Perdemos nossa sanidade

Basta ler a primeira página de qualquer jornal do mundo para chegar a uma simples conclusão: as pessoas enlouqueceram.

Eu costumava ter uma teoria pessoal de que, como o acesso à informação se tornou mais fácil, as notícias ruins chegam em quantidades maiores. Mas não. O mundo está diferente, pessoas estão intolerantes e irradiando reações impensadas. Tudo o que acontece nos irrita, nossa primeira opção é sempre desgostar. Temos respostas explosivas a qualquer situação que perturbe nossa zona de conforto e usamos isso para justificar uma cadeia de comportamentos irracionais.

 

A justificativa social do trânsito

Não gosto de dirigir, sinto uma péssima sensação quando estou no controle de um carro e vejo as pessoas enfurecidas dentro de suas caixas de metal. Carros despertam nossos instintos de controle e superioridade. Nos sentimos como um homem pré-histórico que de alguma forma conseguiu domar um mamute: o fodão do mundo.

 

Cada uma dessas pessoas se acha melhor do que as outras em algum nível

Isso pode ser considerado prazeroso, mas também faz com que, sem pensar, nós tenhamos atitudes e reações que não teríamos enquanto pedestres. Xingamos aquela moça linda para quem mal teríamos coragem nem de dizer bom dia. Gritamos com velhinhos e amaldiçoamos carros cheios de crianças. Fora de um automóvel, nada disso sequer passaria pela sua cabeça.

Todos acham que dirigem melhor do que a média, mesmo que não exista uma média estabelecida. Estamos sempre com mais pressa que o motorista ao lado, nosso problema é sempre maior do que o dos outros. Mulheres sempre dirigem mal, mesmo que façamos exatamente as mesmas barbeiragens.

 

Como chegamos a esse ponto?

Semana passada eu almoçava enquanto assistia ao jornal do meio dia e vi uma noticia perturbadora: uma motorista havia atropelado um motociclista após uma discussão de trânsito, danificando outros dois automóveis. Depois busquei o vídeo no YouTube e encontrei a versão estendida do acontecimento, com direito a narração de uma testemunha que explicou mais ou menos assim:

 

O motociclista entrou na pista junto com ele, ela veio do retorno e jogou o carro em cima dele. Irritado, parou para questionar a atitude dela, quando ela acelerou o carro, o motorista chutou o veículo e ela avançou derrubando a moto. Quando o motorista se levantou para falar com a mulher, ela avançou em cima dele, arrastando ele e outro carro até bater em um outro veículo que estava estacionado.

A cena é inacreditável e acabou gerando uma discussão generalizada, cada um assumindo uma posição diferente. Algumas pessoas diziam que “motoqueiro" está sempre errado e não importa o que a testemunha diga, a moto é sempre culpada. Assustadoramente, outra pessoa de convívio próximo comigo tomou um lado muito mais agressivo: “Ah, se sou eu no lugar da mulher! Da próxima vez que um motoqueiro abusar no trânsito, faço igual”. Quando não está julgando pessoas que optam por andar em um veículo de duas rodas em vez de um de quatro, a pessoa que soltou essa frase é uma pacífica evangélica que acredita em fazer o bem.

Mais forte do que a cena é ver pessoas correndo para assumir uma posição em meio a toda essa insanidade, uma sucessão de opiniões doentes. Existe mesmo uma necessidade de tentar justificar essas atitudes? Ela tem razão porque ele entrou na frente dela? Ele tem razão porque ela jogou o carro em cima dele? Têm alguma coisa que justifique qualquer um destes comportamentos?

Por que queremos sempre nos juntar ao caos e assumir uma posição dentro toda essa loucura? Dizer que o trânsito nos estressa realmente justifica tudo isso?

 

Mr. Walker é um bom homem

Quando vejo as pessoas no trânsito, sempre me lembro de um episódio antigo do desenho do Pateta que passava na televisão. O Pateta era Mr. Walker, um cidadão bom e inteligente, que evita até mesmo pisar em formigas. Respeita todo mundo e trata bem as pessoas. Mas quando entra no carro, se transforma em um agressivo motorista.

YouTube | Como um desenho de 1950 pode ser tão atual?

Agimos como o personagem do Pateta em grande parte do tempo, mas estamos sendo contaminados pelo comportamento reativo do trânsito e levando essas atitudes para outros aspectos da nossa vida. Gritamos com nossas namoradas e justificamos com a desculpa de um dia ruim no trabalho. Destratamos nossos colegas porque passamos muito tempo em um engarrafamento ou porque alguém roubou uma vaga no estacionamento.

Esquecemos que devemos ser bons para os outros, independente do que aconteceu com a gente, e passamos a achar aceitável depositar essa carga em quem se aproxima.

Afundamos em um mar de ilusões para explicar comportamentos inexplicáveis.


publicado em 06 de Abril de 2012, 12:31
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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