Muitas das coisas em que gastamos nossa energia valem a pena, mas umas valem mais do que as outras.
Os benefícios de minha rotina de levantar peso, por exemplo, valem muito mais do que o esforço depreendido, ainda que o esforço seja significativo. É preciso erguer um peso de 90 quilos um bocado de vezes para chegar a ver algo de algo bom acontecer.
Porém, há algumas poucas coisas que faço (e que algumas vezes ainda deixo de fazer) que não depreendem quase nenhum esforço, e ainda assim melhoram absurdamente minha vida. No meu entendimento, estas quatro coisas são o melhor custo-benefício do mercado.
1. Deixar a pia brilhando antes de ir dormir
Não sei quando ou onde li isso, mas lembro de alguém afirmando que o hábito de lustrar a pia antes de deitar era a pedra fundamental da produtividade e bem-estar. Experimentei fazer o mesmo e estou aqui corroborando esta afirmação ridícula. (Alguns leitores me avisaram que foi a FlyLady quem disse isso.)
Fazer seu café da manhã ao lado de uma pia brilhante é uma experiência auto-afirmativa de empoderamento. Fazer o café ao lado de uma pia fosca, que tenha um só garfo sujo numa pocinha de água, comparativamente, é enfraquecedor e desumanizador. Adicione a isso um macarrão ou dois perdidos, e estranhamente se torna algo capaz de destruir sua vida.
Na minha própria experiência, do processo de fazer o café pela manhã podem emergir dois tipos de pessoas, dependendo da condição da pia. Uma delas é a pessoa alinhada e pronta para a vida. A outra precisa se debater até a mesa, como que sob um enorme peso existencial, cheia de destroços psíquicos inseparáveis dos restos náufragos de sopa que lhe deram o primeiro bom dia. O sol é inimigo, e não aliado, dessa pessoa, e todo trabalho do dia será como subir uma ladeira.
Cada estilo de pia provavelmente requer uma técnica diferente. A minha é de aço inoxidável, e uso um daqueles paninhos mágicos com um pouco de sapólio e água. Passo um spray nos detalhes em cromo, e enfim esfrego com um pano seco. Leva 40 segundos. Pode mudar sua vida.
2. Sair por aí sem plano algum
Em algum momento em minha vida adulta acabei criando um hábito estranho no supermercado, um hábito aparentemente contraproducente. Eu não me dava ao trabalho de cruzar a loja inteira para buscar o último item na lista. E isso mesmo que algo em mim soubesse que deixar de lado aquela coisinha faria com que eu tivesse que caminhar seis quadras para visitar o minimercado no dia seguinte.
E esse era meu subconsciente gritando socorro. A parte silenciosa e sábia da minha mente sabotava a eficiência de minha rotina de supermercado apenas para criar uma desculpa, de forma que eu tivesse que ir a pé a algum lugar.
Hoje encaro caminhar como se fosse um nutriente essencial; algo que não deveria suscitar uma desculpa. Que precisemos encontrar desculpas para fazer algo assim é devido a esse arranjo pós-industrial um tanto perverso que nos permite passar um dia inteiro sem trilhar uma distância significativa a pé.
O ar fresco e os movimentos corporais são sempre saudáveis, é claro, mas para obter os benefícios completos e de altíssimo custo-benefício da caminhada, é essencial não saber aonde se vai. Caso tenhamos uma destinação, ou mesmo uma rota usual de caminhada, a caminhada se torna uma tarefa: algo que se quer concluir, não algo que simplesmente se faz.
Quando saio do meu prédio não sei se vou virar para esquerda ou para direita. Já saí em centenas dessas caminhadas sem direção, e ainda não surgiu nenhuma rota regular. Parece até que meu corpo sabe criar um polígono fechado sozinho, sem minha mente precisar planejar.
Em qualquer ação em que se confia na intuição passo a passo em vez de no planejamento, surge algo revigorante – e é só uma caminhada, então não há como fazer nada extremamente errado. Em cada esquina simplesmente se vira na direção que se quer, ou quem sabe se segue em frente. Os pés decidem. De algum jeito se chega em casa.
