O que é o Vault 7, o ‘maior vazamento da história da CIA’, segundo o Wikileaks

De acordo com organização, 8.761 documentos demonstram como a inteligência americana usa smart TVs e celulares para monitorar conversas privadas em todo o mundo

O site Wikileaks publicou na última terça-feira (7) o que considera ser o “maior vazamento de documentos da história” da CIA, agência de inteligência dos EUA.

Segundo a organização, os 8.761 documentos contêm “centenas de milhares de linhas de códigos de programação” que permitem à agência espionar aparelhos de celular que operam com os sistemas iOS (Apple), Android (Google) e Windows (Microsoft), além de smart TVs da marca Samsung.

Vírus introduzidos por agentes da CIA ativam os microfones destes aparelhos, mesmo quando eles estão desligados, permitindo que hackers da agência ouçam tudo o que se diz ao redor do mundo. Mensagens de texto e conversas de voz também são grampeadas, de acordo com o Wikileaks.

As informações foram entregues ao site por uma pessoa não identificada. O jornal americano “The New York Times” submeteu os documentos vazados pelo Wikileaks a um ex-agente da CIA, que afirmou que o conteúdo parece ser genuíno.

De acordo com o Wikileaks, esse é apenas o primeiro lote de uma série de vazamentos que o site promete publicar nos próximos dias. Os responsáveis pela publicação dos dados batizaram o conjunto inteiro de vazamentos de “Vault 7” (cofre sete), e o primeiro lote de “Year Zero” (ano zero).

Qual o contexto em que o vazamento acontece?

No fim de 2016, os EUA acusaram a Rússia de invadir os servidores dos partidos Democrata e Republicano durante a campanha presidencial daquele ano.

À época, a descoberta foi tida como uma grave ameaça à democracia americana, o que levou o então presidente Barack Obama a expulsar 35 funcionários do governo russo que estavam nos EUA, além de aplicar sanções econômicas adicionais a empresas que teriam participado da operação secreta a mando de Moscou.

A revelação feita nesta segunda-feira (6) na “Vault 7” redimensiona o episódio de 2016, pois apresenta os serviços de espionagem americanos como muito mais vorazes e violadores no monitoramento de comunicações privadas, não apenas de um país em particular, mas de todo o mundo, tendo em conta que os aparelhos que tiveram sua segurança violada são usados por políticos e por pessoas comuns em todos os continentes.

Espionagem na eleição presidencial francesa de 2012

Foto: Ian Langsdon/Reuters. Nicolas Sarkozy fala após ser derrotado no primeiro turno nas primárias do seu partido, o republicano, em novembro de 2016.

Os lotes publicados na fase “Year Zero” cobrem apenas o ano de 2016. Porém, o Wikileaks soltou no dia 16 de fevereiro o que seria uma prévia das revelações que ainda estão por vir, mostrando que a CIA espionou a campanha eleitoral à presidência da França em 2012.

De acordo com os documentos vazados, o plano foi executado ao longo de dez meses, cobrindo o período compreendido entre os dias 21 de novembro de 2011 e 29 de setembro de 2012, o que inclui o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais na França, realizados respectivamente nos dias 22 de abril e 6 de maio de 2012.

A operação incluiu, de acordo com o Wikileaks, a “infiltração humana” de agentes e a “espionagem eletrônica”, com a intenção de obter “planos eleitorais estratégicos” dos candidatos.

A eleição daquele ano terminou com a vitória do atual presidente, François Hollande, do Partido Socialista (51,6%), que disputava com Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular, de direita (48,4%). À época, Sarkozy era presidente da França e buscava a reeleição.

A intenção dos agentes era monitorar as relações de cada candidato com o setor privado local, obter dados sobre o financiamento das campanhas, monitorar a percepção que cada um deles tinha em relação aos EUA, antever possíveis planos de expansão econômica que pudessem ter consequências para a atividade de empresas americanas e mapear como eles se posicionavam em relação à crise econômica que, naqueles anos, se abatia sobre a Grécia.

