O que é e como surge um tabu sexual? E quais os de vocês?

Tabu é uma daquelas palavras que a gente começa a usar mais porque sabe onde colocá-la do que por saber o que significa

Na maioria das vezes, nossa concepção de tabu se liga a comportamentos sexuais. É como se, nas nossas cabeças, a expressão funcionasse melhor quando acompanhada de homossexualidade, prostituição, masturbação feminina. É meio que inevitável.

Podemos viver sem tabus econômicos ou linguísticos, mas não podemos evitar, em algum momento da vida somos tolidos por tabus sexuais que atingem os centros da nossa construção pessoal.

Segundo os dicionários, a palavra serve pra apontar um tema rejeitado, discriminado, algo que se se evita por temor ou desconhecimento. No entanto, o termo foi criado em uma tribo polinésia, e se referia à proibição que impedia a comunidade de utilizar símbolos sagrados de maneira profana.

A origem da palavra já diz muito porque, no fundo, os tabus trabalham na dupla função de controlar o profano e preservar o sagrado. O sexo antes do casamento foi, por séculos, um tabu do tipo pecado condenável.

Por outro lado, a virgindade de Maria, também etiquetada de Tabu, não é um tema pouco discutido por ser reprovável. Ao contrário, é tão sagrada que não deve ser questionada ou posta a prova.

O tabu é mais que uma lei externa, das que podem ser quebradas. Ele é uma norma que se cristaliza no interior de cada um.

Funciona assim: dependendo da sociedade em que vivemos, certos conceitos são tratados como uma verdade absoluta e não como uma opção. Essas formulações transformam uma construção cultural em algo que parece tão natural quanto uma lei biológica, e que, portanto, não deve ser debatidos e nem pode ser mudado.

É curioso perceber que o coletivo só começa a falar sobre um tabu a medida que esse começa a se desfazer. É como um daqueles ditados: quando se enxerga poeira, é sinal que no quarto escuro já entra algum filete de luz. O simples fato de ver algo como um Tabu, e debater sobre isso, é uma forma de dissolver a imutabilidade do conceito. Aos poucos tabus vão se transformando em assuntos polêmicos e, depois, em enunciados rotineiros.

Hoje, nas cidades cosmopolitas ocidentais, vivemos uma liberdade sexual maior que a de outras épocas. Por isso, como muitos tabus já podem ser debatidos, ainda que com o receio de quem o faz, nos parece que poucos são os assuntos que permanecem praticamente intocados.

Origem do tabu: Religião e Sociedade

Os tabus começam a surgir junto com o processo de criação de sociedade e, sob algumas perspectivas, como parte necessária para isso.

Segundo Freud, foram as regras que limitavam o comportamento humano e, inclusive, as que buscavam conter os impulsos sexuais, as que serviram como base para a construção da civilização. O autocontrole passou a diferenciar o homem dos outros animais.

Sob outra visão, como a do Norueguês, Dag Oistein Endsjo, os tabus sexuais, além de terem essa função ‘civilizatória’, estão sempre ligados, ainda que em níveis diferentes, à religião daquela sociedade, já que esta surge como uma das primeiras formas de política de organização e controle social. Endsjo mostra que essa ligação do tabu com a religião fica evidente quando, nas vezes que se tenta romper um tabu, é a igreja quem costuma se manifestar em defesa da manutenção.

É possível observar tanto a suposição de Freud quanto a de Endsjo em diversas épocas da história Brasileira.

Antes da colonização, algumas evidências mostram que os índios aceitavam transições de gênero e que relações homossexuais eram consideradas naturais. Os colonizadores engajados em sua missão civilizatória, e chefiados pela igreja católica, são os que introduzem conceitos de separação de opção sexual, homofobia e outros tabus aos nativos.

Hoje, apesar das discussões abertas sobre gêneros e sexualidade rodeando o coletivo, é a bancada religiosa quem insiste em vetar projetos que insiram nas escolas aulas sobre sexualidade e cartilhas sobre diversidade.

Política de Criação de Tabus

Muitos dos Tabus surgem por necessidade de controle coletivo, por motivações políticas ou, até mesmo, econômicas.

Por exemplo, nem sempre foi um pecado viver o sexo antes do casamento. Ao contrário, o sexo era o próprio casamento, já que ato criava o laço. No entanto, como o matrimônio se tornou uma forma de consolidar negócios entre famílias, algumas religiões começaram a ver a possibilidade de lucro na hora de promover o arranjo, portanto, trataram de institucionalizar o rito, conter a prática e, assim, tomaram o controle para si.

Se a questão da castidade hoje soa como quinquilharia superada, o incesto é um bom exemplo de tabu que segue sendo dos mais desconcertantes ainda nos dias de hoje. Na literatura, irmãos consanguíneos perdidos que se apaixonam sem saber, Édipos, Engraçadinhas, todos são desgraçados. Personagens de contos trágicos em que de tal paixão é, sobretudo, uma maldição fatal. De certa forma, os escritores que se atrevem a falar sobre o tema, só o fazem reforçando que o final culminará em mortes e desgraças e, portanto, mantém a interdição.

Uma das possíveis origens para esse tabu é que em muitas sociedades, evitar procriar com consanguíneos diretos era também uma forma de portar-se como indivíduos civilizados, mostrando-se superior aos animais.

