Pontos corridos e competividade no esporte

No fim de setembro, o São Paulo poderia ter sido o líder, mas não conseguiu bater o Santo André em campo neutro. O Inter poderia liderar, mas perdeu duas seguidas para times da metade de baixo da tabela.

O Atlético Mineiro poderia ter virado líder, mas empatou com os “rebaixáveis” pernambucanos. O Corinthians mirava a liderança, mas levou quatro do Goiás para deixar os esmeraldinos a só três pontos do líder Palmeiras...

A ótima disputa pelo título é reflexo dos pontos corridos, que não interessariam à torcida pela falta de emoção a cada rodada, certo? Mas o bom público Pacaembu, Mineirão, Palestra e Beira-Rio nos últimos jogos não comprovam a tese. E tampouco uma pesquisa da TNS para o Estadão, que afirma que 53,3% dos torcedores brasileiros preferem o formato atual. Entre os frequentadores de estádio, o número sobe pra 55,8%.

Gol de Figueroa na decisão de 75 entre Inter e Cruzeiro. Saudade do mata-mata?

Mesmo que nada impeça que alguém vença o Brasileirão com cinco rodadas de antecedência, nada tira do torneio desse ano o posto de “melhor edição da era dos pontos corridos” – igual se disse das duas últimas, aliás. Mas ainda há uma tendência de comentários que atacam o formato, muitos movidos pela paixão à “cultura finalista”, a busca do retorno ao “futebol romântico” quando o regulamento mudava todos os dias.

Outra indignação comum é ver emergentes de planejamento melhor que alguns gigantes das últimas décadas: é "inaceitável" ter Barueri, Avaí e Goiás (5º melhor pontuador desde 2003) à frente de Fluminense, Botafogo, Cruzeiro e Santos. E também sempre há o paladino da justiça, que defende o mata-mata pelo bem da média de público ao fim do campeonato – em seus seis últimos anos (1997-02), foram 12.543 torcedores por jogo. Nos seis anos de pontos corridos, a média é de 12.690.

Mas o discurso contra os pontos corridos esbarra num simples fato: o formato dá o título ao melhor ao longo dos meses de disputa, a não ser quando Tinga é derrubado na área (vídeo abaixo). Premia por meritocracia a regularidade, padroniza a disputa e valoriza todas as rodadas, que ganham o mesmo peso através das semanas.

De quebra, o sistema de turno e returno faz justiça com todos os times jogando entre si dentro e fora de casa e, sem o mata-mata no fim para os melhores, é possível planejar melhor o calendário dos clubes, evitando que times da mesma divisão entrem em férias com até dois meses de diferença.

Tinga sofre pênalti não marcado e ainda é expulso (3:34)

O hábito a este formato de disputa, em seu sétimo ano consecutivo no país, já cria alguns sentimentos comuns em qualquer país de cultura futebolística, mas que até então eram aberrações no Brasil, como times que começam o campeonato sem muita pretensão de título, mas de olho em vaga na Libertadores. Até pouco tempo atrás, mesmo esse trôpego Fluminense entrava com uma pretensa obrigação de chegar às fases finais.

Como é praticamente impossível vencer um título em oito meses sem um bom planejamento e um elenco homogêneo, os trabalhos em médio-longo prazo ganham espaço e estão criando uma realidade impensável no país há dez anos: os planos de sócio-torcedor, um bom passo inicial para preencher os buracos dos estádios e garantir uma boa renda extra para os times de torcida fidelizada – e em dia com o carnê de mercadorias do clube, é claro.

Em alguns anos, a discussão sobre a permanência ou não do formato por pontos corridos vai parecer piada. Ainda que tendam a derrubar o mito de doze gigantes nacionais e mais um sem-número de grandes potências regionais para criar uma “elite” de clubes nos próximos anos – que talvez não inclua o seu. E te faça, torcedor, implorar pelo retorno do mata-mata.


publicado em 03 de Outubro de 2009, 23:32
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Braitner Moreira

Braitner Moreira escreve sobre futebol italiano no blog Quattro Tratti.


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