Papo de Baile | Pesquisa aponta que 51% dos homens que vivem na periferia , consideram que nunca são machistas.

Os números mostram que homens têm consciência que existe machismo, mas não se enxergam machistas.

 

Uma pesquisa promovida pelo Papo de Baile do Mais Um, projeto que fomenta o debate sobre masculinidades nas periferias e subúrbios do Rio de Janeiro, revelou que 51,4% dos homens de periferia no Rio consideram que nunca são machistas.

Essa pesquisa foi  motivada por uma roda de conversa após assistirem  o documentário “O Silêncio dos Homens’’, os participantes decidiram levantar dados sobre homens da periferia.

O coordenador do projeto, Jorge do Mais Um , comentou sobre o que achou da pesquisa que foi realizada:

@jorgemaisum coordenador do projeto : '' Papo de Baile do Mais Um. ''



“É importante começar essa resposta dizendo que são homens de periferia, então esse estudo é um aprofundamento específico no campo das masculinidades. Esses homens não se viram machistas por causa do termo que foi colocado para eles. Mas sim pelo não entendimento do termo. ''

Nós possuímos dados que 51,4%  dos homens nunca se viram machistas por um lado. Temos dados que mostram que a maior parte desses homens enxergam que precisam melhorar muito suas atitudes 55,5%. E no meio desse caminho, temos números que falam o quanto esses homens tem atitudes violentas na vida deles 40%.

'' Esses homens não se identificam como machistas, porque eles não enxergam o termo machista. ''

O termo não tem um contexto reconhecido por homens de periferia, mas sim por pessoas de fora da periferia. Pessoas que tem um outro tipo de acesso, acesso a faculdade, acesso ao diálogo de masculinidades propriamente dito, com mais aprofundamento.

As pessoas daqui consomem poucos conteúdos relacionados ao tema ainda e são exceç0ões aqueles homens que conseguiram fugir dessa realidade. Não que esse homens não discutam sobre masculinidades, mas discutem de uma outra forma. Por exemplo, existe um companheirismo grande entre eles,  oferecem apoio uns ao outros, mas dentro de uma linguagem e conduta deles. É bem diferente de uma galera que tem um acesso maior a educação e é de fora da periferia. Em nenhum momento eles falam sobre afetividade, mas são afetuosos com seus companheiros e amigos.

'' Não conseguem entender a linguagem que vem de fora da periferia.”

As ações desses homens não são investigadas como validações, eles são muito mais investigadas como apontamentos negativos. E o nosso trabalho entra muito nessa brecha, que é levantar dados com uma preocupação de enxergar ações positivas dos homens de periferia.

São homens dados como perigosos perante a sociedade, são os homens que mais são mortos pela polícia, e os que mais sofrem com o desemprego  e diversos outros números que  a todo momento aparecem em pesquisas.

Esse  arquétipo negativo  acaba se tornando uma prisão para muitos deles,  que só conseguem ver representatividade dentro dessa forma negativa. Então o nosso compromisso, é trazer também dados positivos para que esses homens possam  ter como referencia em suas vidas, concluiu Jorge. ''


Mais informações sobre a pesquisa :

Outro dado levantado pelo grupo é que 73% desses homens têm o hábito de ajudar outras pessoas com frequência. Esse é um fator que pode indicar uma nova postura, fruto de um processo de reflexão e conversas principalmente na promoção de discussões das masculinidades.

Esses dois dados — a falta de percepção sobre o próprio machismo e o hábito de ser cooperativo — nos convidam a alguns questionamentos: os homens estão freando atitudes machistas, ou não conseguem enxergar suas próprias atitudes sexistas? Por que esses homens não se considerarem machistas em nenhum momento?

Machismo na periferia

Sabemos que as relações de gênero são construídas de uma maneira desigual. O machismo é a ferramenta que gera opressão entre os gêneros, colocando o feminino em submissão ao masculino.

As relações de opressão também dependem de outros fatores além do gênero, como por exemplo, classe social, hierarquia de poder. Entendemos que o lugar de poder de um executivo, líder em uma grande empresa, não é o mesmo do prestador de serviço que mora na periferia. 