Risco de vazamento fora de controle

De acordo com o Wikileaks, a CIA perdeu o controle sobre seu arsenal tecnológico (malwares, vírus e trojans), o que tornou possível que qualquer pessoa que tenha acesso a essas linhas de programação obtenha automaticamente a mesma capacidade de espionagem que os agentes da inteligência americana possuem.

A tecnologia era acessível a membros da CIA, a funcionários da administração passada, de Barack Obama, e até a empregados terceirizados, de acordo com o Wikileaks.

O site compara o descontrole do setor ao vazamento de vírus reais, que poderiam infectar pessoas — ou, no caso, computadores, celulares e aparelhos de TV — no mundo todo, de maneira descontrolada.

A fonte que entregou os dados ao Wikileaks teria a intenção de alertar justamente para a vulnerabilidade dos sistemas que são usados por milhões de pessoas no mundo todo, além de denunciar as operações ilegais atribuídas ao governo americano.

Agência aparece com poder renovado

Foto: Larry Downing/Reuters. Seda da CIA, agência de inteligência dos EUA, no estado da Virgínia.

Uma das constatações que acompanham o vazamento é de que, desde 2001, a CIA vem reconquistando a proeminência política e orçamentária que havia perdido para a NSA (Agência Nacional de Segurança, na sigla em inglês) em assuntos de espionagem eletrônica.

A NSA ficou conhecida em 2013, depois que o ex-funcionário Edward Snowden vazou milhares de documentos secretos que mostraram ao mundo pela primeira vez a extensão dos programas de espionagem da CIA semelhantes aos que vieram à tona agora, com a “Vault 7”.

Segundo o Wikileaks, mais de 5 mil funcionários trabalham numa unidade específica de hackers, subordinada ao CCI, sigla em inglês para Centro para Inteligência Cibernética.

Para efeito de comparação, “a quantidade de linhas de programação vazadas agora tem mais códigos do que o necessário para gerir todo o Facebook”.

O que é o Wikileaks

Foto: Olivia Harris/Reuters. Assange fala a jornalistas na janela da embaixada do Equador em Londres.

O site que divulgou o vazamento, o Wikileaks, se apresenta como “uma organização multinacional de mídia e uma biblioteca associada”, fundada em 2006 pelo australiano Julian Assange, que, desde 2012, se encontra asilado na Embaixada do Equador em Londres.

Assange corre o risco de ser extraditado para a Suécia, onde é acusado de abuso sexual. O fundador do Wikileaks considera, no entanto, que a real intenção do governo sueco é deportá-lo para os EUA, onde pode ser preso pela publicação de documentos secretos.

A organização diz ter publicado até hoje mais de 10 milhões de documentos. Assange diz que o site funciona como “uma biblioteca gigante dos documentos mais secretos do mundo”.

“Nós damos asilo a esses documentos, analisamos eles, publicamos eles e, com isso, conseguimos mais [documentos secretos]”, disse Assange à revista alemã “Der Spiegel”, em julho de 2015.

***

Esse artigo faz parte da série de republicações que nós fazemos do jornal digital Nexo publicada semanalmente às segundas-feiras.

Você pode apreciar a versão original de João Paulo Charleaux e muitos outros artigos na página do jornal que publica diariamente notícias com narrativas contextualizadas e não tem anúncios nem patrocinadores. Sua única fonte de renda é a assinatura mensal dos leitores que você pode fazer acessando aqui.

Nós já fizemos a nossa por acreditar na premissa do jornal e incentivamos você a fazer o mesmo. Nos vemos nos comentários.


publicado em 13 de Março de 2017, 16:40
Avatars 000194027406 uez5k7 t500x500

Nexo Jornal

Nexo é um jornal digital para quem busca explicações precisas e interpretações equilibradas sobre os principais fatos do Brasil e do mundo. Nosso compromisso é oferecer aos leitores informações contextualizadas, com uma abordagem original. Para o Nexo, apresentar temas relevantes de forma clara, plural e independente é essencial para qualificar o debate público.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura