O que você acha que sabe sobre a web está errado

Se você é um leitor padrão, eu tenho sua atenção por 15 segundos, então lá vai: nós estamos entendendo muita coisa errado sobre a web.

Nós confundimos o que as pessoas clicam e compartilham com o que elas leem. Nós vamos correndo atrás de novas tendências, como a publicidade nativa, sem entender o que havia de errado com as antigas e acabamos repetindo os mesmos erros.

Grandes chances de, agora, você estar escaneando esse texto em busca de algo interessante
Os brasileiros gastam, em média, 27 horas por mês na web – e a maioria sabe quase nada sobre ela

Não é um leitor padrão? Então talvez eu tenha mais do que 15 segundos. Como CEO da Chartbeat, a minha ocupação é trabalhar com criadores de conteúdo online (como a Time.com) e fornecer a eles dados em tempo real para entender melhor os seus leitores. Venho pensando que muita gente tem confundido bastante como as coisas funcionam na web.

Foi aqui que começamos a errar: em 1994, um cara chamado Ken McCarthy, que costumava trabalhar com marketing de mala direta via correio convencional, inventou que o clickthrough [quantas vezes algo é clicado] era a medida do desempenho publicitário na web. Daquele momento em diante, o clique se tornou a ação definidora da publicidade na web. A dominância natural do clique ergueu empresas gigantescas, como o Google, e prometeu um mundo completamente novo para a publicidade, no qual os anúncios poderiam ser diretamente relacionados às ações do consumidor.

No entanto, o clique teve alguns efeitos colaterais infelizes. Ele inundou a web com spam, links "caça-paraquedistas", design doloroso e diversos outros truques que tratam os usuários como ratos de laboratório. Enquanto a TV pedia a sua atenção integral, a web não estava nem aí para isso, desde que você fizesse click, click, click.

Em 20 anos, todo o resto da web se transformou, mas o clique continua inalterado. Nós vivemos na web dos cliques.

Mas tem algo acontecendo com ela. Impulsionado por novas tecnologias e taxas de cliques cada vez mais baixas, o que acontece entre os cliques está se tornando cada vez mais importante, e o mundo da mídia está tropeçando em si mesmo para se adaptar. Sites como o do New York Times estão se redesenhando de formas que dão menos ênfase ao todo-poderoso clique publicitário. Novos estreantes, como o Medium e o Upworthy, estão desencanando dos números de visualização de páginas e cliques enquanto favorecem suas métricas próprias para medir a atenção que recebem. A publicidade nativa, que é projetada para segurar a sua atenção em vez de simplesmente ganhar um pageview, está crescendo em ritmo incrível.

Não querem mais apenas o seu clique, agora é o seu tempo e a sua atenção que estão na mira.

Bem vindo à Web da Atenção

No centro da Web da Atenção estão poderosos novos métodos de captura de dados que podem dar aos sites de mídia e aos publicitários uma visão pixel a pixel, segundo a segundo, do comportamento do usuário. Se o clique é a catraca de acesso ao estádio, esses novos métodos são a sala de controle do telão que dá acesso a mil diferentes ângulos.

Os dados que esses métodos capturam oferecem uma nova janela para o comportamento na web e sugerem que muitos dos fatos que nunca questionamos simplesmente não são verdadeiros.

Mito 1: nós lemos as coisas em que clicamos

Por 20 anos, os sites buscaram os pageviews, a métrica que conta o número de vezes que as pessoas carregaram uma página. Quanto mais pageviews um site consegue, mais pessoas estão lendo, mais sucesso tem o site. Ou assim pensávamos. O Chartbeat analisou o comportamento profundo de usuários em 2 bilhões de visitas por toda a web no decorrer de um mês e descobriu que a maior parte das pessoas que clicam não leem.

