

-- Oi, Adão, tudo bem?
-- Oi, Adão, tudo bem?

-- Tudo. E o Senhor?

-- Tudo em ordem. Diga.

-- Estou precisando de uma ajudinha aqui.

-- Pois não.

-- Daria muito trabalho inventar uma fruta nova?

-- Como assim?

-- Eu estou montando um restaurante aqui embaixo.

-- Um restaurante?

-- Sim. Já tenho tudo planejado. Vai ser aqui ao lado da caverna. Preciso apenas que o Senhor invente uma fruta.

-- Mas não têm frutas de sobra aí embaixo?

-- Sim, sim. Mas eu preciso de uma nova para transformar na comida da moda.

-- Transformar em quê?

-- Na comida da moda, sabe? Do mesmo jeito que os macacos estão fazendo.

-- Os macacos?

-- Isso. O Senhor não viu o restaurante que eles abriram?

-- Ah, é por isso que toda noite tem aquela movimentação ali na floresta? É por causa de um restaurante?

-- Isso. É o restaurante dos macacos. Quer dizer, é o terceiro restaurante que eles abrem ali.

-- Como assim? Tem três restaurantes na floresta?

-- Não. Na verdade, é o mesmo restaurante. Mas a cada dez, quinze dias, eles mudam o tipo de comida que servem e abrem um restaurante novo.

-- Não entendi.

-- Vou tentar explicar. Faz algumas semanas que os macacos montaram um restaurante. Mas o movimento era fraco, porque eles só serviam bananas. Todo mundo achou que eles iriam fechar em menos de um mês, até que eles inventaram a comida da moda.

-- O que é a comida da moda?

-- Eles deixaram de servir banana e passaram a servir banana gourmet.

-- E o que é isso?

-- É uma banana mais sofisticada.

-- Mas o que ela tem de sofisticada?

-- Bom, não sei. Eles chamam de gourmet e cobram cinco vezes mais.

-- Você experimentou?

-- Sim.

-- E o que ela tem de diferente?

-- Bom, ela tem... Não sei ao certo... O gosto dela... Tinha gosto de banana, acho.

-- Sim, porque provavelmente é uma banana como qualquer outra.

-- Pode ser. Mas quando os macacos inventaram essa banana gourmet, eles saíram pelo Paraíso contando aos outros animais que a moda era comer banana gourmet. No mesmo dia, o restaurante lotou. Todo mundo queria comer a tal da banana gourmet.

-- Mas se é uma banana igual às outras...

-- Eu também não entendi. Mas o negócio virou uma febre. Só se falava em banana gourmet aqui embaixo. Os animais ficavam o dia inteiro disputando uns com os outros para saber quem gostava mais, quem tinha sido o primeiro a experimentar as bananas...

-- Mas qual o propósito disso?

-- Não sei. Até o crocodilo entrou na dança. Um dia passei perto do rio e ele estava falando para uns peixes que tinha comido banana gourmet a vida toda, e que já gostava antes mesmo de ser moda.

-- O crocodilo?

-- Sim. Eu estava por perto e ouvi. Aí fui falar com ele, disse que crocodilos não comem banana e que tinha certeza que ele estava mentindo.

-- Fez bem.

-- Não sei, não. Assim que falei isso, ele correu na minha direção e tentou morder minha perna. Fiquei uns três dias sem nem chegar perto do rio, até ele se esquecer disso.

-- Bom, então a moda aí embaixo agora são bananas gourmet.

-- Não. São cocos.

-- Como assim, Adão? Você acabou de dizer que a moda são bananas.

-- Eram bananas até semana passada. Agora, ninguém mais come bananas, porque são os cocos gourmet que estão na moda.

-- Mas e as bananas?

-- Bem, quando todo mundo havia experimentado as bananas gourmet, o restaurante começou a esvaziar. Parece que os animais não iam até lá por causa da banana, mas sim para poder contar aos amigos, no dia seguinte, que tinham comido banana gourmet. Como todo mundo já havia comido a tal banana gourmet, não tinha mais graça ir até lá. E todo mundo deixou de gostar da banana.

-- Entendi.

-- Quando eu fiquei sabendo que a moda agora eram cocos, fui lá dar uma espiada, e dei de cara com uma fila enorme. Encontrei um amigo meu, um pato, e ele me disse que estavam reinaugurando o restaurante naquela noite e que agora seriam especializados em coco gourmet. Eu perguntei se não faziam mais bananas e o pato começou a rir, disse que eu estava por fora, que ninguém mais come bananas.

