O que seria um bom fim para a vida?

Conforme o tempo passa, a tendência é que nossa independência, tão exaltada na juventude, míngue conforme o corpo se desgasta e envelhece. Em certo ponto percebemos que estamos no começo do fim, que é hora de “amarrar as pontas soltas” da vida. De repente, um diagnóstico ou uma intuição e percebemos que o que temos pode nos matar, precisamos então lidar com isso.

Jim e Sherlyn foram casados por 68 anos e cultivaram ao longo desse tempo um patrimônio de 1700 acres de terra, dos quais uma parte irrisória era usada para sustento. A maior parte da área foi preservada. Ambos amavam a natureza e não queriam que a terra caísse nas mãos de pessoas que não pensassem da mesma forma. Eles então contrataram os serviços de Judy MacDonald e de outros profissionais, e prepararam-se para que sua qualidade de vida se mantivesse alta, apesar da diminuição da independência e da capacidade corporal.

E uma parte importantíssima desse cuidado foi preparar-se para a morte.

Judy MacDonald conta neste vídeo quais foram as etapas de preparação que ocorreram no processo de morte dos dois.

Recomendo assistir antes de continuar a leitura.

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A preocupação com a morte geralmente varia entre conseguir um emprego ou investimento que garanta boa aposentadoria ou pensão, pagar seguro de vida e plano de saúde. Ou seja, muito mais uma tentativa de maquiá-la e não chegar até ela do que propriamente uma forma realista de encarar sua inevitabilidade.

Isso abre um precedente interessante para pensarmos se realmente uma reflexão sobre a morte deve ser limitada à fase final da vida. Por que não refletir sobre esta fora das salas de aula ou de conversas privadas?

As limitações futuras do corpo, a continuidade ou não da mente, alma, espírito ou seja lá como preferir chamar, são questões que, se não são importantes agora, no futuro estarão tão presentes quanto o que você julga ser a realidade agora.

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“Não há nada misterioso sobre a morte de um ponto de vista fisicalista.”

Como pesquisador envolvido com a área de estudos de História da Morte e Estudos Cemiteriais, normalmente me encontro com essa cara estranha que você provavelmente fez quando leu o começo desta frase.

A “boa morte”, acreditem, era um desejo e tema de conversas, rezas e investimentos financeiros de boa parte dos pais de nossos tataravós. Entretanto, devido a diversos aspectos que não cabem ao momento, essa noção de morrer bem encolheu em seu aspecto público cristão para ser no século XX, muito relacionada a um individualismo. Deixando de ser tema de conversas, preocupação diária e objetivos de vida e passando aos poucos ao silêncio.

A morte, de modo generalista, passou a ser conversada nos cochichos, entre os mais velhos. A morte passou a ser vista como uma derrota perante a medicina. A morte foi preenchida pelo silêncio. É o que pesquisadores chamaram de Tabú da Morte.

Alguns pesquisadores perceberam aos poucos um retorno ao tema da morte. Um ‘revival’ muito proporcionado pela percepção pública dos limites da medicina e também pela cultura de massa (jornais, revistas, música, filmes) que mostram o cotidiano da morte no mundo.

Funerais se tornaram espetáculos com shows e exaltação da memória. As mídias sociais hoje difundem e memorializam a morte de jovens. Músicas focam a morte em seu desejo ou repulsa e alcançam as massas. Filmes sobre a morte precocemente apresentada ou não tanto. Jornais e Revistas condenam displicências geradoras de mortes desnecessárias.

Ao final do século XX a morte voltou ao dia-a-dia, mas a reflexão e a preparação para ela ainda permanecem em esforços individuais de contratos para seguro de vida, e conversas com idosos. As pessoas ainda estranham e se isolam, em minha experiência individual, da necessidade e importância de se pensar a morte de si e dos outros.

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A morte é para todos, motivo de tristeza ou consternação. É instintivo, poucos conseguem de fato superá-la com serenidade. Não é uma questão de vencer uma guerra. É uma questão de apaziguar e minimizar a dor que antecede a morte.

Enfim, a importância de esforços como os de Judy e de movimentos como os Hospice Care focados no alívio do medo e na preparação para a morte se mostra evidente para uma boa morte e para a valorização e exaltação de uma boa vida.

E vocês, estão se lembrando da morte? Mesmo?


publicado em 19 de Junho de 2013, 10:00
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Gabriel Cordeiro

Historiador. Valoriza a vida, estuda a morte. É fascinado pela gentileza. Pode ser encontrado no Facebook.


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