De fato, impressionantes 55% gastaram menos de 15 segundos ativos em uma página. Os números ficam um pouco melhores se forem filtrados puramente por páginas com artigos, mas mesmo assim, um em cada três visitantes gastam menos de 15 segundos lendo os artigos onde caem. O mundo da mídia está preocupadíssimo com fraude de cliques ultimamente, mas eles deveriam estar ainda mais preocupados com o grande número de pessoas que não estão lendo o que eles acham que elas estão lendo.

Os dados ficam ainda mais interessantes quando você cava um pouco mais fundo. Os editores se orgulham de saber exatamente quais assuntos conseguem consistentemente fazer com que alguém clique e leia um artigo. São os assuntos sempre fresquinhos que eles podem tirar da manga no fim do mês para bombar os pageviews e atingir as metas de tráfego. Mas, por supor que todo o tráfego é criado igual, os editores estão perdendo uma oportunidade de criar uma audência real para o seu conteúdo.

Nossa equipe de dados analisou tópicos espalhados em uma amostra de 2 bilhões de pageviews gerados por 580.000 artigos em 2000 sites. Nós separamos os tópicos mais clicados e contrastamos os assuntos que conseguiram um nível muito alto de atenção por pageview com aqueles que receberam muito pouca. Os artigos que receberam cliques e engajamento tendem a ser notícias reais. Em agosto, os assuntos que se saíram melhor foram Obamacare, Edward Snowden, Síria e George Zimmerman, enquanto em janeiro os debates sobre o Woody Allen e o Richard Sherman dominaram.

Os artigos com mais cliques e menos engajamento foram aqueles com assuntos mais genéricos. Em agosto, os piores desempenhos incluíram as palavras-chave Top, Best, Biggest, Fictional, etc, enquanto em janeiro tivemos Hairstyles, Positions, Nude e, por algum motivo, Virginia. Os dados têm dessas.

Todos os assuntos acima receberam mais ou menos a mesma quantidade de tráfego, mas os com melhor desempenho prenderam aproximadamente 5 vezes mais atenção do que os com pior desempenho. Os editores podem dizer que, desde que estejam atraindo cliques, os tópicos fizeram seu trabalho, mas isso apenas se o único valor que enxergamos no conteúdo é o tráfego, qualquer tráfego, que ele gera para a página.

Os editores que pensam assim não estão enxergando o jogo a longo prazo. Pesquisas na rede do Chartbeat mostraram que se você conseguir prender a atenção de um visitante por apenas três minutos, ele tem duas vezes mais chance de voltar ao seu site do que se você só conseguir segurá-lo por um minuto.

A audiência mais valiosa é aquela que volta. Os escritores de links caça-paraquedista precisam começar do zero todos os dias, tentando encontrar novas maneiras de enganar as pessoas ingênuas a clicarem em conteúdo raso. Os escritores que vivem na Web da Atenção estão criando histórias reais e construindo um público que volta.

Mito 2: quanto mais compartilhamos, mais lemos

pageviews
retweets
sine qua non

Enquanto os começam a nos falhar, marcas e publicações abraçam os compartilhamentos sociais como likes do Facebook ou no Twitter como uma nova moeda. Os compartilhamentos sociais são públicos e sugerem que a pessoa não apenas leu o conteúdo, como também está ativamente recomendando-o para outras pessoas. Existe toda uma indústria dedicada a promover o compartilhamento social como o do analytics.

Faz sentido se preocupar com os compartilhamentos sociais. É provável que você consiga mais tráfego se você compartilhar algo socialmente do que se não fizer nada: quanto mais likes um texto consegue, maior o número de pessoas que acabam sendo expostas a ele dentro do Facebook, e maior o tráfego de modo geral. O mesmo é verdade para o Twitter, embora ele geralmente leve menos tráfego à maioria dos sites.

Mas as pessoas que compartilham conteúdo são uma pequena fração das que visitaram aquele conteúdo. Entre os artigos que analisamos com atividade social, havia apenas um tweet e oito likes para cada 100 visitantes. A tentação de inferir algum tipo de comportamento a partir desse pequeno número de pessoas que compartilham pode levar sites a tirarem conclusões precipitadas que os dados não confirmam.