-- Entendi.

-- De repente, aconteceu a mesma coisa que tinha acontecido com as bananas. Os animais só falavam em cocos gourmet. Iam comer cocos todas as noites para poder contar aos amigos que tinham comido cocos. E, claro, disputando para ver quem tinha sido o primeiro a gostar de cocos. Alguns até ficavam desenhando pratos de cocos em folhas de bananeira para mostrar aos amigos.

-- Mesmo?

-- Sim. No dia em que encontrei o pato na fila, o leão estava lá por perto, contando para todo mundo que ele sempre foi apaixonado por cocos.

-- Mas leões não comem cocos.

-- Sim, mas eu não falei nada. Não sou bobo. Se já quase me ferrei com o crocodilo, imagine então com o leão, que é muito mais rápido. Saí de perto e tentei entrar no restaurante.

-- Você entrou na fila?

-- Não. Eu teria que esperar horas. Chamei o gorila que fica ali na porta e conversei com ele num canto. Disse que eu faço uns trabalhos para o Senhor, e perguntei se eu não podia entrar só para dar uma olhadinha, porque não é todo dia que eu tenho uma hora para perder na fila.

-- E ele?

-- Me mandou embora.

-- Então você nem experimentou os tais cocos gourmet?

-- Não.

-- Não sabe se eles têm algo de diferente?

-- Bom, pelo que eu ouvi dizer, depois de apanhar os cocos dos coqueiros, os macacos enterram a fruta na neve das montanhas durante um dia. Aí ele deixa de ser coco, e vira um coco gourmet.

-- Na verdade, se você enterrar um coco na neve, ele deixa de ser coco e vira um coco gelado.

-- Tem certeza? Só isso?

-- Sim.

-- Bem, se o Senhor diz, eu preciso acreditar. Não consegui experimentar.

-- Bom, mas você me ligou porque quer aproveitar que a onda agora são cocos e montar seu restaurante.

-- Isso. Na verdade, os macacos estão começando a lançar um boato de que está nascendo uma nova tendência. A nova moda vai ser a água gourmet.

-- Água?!

-- Isso. Como quase todo mundo já comeu o coco gourmet, ele está começando a perder a graça. É igual ao que aconteceu com as bananas. As pessoas começaram a gostar da noite para o dia, e pararam de gostar da noite para o dia. Os macacos já começaram a espalhar que água gourmet é a nova moda do Paraíso. Acho que os macacos vão abrir um novo restaurante.

-- Mas água é água! Não existe água gourmet!

-- Eu sei. Mas o restaurante vai lotar de novo. Tenho certeza. Foi aí que eu tive a ideia de montar o meu restaurante da moda.

-- Como assim?

-- Bem, eu percebi que os animais não vão ao restaurante para comer, mas sim para contar aos outros que foram. Não importa qual a comida, o que importa é mostrar para os outros e dizer que foi o primeiro a experimentar, e que sempre gostou.

-- Sim.

-- O problema é que a comida da moda fica mudando o tempo inteiro. Uma hora é a banana, depois coco... Então, eu tive uma ideia: se o Senhor inventar uma fruta nova e chamá-la de gourmet... Bem, ela iria ficar na moda para sempre.

-- Como assim?

-- Bom, se as pessoas só querem comer as coisas gourmet, uma fruta chamada gourmet vai vender para sempre.

-- Adão, Eu não vou criar uma fruta para isso.

-- Pode ser uma verdura.

-- Não, Adão.

-- Uma raiz?

-- Adão, esqueça.

-- Pode ser até uma pedra! A gente só precisa criar qualquer coisa e chamar de gourmet. Só falta isso para eu abrir meu restaurante.

-- Você sabe que um restaurante não se monta assim, de uma hora para outra?

-- Eu sei. Já tenho tudo esquematizado. Contratei quatro emas para trabalharem como garçonetes. Um pinguim será o maitre. É bom porque eu nem preciso gastar com smoking.

-- E quem vai cozinhar? Você?

-- Não. O chefe de cozinha vai ser um rouxinol. Eu disse para o Senhor, já está tudo certo.

-- Um rouxinol?

-- Isso. Porque como ele faz porções pequenas, acho que vai dar um ar mais sofisticado, sabe?

-- Adão...

-- Tenho certeza que eu fico rico em menos de um ano.

