Quem manda de verdade no seu dinheiro

Crédito ou débito? A vista ou a prazo? Como divide a conta no bar? Você acha que gasta bem seu dinheiro mas, na verdade, você pensa muito pouco a respeito

Gostamos de acreditar que estamos no controle de tudo, quando na verdade somos influenciados pela nossa irracionalidade o tempo todo. Nassim Tahleb, no livro A Lógica do Cisne Negro, afirma categoricamente que pensamos bem menos do que acreditamos. Quando apontamos os pontos de irracionalidade, isso fica bem claro.

Para entender melhor como funciona esse mecanismo, segue um clássico exemplo amplamente utilizado para explicar como nossa irracionalidade guia diversos padrões mentais.

Nesse caso, vamos observar o número de possíveis doadores de orgãos em determinados países.

Observando os dados, vemos que existem países onde 100% da população é doadora de orgãos e do outro lado, países onde este número flutua em torno de 1% a 4%, com pouquíssimas variações para percentuais maiores. Inicialmente, justificaríamos esta discrepância com aspectos culturais ou campanhas populares de conscientização. Entretanto, quando paramos para analisar algumas diferenças entre países de culturas muito similares, como Suécia (86%) e Dinamarca (4%) notamos que o a causa não é exatamente essa.

Seguindo nessa linha, identificamos que países como o nosso, onde por padrão você não é doador de órgãos, tendem a ter um percentual de doadores bem baixo, praticamente inexpressivo, variando apenas de acordo com políticas de divulgação. Já em países onde, por padrão, cidadãos são doadores, a realidade é completamente oposta, com o número de doadores chegando a 100%.

Isso acontece porque seguimos à risca a primeira lei de Newton, que institui a inércia. Se alguém precisa tomar uma ação para se tornar doador de órgãos, ele tende a permanecer não doador, a não ser que reflita bastante sobre o assunto ou seja levado a tal reflexão por campanhas e políticas. O mesmo serve para o oposto, se você for doador por padrão e precisar fazer alguma coisa para sair dessa lista, vai continuar como doador. Chamamos estes padrões de Opt-in e Opt-Out. Escolhemos por ficar onde estamos, por ser mais confortável.

O mais curioso a respeito da nossa incapacidade de racionalizar as coisas, é a capacidade de produzir argumentos para proteger uma decisão aleatória, que não partiu de nossa reflexão. Se questionar um não-doador, o porquê da decisão, ele vai inventar milhares de argumentos para justificar uma escolha que não foi dele, mas que acredita que foi. Wilfred Bion, resume isso de forma brilhante quando diz:

“A razão é escrava da emoção e existe para justificar a experiência emocional.”

Aceitamos o que nos oferecem e inventamos justificativas.

A irracionalidade nos causa prejuízos

Sempre que ouvir falar em dinheiro, troque esta palavra por “custo de oportunidade”. De uma forma simples, quando gastamos dinheiro, estamos eliminando a oportunidade deste dinheiro comprar outra coisa no futuro. Deveríamos sempre considerar isso, mas nossa irracionalidade agrega um valor muito maior ao prazer imediato, tornando essa tarefa muito complicada.

Quando decidimos comprar um sanduíche de R$5,00, estamos escolhendo o lanche ao invés de um aplicativo para o celular ou outra coisa do mesmo valor. Todo dinheiro vem de algum lugar e vai para algum lugar. Se pensarmos em quantias menores talvez não faça diferença, mas qual o custo de oportunidade de um carro que custa 69 mil reais? Quantas viagens, livros, roupas ou projetos pessoais podemos apoiar com todo esse dinheiro? E se comprarmos um carro de 29 mil? O que muda?

Quando optamos pelo veículo de 29 mil reais ao invés do que vale 69 mil, temos 40 mil reais a menos no custo de oportunidade. O suficiente para comprar, além do carro, uma Harley Davidson e uma viagem completa para a Europa. Mas nosso cérebro não sabe fazer esse balanço entre o dinheiro e seu valor.

Custa bem menos, pode ser mais prazeroso. Como se calcula essa relação?
Custa bem menos, pode ser mais prazeroso. Como se calcula essa relação?

Nossa mente cria milhares argumentos, motivos para comprarmos aquele carro mais luxuoso mas, na grande maioria das vezes, são argumentos gerados para justificar uma uma compra irracional. Nosso olhar não consegue ir além do imediatismo. Não consegue identificar que, se gastarmos agora não vamos ter mais a frente para comprar outra coisa, muitas vezes melhor.