Uma suposição bem comum é que quanto mais um conteúdo é curtido ou compartilhado, mais engajador ele deve ser, e mais as pessoas estarão dispostas a dar atenção a ele. Mas os dados não confirmam isso. Nós olhamos para cerca de 10.000 artigos socialmente compartilhados e não encontramos absolutamente nenhuma relação entre a quantidade de compartilhamentos daquele conteúdo e a quantidade de atenção que o leitor médio dá a ele.

Quando nós combinamos a atenção e o tráfego para encontrar o texto com maior volume de tempo engajado total, descobrimos que ele tinha menos de 100 likes e 50 tweets. O texto com o maior número de tweets recebeu cerca de 20% do tempo total de engajamento recebido pelo texto de maior engajamento.

No fim das contas, medir compartilhamentos sociais é ótimo para entender os compartilhamentos sociais, mas se você está usando isso para entender quais conteúdos estão prendendo mais a atenção das pessoas, você está colocando o cavalo na frente dos dados. As mídias sociais não são a bala de prata da Web da Atenção.

Mito 3: a publicidade nativa é a salvadora das publicações

As empresas de mídia, desesperadas por novas fontes de renda, estão recorrendo em massa à chamada publicidade nativa. As marcas criam ou encomendam seu próprio conteúdo e o colocam em um site como New York Times ou Forbes para atingir e captar a atenção da audiência deles. As marcas querem que as suas mensagens sejam passadas para os consumidores de modo que não interrompa a sua experiência, mas sim adicione a ela.

No entanto, a verdade é que o imperador chamado publicidade nativa pode até não estar nu, mas é quase certo que não está vestindo mais do que uma sunguinha. Em um artigo típico, dois terços das pessoas dão mais do que 15 segundos de engajamento, enquanto em um conteúdo de publicidade nativa, esse número despenca para um terço. A história se repete quando olhamos para o comportamento de rolagem de página. Em conteúdo de publicidade nativa que analisamos, apenas 24% das pessoas sequer começaram a rolar a página, contra 71% em conteúdo normal. Entre os que se dispuserem a começar a rolar a página, menos de 30% vai ler mais do que um terço do artigo.

O que isso sugere é que as marcas estão pagando por – e as publicações estão direcionando tráfego para – conteúdos que não prendem a atenção dos seus visitantes, nem alcançam os objetivos dos seus criadores. De maneira simples, a publicidade nativa tem um distúrbio de déficit de atenção.

Mas nem tudo está perdido. Alguns sites, como o Gizmodo e o Refinery29, otimizam para atenção e vêm trabalhando pesado para garantir que a sua experiência de publicidade nativa seja consistente com o que os leitores buscam nos seus sites. Por isso, eles conseguem resultados na sua publicidade nativa tão bons quanto os de seus conteúdos normais.

A lição aqui não é que devemos desistir da publicidade nativa. Se for bem feita, ela pode ser uma maneira eficiente de se comunicar com uma audiência bem maior do que a que visitaria o site de uma marca. No entanto, direcionar tráfego para conteúdos que ninguém está lendo é jogar dinheiro e energia no lixo. À medida que mais e mais marcas começarem a pensar mais no que acontece depois do clique, há esperança de que a publicidade nativa possa chegar a um nível de qualidade que não exija truques e dissimulação; na verdade isso vai ter que acontecer, se ela quiser sobreviver.

Mito 4: anúncios em banner não funcionam

clickthrough

Faz alguns anos que toda semana tem alguém lamentando que o banner está morto. As taxas médias de estão abaixo de 0.1%, e você ouve toda hora o termo “banner blindness” [aquele conceito de que as pessoas aprendem onde estão os banners em cada página e logo acabam de fato nem os enxergando mais]. Se você é um profissional de marketing que trabalha com resposta direta e está tentando atrair mais cliques para o seu site, então sim, para você o banner está funcionando menos a cada ano que passa.

