O Quarto de Jack e um ótimo filme que faz o essencial

Crítica do filme O Quarto de Jack, com Brie Larson, Jacob Tremblay, Joan Allen e William H. Macy.

Quanto menos você souber sobre o filme antes de assistir, melhor. Com isso, caso ainda não tenha visto nada sobre O Quarto de Jack, pare de ler agora e volte amanhã.

Agora, se você já viu ao menos o trailer do filme ou já sabe o enredo mínimo, pode colar que vai fazer sol.

Sim, daqui pra baixo tem spoilers

E que filme mais bonitinho esse O Quarto de Jack, uma ótima aula de fazer cinema. É bom a gente se lembrar do famoso "mostre, não conte" na tela grande.

O cinema é visual. Não podemos nos esquecer disso.

Parece óbvia a afirmação, mas o diretor irlandês Lenny Abrahamson soube muito bem contar as coisas com imagens e não diálogos para elucidar nossas dúvidas.  

Somos conduzidos com calma pela trama, pegar gosto pelo cotidiano do garoto, ir sacando de pedaço em pedaço que eles não podem sair de onde estão, a claustrofobia que vai dando, a pressão psicológica da mãe que não pode, ainda, explicar para o filho sua condição de prisioneiro. 

O peito vai fechando, as mãos vão se agarrando no que se tem de mais próximo. Não é preciso sair do cubículo em lembranças e nem enfiar uma conversa desconexa para que alguém diga a alguém todo o ocorrido. Vamos montando, com cada cena, o terrível cenário em que mulher e garoto passam os dias entre tentativas de levar uma vida normal, procuram distrações jogando roupas molhadas um no outro enfiados na banheira ou manufaturando cobras de casca de ovo ou então buscando fugas na cabeça quando chegam as noites de estupro.

A ignorância do pequeno Jack é encantadora e dolorosa. Ele só conhece o que sua mão toca, o que está dentro de quatro paredes e isso lhe proporciona intensidade em suas experiências, que chegam até o espectador com um poder sensorial grande, desde brincar com a claridade do dia que chega pela claraboia e mancha a pequena parede até o cheiro de queijo queimado. O mar, que até esta altura "não existe", é frustração representada por um velho barquinho sem ter espaço para velejar no reservatório aberto da descarga, batendo em um canto e no outro, sem ter como zarpar. Todos os movimentos e interações com esse universo são amplificados justamente pela pequena ambientação.  

Fica fácil, com essa entrega, ficar à flor da pele e se desesperar com os planos e a ação em si. Eu, particularmente, vi o filme sem saber absolutamente nada da adaptação, e isso potencializou pra cacete as alegrias e medos até a virada da trama.

E daí o filme dá uma reviravolta, da fuga ao drama que conta a consequência do trauma, algo muito maior que o alívio de escapar. É preciso mostrar não só a festa, mas as cicatrizes de quem ficou do lado de fora, o avô que não consegue olhar para o neto, a avó que acompanha a melancolia da filha. A adaptação de mãe e filho no novo mundo e as novas relações que precisam criar disso. Maternidade, independência, se reerguer e seguir.

É fato que em algum momento nessa segunda metade o filme perde um pouco de fôlego, necessita mais dos diálogo para explicar o que quer passar, as brigas ficam mais por conta dos gritos e menos da sensação ruim que uma briga nos traz. A direção, um pouco menos segura em expor esse macro, conta mais que mostra.

Nada que faça o ritmo escorregar. O Quarto de Jack é delicado e honesto, um filme que, com seis milhões de dólares de orçamento, fez mais que muito blockbuster este ano.


publicado em 23 de Fevereiro de 2016, 00:05
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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