Para clarear a ideia, imagine alguém entrando numa loja para comprar um aparelho de som.

O aparelho da marca JONY custa R$ 1000, o da marca KKE custa R$ 700, e o Eiwa custa R$500. Estudos apontam que uma pessoa está mais propensa a comprar o aparelho mais caro, por acreditar que é de melhor qualidade e trará menos dores de cabeça, o que nem sempre é verdade. Um aparelho de valor mais baixo, normalmente vai resolver sua necessidade da mesma forma, com um custo de oportunidade menor.

Entretanto, o mesmo experimento demonstra que, ao igualarmos o valor dos aparelhos JONY e KKE, mas oferecendo de brinde R$ 300 em CD's para quem comprar o KKE, a preferência de escolha muda para o aparelho que antes era o intermediário. Novamente, nosso cérebro não consegue fazer a conversão entre oportunidade e satisfação, não abstraímos o que R$300 representa, até a loja mostrar isso, tornando a opção mais tentadora. O Eiwa tende a ser descartado e, por ser mais barato, entende-se que tenha pior qualidade e trará mais problemas. Desprezamos o ponto fora da curva, por não identificarmos a razão de tanta diferença.

O cliente, no primeiro teste, poderia comprar o aparelho intermediário e escolher os R$ 300 em CD's por conta própria, mas ele não consegue quantificar quanto esse dinheiro vale. Fazemos escolhas ruins porque não é a racionalidade nosso principal guia ao tomar decisões.

Emoções valem mais que grana

Imagine que está andando pela rua e encontra uma pessoa com o pneu do carro furado, essa pessoa anda até você e pede ajuda para trocar o pneu. Você ajudaria? É bem provável que a maioria das pessoas sim. Agora imagine a mesma situação, mas ao invés de pedir ajuda, a pessoa te oferece R$ 3,00 para você trocar o pneu. E agora? A maioria diria que não, seguindo seu caminho normalmente.

Curiosamente a conclusão que essa história demonstra é: você prefere realizar o mesmo esforço de graça à receber R$ 3 por isso. Parece meio loucura, mas é assim que interpretamos alguns incentivos. Nesse caso, ajudar a resolver um problema de outra pessoa vale muito mais do que a quantia de dinheiro oferecida. Num gráfico, essa relação “Dinheiro x Sentir-se bem” vai crescendo até o ponto onde a quantia em dinheiro é muito maior, passando a valer a pena.

A forma como projetamos nossos sentimentos também conta quando pagamos por serviços. Um chaveiro em seu inicio de carreira, demorava quase uma hora para trocar uma fechadura. Fazia muita sujeira e o trabalho exigia um enorme esforço. Com o passar do tempo, aquisição de melhores ferramentas e mais experiência, a mesma troca de fechadura passou a demorar só alguns minutos. O preço continuou o mesmo, mas quanto menos tempo ele demorava para trocar a fechadura, menos as pessoas estavam dispostas a pagar, reclamando mais do preço.

Segundo o Professor Dan Ariely:

“É mais fácil para nós pagar por algo que requer um grande esforço, assim como é mais difícil pagar por um especialista que executa um trabalho sem esforço. Pagamos mais pela incompetência.”

Nosso sentido irracional nos transmite a sensação de que seriamos nós, tendo todo aquele trabalho, e isso justifica pagar mais pelo maior esforço. Como nos sentimos em relação à uma atividade, conta diretamente para quanto estamos dispostos pagar ou receber pelo serviço.

Para mais uma aplicação da vida prática, as pesquisas destacam que uma pessoa seria mais feliz ganhando menos em um emprego onde é o funcionário mais bem pago da empresa, que em uma empresa onde ganha mais, porém é a pessoa com menor salário da folha de pagamento.

Não é quanto você ganha, mas como você se sente em relação às outras pessoas.

Gastar nos faz sofrer

Tirar o dinheiro do bolso para pagar algo afeta bastante nossa experiência. Quando estamos nos divertindo num barzinho com amigos e a conta chega, somos atingidos pelo que a economia comportamental chama de dor do pagamento.

Para demonstrar isso, imagine que você está indo comer pizza. Na pizzaria o garçom diz que vai cobrar apenas pelas mordidas que você der. Este pode ser um modelo financeiramente eficiente, você paga apenas pelo que consumiu e no final do dia gastou menos dinheiro. Mas quanto você aproveitou este jantar? Os participantes deste teste passaram a dar mordidas muito maiores, comendo pedaços inteiros de uma só vez, eliminando todo prazer que o ato de comer uma pizza pode oferecer.