Ainda que o homem da periferia não esteja em uma posição de poder elevada, ele também tem privilégios em relação às mulheres que vivem no mesmo contexto que o seu exatamente por ser homem.

E é exatamente dentro desse recorte periférico, que quero te convidar ao pensamento sobre como vem sendo construídos e redefinidos papéis que mulheres e homens assumem na sociedade.

Não devemos julgar ou rotular o homem periférico como um ser machista de uma forma simplista. É fato que precisamos fazer esse recorte e aprofundar o máximo para entender todas as nuances desse homem.

Existe uma estrutura ao seu redor que o coloca em uma condição que ele  não pode desenvolver discussões sobre gênero, raça, classe e diversas outras pautas sociais. Essa estrutura nega a ele qualidade de vida, educação, moradia, saneamento básico, segurança, comida e s outras condições importantes para a dignidade e desenvolvimento intelectual.

No meio desse cenário, esses homens criam estratégias de sobrevivência, abrindo mão de muitas experiências e escolhas, afinal, o primordial sempre foi sobreviver. 

Dentro desse contexto, o acesso à educação frequentemente é mínimo e falta tempo para um processo de reflexão interno, para o cuidado de si, e também para o cuidado dos seus. Isso frequentemente atravessa a compreensão de como ser homem. 

É preciso, portanto, analisar os elementos de determinação do ponto de vista econômico e cultural que fazem parte da vida cotidiana desses homens  e estruturam valores, modos de pensar, de ser e agir.

Ou seja, trata-se não apenas de reconhecer quem tem poder e visibilidade, mas em quais condições materiais foram alicerçadas essas estruturas.

O machismo passa invisível aos olhos?

A legitimação do machismo está fortemente entranhada nos costumes e na forma de estabelecer todas relações, e é exatamente devido a isso que muitos homens não têm a dimensão de todos os privilégios que o machismo confere.

Mesmo sabendo que estão em uma condição privilegiada, não se enxergarem como  agentes que produzem essa opressão ainda é um desafio para muitos homens.

Se os homens aprendem que o mais importante da vida é o trabalho, faltam percepções sobre outros aspectos como por exemplo, tempo para pensar em como nós interagimos com as pessoas à nossa volta. 

Essa falta de atenção aos outros, muitas vezes faz com que atitudes machistas sejam reproduzidas sem perceber, sobrecarregando, por exemplo, as mulheres da família, mas também prejudicando o próprio homem, que passa a se afastar dos filhos, deixa de estar presente em momentos importantes.

Esse comportamento normalizado, é reproduzido em várias facetas e não só as mulheres sofrem com isso, os homens também são reféns desse comportamento.

Um dos indicativos é que apenas 18,9% destes homens têm facilidade em pedir ajuda quando preciso.

Em um cenário desigual, onde esses homens não podem exercer a escolha de priorizar sua educação e  ter acesso a locais onde exista alguma discussão sobre masculinidades, o desafio de parar para se repensar, para mergulhar num processo de transformação é ainda maior.

A necessidade de ser o macho alfa, provedor, o cara que não tem medo, que é respeitado e que não mostra fragilidade são fatores que levam homens a reproduzirem atitudes desiguais.

Ainda que as pessoas que não enxergam o machismo nelas mesmas, existe a consciência da existência do problema sim. E essa é a grande questão: os homens veem o machismo na sociedade, mas não neles mesmo. 

Se entender como perpetuadores do machismo é onde se encontra o desafio, porque desconstruir esses comportamentos é um exercício de autoconhecimento, empatia e respeito ao próximo.

Em resumo, o homem periférico pode enxergar o machismo ao seu redor, e ter dificuldades em se ver como parte do sistema opressor que gera violência, desigualdade e diversos outros problemas para a sociedade e para comunidade que o cerca. No entanto, mais da metade dos homens também acreditam que devem melhorar suas próprias atitudes.


publicado em 07 de Junho de 2022, 11:42
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Breno Teófilo

Estágiário de produção de conteúdo no papo de homem Apresentador do Canal Reflexo @canalreflexo ( https://www.youtube.com/c/CanalReflexoOficial )


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