3. Sentar no chão e não fazer nada por um tempinho
Blaise Pascal notoriamente disse certa vez que todas as misérias humanas surgem de nossa incapacidade de fazer isto. Incapacidade é muito forte, acho que é só desmotivação. Com relação às misérias, ele está certo – não saber como deliberadamente nada fazer é uma doença debilitadora que leva a fenômenos de autossabotagem tais como ser workahólico, fumar cigarros, comportamento rude ao telefone (ver abaixo) e no fim das contas, guerra e pragas.
Sentar no chão e nada fazer não é exatamente difícil, mas a princípio soa muito esquisito. Estamos tão afinados com sempre agir, avaliar, fazer e melhorar, que parar completamente desse jeito parece tão radical quanto desligar o motor no farol vermelho e colocar os pés para cima (embora seja bem mesmo problemático para a sociedade).
Na moita, estou sugerindo algum tipo de meditação, mas o ponto é que você pode fazer seu não fazer tão formal ou informal quanto quiser. Pode fazer ao estilo zen, com uma postura e uma técnica, ou pode só encostar-se à parede e ouvir os pássaros ou o zunzum da geladeira por oito minutos.
Faço vinte minutos por dia, algumas vezes menos, algumas vezes mais. Mas mesmo cinco minutos por dia no chão já estão valendo. Até um só minuto. Qualquer tempo parado, totalmente “na minha”, reconhecendo o que posso oferecer a minha mente focada em objetivos, já faz uma grande diferença.
Não há razão alguma para transformar isso numa atividade séria e mística – o nada fazer é muito prático e simples, ainda que muitas vezes a hiper-seriedade faça com que as pessoas se afastem de todos os tipos de meditação. (Esta perspectiva de “não sejamos tão rígidos” é a base do Camp da Calma, que é um curso que eu recomendo.)
Você está apenas sentado no chão, percebendo como é estar sentado no chão, talvez usando uma técnica para simplificar isso ainda mais. Depois de sentar sem nada fazer por uma semana ou duas, você se perguntará como conseguiu chegar tão longe sem nunca ter dedicado nenhum tempo ao chão.
4. Deixar o celular num canto
Que diferença um metro e meio faz! Por “canto” estou me referindo a alguma localização no espaço tridimensional que não seja atingível sem que se tenha que se levantar. No topo da estante. No criado-mudo no quarto. Naquela tigela onde se larga as chaves e o troco.
Suponho que haja pessoas por aí que só pegam seus telefones só quando desejam fazer uma tarefa específica, buscar uma informação no Google, ou até usar o telefone para ligar para alguém. Mas acho que a maioria de nós já percebeu que sacar o telefone se torna uma espécie de reflexo automático, uma manobra condicionada de defesa, acionada sem deliberação por um momento presente chato ou desafiador. Em segundos nos vemos no nosso nicho particular, aconchegados seja no Reddit ou no Twitter, sem nem ter decidido isso conscientemente. Quando esse reflexo ocorre sei que é hora de desistir de uma série de TV: caso me perceba lendo o Twitter durante as cenas mais calmas, é óbvio que estou desperdiçando este tempo na terra.
Tenho certeza que a força do impulso varia de pessoa para pessoa, mas reconheço que meus próprios impulsos ligados ao telefone se tornaram quase automáticos. Até quando estou navegando a web no computador, e uma determinada página parece demorar demais, logo me descubro atrás do telefone para que ele me livre de precisar exercer paciência.
É só quando, ao procurar meu dispositivo e ver que está lá naquele canto, do outro lado do recinto, ou numa mesa, que me ocorre que é possível não pegar e tocar esse retângulo de plástico cada vez que me dá na telha. Estou exagerando, mas só um pouquinho.
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Nota da editora: esse texto é uma tradução do artigo originalmente publicado aqui.
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- This Will Never Happen Again (em inglês, do próprio David Cain).
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publicado em 29 de Maio de 2016, 00:10