-- Você sabe que não vai conseguir administrar um restaurante e cuidar do Paraíso ao mesmo tempo.

-- Consigo sim. E vai ser só no começo. Depois, quando o movimento aumentar, eu contrato um gerente. Aliás, se o Senhor puder me indicar algum animal que seja bom de gerenciamento, vai me ajudar aqui. Já vou ficando de olho em candidatos.

-- Não, Adão, Eu não conheço.

-- Tudo bem. O mais importante mesmo é a fruta gourmet. O Senhor tem algo em mente?

-- Tenho.

-- Oba! Como ela vai ser?

-- Ela não vai ser de jeito nenhum. O que Eu tenho em mente é desligar este telefone porque estou ocupado. E acredito que você também deveria estar.

-- Mas a oportunidade é perfeita! Olha, vou repassar o plano. Todo mundo quer algo gourmet. Se eu tiver uma fruta chamada gourmet, todo mundo vai querer para sempre.

-- Até a hora que todos tiverem experimentado a fruta. Aí eles vão se cansar, como se cansaram da banana e do coco. E vão se cansar da água. Você mesmo disse.

-- Ah, mas aí eu dou um jeito. O Senhor pode criar outra fruta e chamar de “esta também é gourmet”. Ou “gourmet 2”.

-- Adão...

-- Ou eu faço como os macacos fizeram com os cocos. Enterro a gourmet na neve, ela fica gelada e passo a chamar a gourmet da neve de “gourmet gourmet”. Que tal?

-- Adão, chega.

-- Mas podemos pensar nisso depois. O importante é esta primeira versão da fruta. Não precisa ser nada muito elaborado. Aliás, o Senhor nem precisa criar nada. É só pegar algo que já existe e mudar. Por exemplo, as uvas. Ninguém se lembra das uvas aqui embaixo. Se o Senhor fizer com que elas fiquem amarelas, posso dizer que é uma fruta nova, que o nome dela é gourmet, e pronto.

-- Tenho uma ideia.

-- Oba. Diga.

-- Esqueça tudo isso e vá trabalhar.

-- Mas...

-- E assunto encerrado. Eu vou mandar uns anjos aí embaixo dar uma olhada neste restaurante dos macacos. Se você quiser, posso pedir para eles falarem com você também.

-- Oi? Não, não precisa.

-- Tem certeza? Eles não têm espadas de fogo.

-- Ah, não?

-- Não. Eles têm espadas de fogo gourmet. São a nova moda aqui em cima.

-- Ah. Entendi.

-- Está interessado em falar com eles?

-- Não, não.

-- Ótimo. Então esqueça isso e vá trabalhar.

-- Sim, Senhor.

-- Algo mais, Adão?

-- Não.

-- Que bom. Até logo.

-- Tchau.

Assim que desligou o telefone, Deus viu Adão conversando com as emas e os pinguins. Provavelmente, estava explicando que não teria mais restaurante e dispensando todo mundo.

Chamou os anjos e fez com que eles descessem até a floresta. Assim que eles chegaram, todos os macacos fugiram para as árvores. O único que não conseguiu escapar foi um sagui que estava na cozinha lavando os pratos. Quando percebeu o que tinha acontecido, já estava de costas na pia, cercado por três anjos e tentando se explicar da melhor forma possível.

E o assunto estava resolvido.

Ou não. Algo sobre isso continuava incomodando Deus.

Foi quando teve um estalo. Pegou o telefone e ligou para a sala do Seu filho.

-- Você sabe que quando descer até a Terra daqui a milhares de anos, um dia terá que multiplicar pães e peixes? Já Lhe avisaram disso?

-- Sim. Eu até já andei praticando, Pai. É fácil.

-- Certo. Preste atenção. Se quando Você fizer isso, alguém se aproximar e Lhe pedir para transformar os peixes em peixes gourmet, ou perguntar se os pães são pães gourmet, Você vai simplesmente abortar todo o plano.

-- Como assim?

-- Se isso acontecer, Você dá uma desculpa qualquer, diz que vai ver o que pode fazer, dá uma desconversada. E volta para cá na mesma hora. Entendeu?

-- Mas o que são pães gourmet, Pai?

-- Não importa. Se isso acontecer, Você volta para cá. Entendeu?

-- Sim, Senhor.


publicado em 03 de Agosto de 2013, 06:39
B582422ba4b39ce741909ee5f025fa5e?s=130

Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura