Por que aquele menage nunca rolou?

Todas as incertezas que uma transa a três esconde

Eles entraram no quarto carregando o cansaço da noitada. Blusas para cadeira, bunda pra cama, sapato pro chão. Se envolveram num beijo longo, as forças eram poucas, mas passaram noite inteira esperando ficar a sós. O abraço ia ficando lânguido e as piscadas, longas. Então ela interrompeu o ritmo com um “A gente podia fazer um ménage um dia”. As pálpebras voltaram a ficar leves. Tentando esconder a excitação e parecer casual, ele mandou um “quando você quiser.”

Às vezes ela se flagrava sonhando em ter duas pessoas a desejando. Não era exatamente bissexual, mas gostava de se imaginar experimentando o corpo de outra mulher. O toque deveria ser muito diferente, dava calafrio só de pensar. Também se animava porque sabia que o namorado iria adorar e, realmente, ele estava adorando.

Ao ouvir a sugestão feita por palavras mágicas, a imaginação dele foi a mil. Perdido em fantasias acabou dedicando-lhe muito mais minutos de sexo oral do que era de costume. Era como se ele estivesse agradecido. E estava. Sua namorada acariciando outra mulher, o seio de uma encontrando o da outra, seria como como fundir duas das sete maravilhas do mundo.

Assim que deu o último suspiro do gozo, tropeçou na realidade quando lhe ocorreu que talvez a ideia o trio imaginário da parceira não contasse com outra mulher. Não, não. Não. Logo fez questão de esclarecer que não era machismo, nem despeito, (talvez um pouco de medo de ter ciúme e interromper um ápice) mas não iria ter tesão nenhum com outro marmanjo. Ia acabar numa situação desconfortável, se esquivando para não tocar no outro.

Ela achava uma bobeira essa repulsa, mas, por outro lado, temia não aguentar fisicamente dois penetradores e queria experimentar outra mulher. Ele já estava preparado para ouvir um discurso sobre igualdade quando ela disse simplesmente que topava com outra menina.

Dias depois tocaram no assunto. Elencaram alguns nomes e foram riscando um por um, sem sobrar nenhuma eleita. Ex não podia. Aquela lá, se topasse ficar com ela,  jamais iria querer ele. As pessoas tinham que se sentir atraídas igualmente por todas as partes. A terceira tinha que estar confortável pra não se sentir intrusa. Eles não queriam fazer com uma desconhecida completa, e nem com alguém próximo demais. O lugar precisava ser neutro, o dia teria de calhar pros três. Quatro horas era muito pouco, pernoite era tempo demais.

Além disso, ele não era exatamente um modelo de beleza, lamentava a superficialidade das pessoas, mas sabia que isso diminuía o espectro de candidatas. Ela queria, afinal sugeriu, mas enquanto tentava querer com mais vontade, acabava encoberta por medos.

E se a outra pedisse que ela lhe desse uma chupada? Não saberia como fazê-lo e nem sabia se queria tentar. Por outra lado, se recusasse poderia ficar chato, mas isso era detalhe. Outros medos lhe assombravam mais: e se a outra fosse melhor que ela? E se numa troca de enlace, ela ficasse para fora da posição dos dois - bem diante da imagem do namorado comendo a moça - e, de repente, lhe batesse um ciúme tremendo e aquela vontade de chorar?

Qualquer desculpa de cisco no olho só apertaria mais a garganta. O prazer, seguramente, acabaria ali. Talvez isso fosse martelar a cabeça dela a cada discussão que eles tivessem. Talvez seu relacionamento inteiro acabasse alí. Talvez ele se apaixonasse pela outra e ela acabasse amargurada e arrependida da maldita ideia.

Agora, ela se censurava ao imaginar duas bocas em si. Brochava sempre que as inseguranças da realidade se intrometiam no sonho. Ele não sabia exatamente quais medos a atormentavam, mas não queria insistir muito no assunto. Não queria que ela não se sentisse pressionada, nem que achasse que um ménage era algo que ele queria desesperadamente. Ele era feliz de coração dentro daquele relacionamento e, por mais que fantasiasse, acabava sem paciência pra despender seu tempo na busca por alguém que contemplasse todos os requisitos acima.

Ela achou que se lhe falasse, ele tentaria mostrar como os medos eram bobos e que ele gostava mesmo era só dela, mas que nada disso mudaria o modo como se ela vinha se sentindo. Também não queria desfazer a proposta ou dizer não e ser a que arruína o projeto de festa.

Se por um acaso o assunto viesse à tona, diziam boca a fora que o problema foi não terem encontrado alguém. Seguro do desconforto dela, ele evitava tocar no assunto. Com o tempo e com o silêncio, já não se preocupava mais em ter de cumprir a velha proposta.

Sozinho sim, ele se permitia fantasiar com a boca dela professando o pedido por companhia e com as cenas que seguem a tal narração. Ela, sentindo que aquelas palavras nunca lhe saíram da boca, voltou a cultivar a ideia bem no fundo das entranhas. Alí, apartada da realidade, o vislumbre do ménage voltou a lhe arrepiar a pele. Sonhavam os dois com o mesmo sonho. Se comiam de olhos fechados, abrindo janelas para imaginação. Se não o sabiam, ao menos desconfiavam. Viveram contentes assim, o ménage imaginado apimentava mais transas que a tentativa frustrada de levá-lo a cabo.


publicado em 14 de Fevereiro de 2017, 12:03
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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