Os homens precisam mesmo conversar entre si?

Como diz o ditado, “é fácil ser pedra, difícil é ser vidraça”.

Quando pedi ao PdH para divulgar aqui o que faço, felizmente tive meu pedido acolhido prontamente. A única coisa sugerida foi que escrevesse um relato em primeira pessoa, que explique todo o contexto por trás do projeto e como está sendo, pra mim, a experiência. Fiquei receoso, confesso, pois tenho medo de me expor e parecer que estou cagando regra. Mas, como diz o ditado, “é fácil ser pedra, difícil é ser vidraça”. Tá na hora de encarar isso. Então, vamos lá.

Vim aqui contar um pouco sobre o MEMOH, projeto pra discutir masculinidades com o propósito de fazer o homem refletir sobre o modo que ele age consigo, com o outro e com a sociedade de uma maneira geral.

Sabemos por materiais como o documentário “Precisamos Falar com os Homens?” e o já clássico “The Mask You Live In” (disponível na Netflix) que nós homens repetimos um padrão de comportamento, muitas vezes sem saber, que é bastante nocivo. E que isso também nos afeta.

A pergunta-título do documentário produzido pelo PdH em conjunto com a ONU Mulheres e o Grupo Boticário, ao meu ver, é de fácil resposta: sim, precisamos falar com os homens. E, também, entre homens. O MEMOH é isso, um espaço de troca entre homens - ou espaço de acolhimento, como a ONU Mulheres nomeia - para falarmos sobre quaisquer assuntos sem ter medo de sermos julgados como menos homens por isso.

A dinâmica e a forma com que isso é feita tá toda descrita no site do projeto e este post que o Guilherme escreveu também pode ser usado para entender como funciona um grupo similar ao MEMOH, mas aqui vai um breve resumo.

É sugerido que cada roda de conversa tenha até 20 homens por encontro. A cada encontro, um tema diferente relacionado à masculinidade é proposto a partir de um questionamento ou angústia dos participantes.

Alguns postos são importantes a cada roda de conversa. Essas pessoas vão garantir que a roda de conversa seja o mais viva quanto for possível.

O Líder da Rodada traz o tema a ser debatido. O Caseiro é o facilitador, ele organiza os encontros, cuida do espaço e garante que tudo vai dar certo. O Anfitrião é quem oferece o espaço e tanto pode ser uma pessoa física que cede sua casa como pode ser uma organização. E, claro, além desses, há os participantes, os homens que efetivamente vão conversar.

Antes de continuar, quero deixar explícito novamente que o MEMOH possui um propósito claro: promover equidade de gênero fazendo o homem refletir sobre seu modo de agir consigo, com o outro e com a sociedade.

Nos encontros quinzenais que fazemos, falamos sobre diversos e variados temas. Sobre nossas dificuldades em expressar sentimentos, sobre depressão e sobre “ter que” um monte de coisa pra continuar sendo visto como homem. Mas o foco não é em “não posso chorar… olha só como sofro por ser homem”. O propósito do MEMOH é o nosso norte, então, falamos desses temas todos sempre buscando ampliar a questão. Porque, amigão, a gente sofre, sem dúvidas, mas 13 mulheres são mortas por dia no Brasil pelo simples fato de serem mulheres. O nosso país é o que mais mata transexuais no mundo. E a cada 11 minutos um estupro acontece na nossa amada terrinha.

E o grande problema nisso é que eu e você - isso mesmo, eu, Pedro, e você, leitor - por reproduzirmos esse padrão de comportamento, mesmo sem querer e até sem saber, permitimos que essa violência toda aconteça.

Se nós temos um gênero - pode ser surpreendente, mas nós não somos um “ser universal” - o problema da desigualdade de gênero também é nosso.

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Entrei nessa trajetória depois de, finalmente, parar pra ouvir o que as mulheres estavam tentando me dizer. Não sem antes, claro, dar bastante com a cara na porta. Assumi o papel do “esquerdomacho” e mais atrapalhei que ajudei diversas vezes. Em outras palavras, meti o bedelho onde não fui chamado. Demorei, mas aprendi que, ao invés de “ajudar” a mulher no que ela deve ou não fazer pra conquistar seus direitos, eu precisava mesmo é olhar pro meu próprio umbigo. Umbigo este de um homem branco, heterossexual e de classe média. Reconhecer, enfim, o quão privilegiado eu sou e o quão errado me comporto com mulheres, com outros homens e até comigo mesmo por tentar ser esse tal “homem de verdade” aí.

O MEMOH serve, inicialmente e primordialmente, para um ganho de consciência através da problematização.

A problematização que buscamos, para deixar claro, é o oposto da polêmica. O jogo da polêmica pressupõe adversários e não parceiros. O grupo e seus participantes entendem, conscientemente, que estão em um ambiente propício para se vulnerabilizar - muitas vezes pela primeira vez na vida - e receber apoio. É, de verdade, muito poderoso ouvir outro homem admitir uma falha, um equívoco, vê-lo expelir uma antiga angústia.

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Depois de reconhecer que temos a nossa parcela de responsabilidade sobre a questão, quem não concorda com esse sistema tem que se manter vigilante o tempo todo, fazendo uma auto-análise a cada segundo. É difícil demais romper com esse padrão, afinal, fomos educados para sermos assim. Me pego ainda hoje reproduzindo comportamentos que já não concordo, mas a coisa tá tão enraizada em mim que, vira e mexe, escapa. Costumo dizer que um dos meus “indicadores de sucesso” é medido pela velocidade que percebo a atitude equivocada que cometi. E trabalhar isso em grupo de pares ajuda muito.

O homem ao participar deste espaço, em cada encontro e em cada tema apresentado, problematiza a sua posição como agente atuante, causando uma reflexão sobre quais comportamentos pretende continuar ou não reproduzindo e o colocando como responsável por seus próprios atos.

Um dos objetivos deste espaço de troca, aproveitando a pré-disposição de quem chegou até ali, é deixar os homens com afeição pela perturbação, é forçar o pensamento deliberado sobre o que antes nem viam como problema de fato. Eu, Pedro, incluso.

Então, assim termino o texto, admitindo que ainda erro, me expondo cheio de medos e receios, mas entendendo que é necessário esse passo para ser mais verdadeiro comigo mesmo e para convidar outros homens incomodados a “botar a cara”. Precisamos falar entre nós, homens.

E aí, topa o convite?


publicado em 24 de Junho de 2018, 17:19
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Pedro de Figueiredo

Um homem branco, heterossexual e de classe média que busca deixar de ser parte do problema e passar a ser parte da solução refletindo sobre seu comportamento e agindo para transformar.


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