Mas para publicitários de marca, os rumores da morte do banner podem estar sendo enormemente exagerados. Se o seu objetivo for o tradicional “comunicar uma mensagem para a sua audência”, então sim, a maioria dos anúncios em banner são ruins… mas… alguns deles são ótimos! O desafio da Web do Clique é que nós não conseguimos saber qual é qual.

As pesquisas foram consistentes em mostrar a importância dos ótimos anúncios criativos em fazer com que um visitante veja e lembre de uma marca. O que menos gente conhece é o consenso científico baseado em estudos feitos pela Microsoft (pdf), Google, Yahoo e Chartbeat de que um segundo fator chave é o tempo que um visitante passou ativamente olhando para a página quando o anúncio está na tela. Alguém que olha para a página por 20 segundos enquanto um anúncio está nela tem de 20% a 30% mais chances de lembrar do anúncio depois.

Então a fórmula da eficiência para anúncios em banner é simples: faça algo criativo e coloque na cara de uma pessoa por um tempo longo o bastante para que ela realmente enxergue. O desafio para a maior parte dos banners é que as heurísticas tradicionais da publicidade sobre o que funciona ou não vêm colocando os anúncios nas partes da página que capturam menos quantidade de atenção.

O segredo é esse: 66% da atenção que uma página normal recebe é depois da dobra. Aquele placar no topo da página? As pessoas rolam direto por aquilo e vão gastar seu tempo onde elas sabem que está o conteúdo, não as firulas. Ainda assim, a maior parte das agências ainda exigem que seus anúncios sejam colocados nos lugares onde as pessoas não estão olhando e ignoram os lugares onde elas estão.

Os nativos e versados na web, como a Say Media e a Vox, assim como players estabelecidos, como o Financial Times, são guiados mais pelos dados do que pela tradição, e por isso moldam sua estratégia de publicidade para otimizar a experiência e a atenção. Um pequeno grupo de planejadores de mídia também está lançando uma insurgência e se aproveitando da adesão dos seus pares às antigas heurísticas para se beneficiarem da informação assimétrica sobre o que realmente é valioso.

Para as publicações de qualidade, valorizar os anúncios não só com base nos cliques mas também no tempo e atenção que eles angariam pode ser a sobrevida que estavam procurando. O tempo é um recurso raro e escasso na web, de modo que gastamos o nosso mais com conteúdo que presta do que com o que é ruim. Valorizar a publicidade com base em tempo gasto e atenção significa que as publicações com bom conteúdo podem cobrar mais pelos seus anúncios do que aquelas que criam links caça-paraquedistas.

Se o valor que você pode cobrar for diretamente relacionado à qualidade do conteúdo que você oferece, os sites serão incentivados financeiramente a criar conteúdo de maior qualidade. Nas sementes da Web da Atenção nós podemos estar finalmente encontrando um modelo de negócios sustentável para a qualidade na web.

Esta mudança para a Web da Atenção pode soar como um punhadinho de pequenos sinais e mudanças, mas tem o potencial de transformar a internet. Não são apenas as publicações com conteúdo de qualidade que vencem nela, somos todos nós. Quando os sites são construídos para prender atenção, qualquer design ruim ou publicidade esquisita que faça com que as pessoas possam ficar um segundo a menos na página é um mau negócio. Isso significa mais investimento em design e uma experiência melhor para todos.

Uma internet onde qualidade gera lucro e o bom design é recompensado? Está aí algo em que vale a pena prestar atenção.

* * *

Nota: artigo publicado originalmente na TIME, traduzido por gentil autorização deles e com ajuda valiosa de Brian Merz, do Chartbeat, para intermediar a conversa.


publicado em 10 de Abril de 2014, 11:23
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Tony Haile

Tony Haile é CEO da Chartbeat, uma empresa de análise de dados que com mais de 4.000 grandes publicações entre seus clientes.


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