Por outro lado, em comunidades em que seus líderes eram considerados representantes dos Deuses na Terra, o casamento consanguíneo era uma forma de purificação e manutenção da realeza. Nessas sociedades, os meros ‘mortais’ não podiam casar-se com familiares diretos porque fazê-lo seria igualar-se à realeza e, portanto, insultá-los.

Medo do tabu

O exemplo do incesto nos ajuda a entender o tamanho do medo que um tabu é capaz de internalizar.

Na série Game Of Thrones, George R.R. Martin mostra uma relação em que dois irmãos sustentem um relacionamento, tem três filhos juntos e, dentro do contexto da história, tem uma das relações mais afetuosas e verdadeiras. A paixão dos dois se mostra tão natural que é possível que os espectadores se perguntem: por que eles não deveriam?

Ao contrário das relações incestuosas entre mães/filhos e pais/filhas, onde se pode apontar problemáticas como abuso de poder, vulnerabilidade do mais novo, entre outras, na relação entre os dois irmãos tudo parece amoroso e comum.

O porquê do “não pode” surge justamente no momento em que o público tenta entender trocando de sapatos com os personagens. “É nojento! Imagina! Seu Irmão!”.

A mera possibilidade de imaginar-se no lugar da personagem, já causa repulsa.

O resultado será abominável antes mesmo de confeccionado pela mente e, portanto, não deve nem começar a ser pensado. Aliás, é bom mesmo que a mera hipótese seja repulsiva, porque caso resulte aceitável, então monstruoso é quem o imagina.

Contrapontos

O fato de muitas sociedades desenvolverem conceitos parecidos faz com que essas leis imaginárias pareçam absolutas. Nesse ponto, são as sociedades que fogem à regra que conseguem mostrar como essas questões são construções sociais.

O sexo é considerado algo de foro privado e muitas vezes o tema nem entra em discussão. Feito pra ser consumado entre quatro paredes, extravasá-las é fetiche e fetiche é flertar com o proibido.

No entanto, em tribos como a Ju/’hoansi ou em aldeias esquimós, não é preciso fechar portas. Mais que isso, os filhos aprendem como funciona o sexo ao ver os pais transando.

Tabus de Hoje

Primeira cena de sexo gay entre homens na novela Liberdade, da Globo

Propor-se a pensar sobre tabus com certeza é sair da zona de conforto. Até os assuntos que nos parecem simples e superados, como o diálogo e o aprendizado da sexualidade, nos inquietam quando percebemos que há outras maneira de descobrir e aprender além das telas dos computadores e das revistas. Pensávamos que estávamos na vanguarda da libertação e, de repente, é inconcebível pensar em aprender como os esquimós.

Muitas vezes acreditamos que somos progressistas, apoiamos a liberdade sexual, o sexo casual, mas duvidamos da sexualidade de um homem que diz gostar de mulher e ter imensos orgasmos com estimulação anal. Ah, quanto medo um fio terra não inspira? E o maior de todos é gostar.

Aceitamos muito bem um casal em que o homem de 60 se relacione com uma mulher de 30, mas o contrário é considerado impossível de ser dar pela simples vontade de ambas as partes.

Os tabus nos inquietam porque confundimos aceitação com identificação. Tememos aceitar o comportamento, as manias, as preferências alheias porque temos medo que ao aceitá-las estejamos assinando um atestado de que nos identificamos com elas. Essa hipótese não parece fazer nada bem pra imagem que passaremos de nós mesmos.

Ser gay ou ser uma mulher divorciada já foram desses tabus dos quais alguns tinham medo até de pensar e se contagiar. Boa parte desses já se desfizeram em aceitação e respeito. Mas o trabalho não está acabado, nem para estes temas e muito menos para outros.

Pensar essas coisas nos incomoda justamente porque fazem com que algumas de nossas bases tremam. Claro, destabilizamos conceitos que se fincaram como pilares da nossa criação. Mas fazê-lo é preciso, só assim deixaremos de exercer nossa humanidade através da repressão tanto própria vontade quanto alheia e passaremos, pouco a pouco, a poder desfrutar com mais plenitude das liberdades que nos são naturais.

Podemos discutir sobre os tabus que estão na mesa para serem pensados, mas, na verdade, é possível que os maiores tabus da nossa época sejam aqueles que calamos sem perceber, porque nem ao menos cogitamos a possibilidade de dizê-los. Destes, nós só tomaremos consciência em alguns anos, com as próximas mudanças culturais.

Focault já dizia que quando calamos sobre algo, estamos também negando sua existência. Os tabus se alimentam desses silêncios e invisibilizam muitos desejos.

Nesses momentos, pode ser uma boa aproveitar a oportunidade e se atrever a falar sobre algo que ainda é tabu pra você. E aí, vamos?

Mecenas: Olla - Dia do Sexo 6/9

Link Youtube

O dia do sexo não é necessariamente uma data para se fazer sexo, ele não precisa de uma data, horário ou local para acontecer, a gente já sabe disso. 

A Olla e o PapodeHomem querem propor algo diferente no dia 6/9:

Vamos falar sobre o assunto? Uma conversa aberta com amigos, pais, familiares e parceiros ajuda a promover discussões e quebrar tabus. Se organizar direitinho, todo mundo se abre! Qual é o seu tabu? Responde aqui nos comentários e vamos discutir a relação!

 #DiadoSexo #SóNãoValeTerTabu


publicado em 06 de Setembro de 2016, 09:22
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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