É importante entender como a dor do pagamento funciona, para podermos amplificar as sensações e entendermos o que realmente estamos fazendo.

Se queremos que alguém compre mais do nosso produto, podemos criar formas de diminuir a dor do pagamento, como vendas à prazo, “comece a pagar só depois do natal”, que atrasa o ponto onde vamos sentir essa dor. Ou para economizar, podemos amplificar o sofrimento, pagando sempre com dinheiro vivo. A dor do pagamento é muito maior quando vemos o dinheiro ir embora imediatamente, facilitando a correlação do custo de oportunidade.

Num exemplo dos mais curiosos, um trabalho publicado no Jornal Consumer Research sustenta a hipótese de que, cartões de crédito aumentam o consumo de alimento não saudável.

“Alguns alimentos tidos como não saudáveis tendem a estimular respostas impulsivas. A dor de pagar em dinheiro pode inibir o impulso de comprar tais alimentos. Pagamentos no cartão de crédito, em contraste, são menos dolorosos e enfraquecem nosso controle de impulsos. Consequentemente, consumidores estão mais dispostos a comprar comidas não saudáveis quando estão pagando com cartão de crédito, do que quando pagam em dinheiro vivo.”

Uma outra forma de reduzir este sofrimento é pagando adiantado. Quando compramos um pacote de viagens, pagando com alguns meses de antecedência e já viajamos com tudo pago, estamos antecipando a aflição do gasto, mas desvinculamos a dor de gastar uma grande quantia em dinheiro da experiência de curtir uma boa viagem. Agora pense no oposto, viajar e ter de pagar por tudo isso logo em seguida. Ficaríamos tão tensos em desembolsar essa grana que não conseguiríamos curtir os últimos dias.

O professor de economia comportamental, Dan Ariely usou em um curso que fiz, uma dica/exemplo de como lidar com a dor do pagamento numa situação bem corriqueira para nós, a conta do bar com os amigos.

 

Chegou a conta
Chegou a conta

Quando estamos com amigos no bar, tudo está bem tranquilo até hora que em que o garçom chega munido de seu livreto de couro com a conta dentro. Depois disso surge um clima de tensão em relação ao que cada um consumiu, provocando constrangimento e a desconfiança de que o amigo quer te passar para trás.

Neste caso temos três ideias gerais de como proceder com a conta:

1. Cada um paga o que consumiu.

Este é um dos piores métodos, o que mais fere a experiência de ter saído para tomar uma cerveja gelada com os amigos. O ambiente de amizade se transforma num conflito financeiro. Fulano comeu da batata frita, mas não quer pagar, Ciclano não quer pagar os 10%, outro foi embora e deixou dinheiro pela metade. Tudo isso cria um clima ruim, prejudicando o clima de aproveitamento. Podendo até afetar a forma que os amigos se enxergam dentro da relação de amizade.

2. Todos dividem a conta igualmente

Este é o que mais me agrada, mesmo não sendo o mais eficiente em termos emocionais. Todos dividem igualmente a conta inteira, não existindo conflito de interesses e nem discussão de quem consumiu o que, dividindo igualmente entre todos. Quando acaba, uma vez você paga um pouco a mais do que deveria, outra vez o outro sai um pouco no lucro e, na média geral, todos aprendem a ignorar pequenas diferenças e curtir o fato de estarem se divertindo juntos. Este texto do Gitti fala bem sobre o assunto.

3. Cada vez um dos amigos paga a conta toda

Economicamente este é o melhor cenário. Efetivo tanto do ponto de vista emocional quanto financeiro. Numa mesa com 5 amigos, apenas uma das pessoas vai desembolsar a grana, pagando toda a conta. Desse modo, a noite fica bem mais divertida, e todos os amigos vão estar muito mais felizes, porque teoricamente, ganharam a noite, que vai sair de graça pra eles. A pessoa que vai pagar a conta, por sua vez, tem uma diminuição do sofrimento, porque sente que está fazendo um bem à seus amigos. Obviamente cada semana um dos amigos vai pagar toda a conta, e a média de dinheiro gasto acaba sendo a mesma, só que ao final da noite todos estão bem mais satisfeitos.

Estamos muito perdidos

Todos esses exemplos de como fatores que não levamos em consideração afetam nossa experiência e nossas decisões, apontam para um ponto único: não sabemos, na maior parte do tempo, se o que estamos fazendo é melhor ou pior para nós.

De fato, não sabemos ao menos quais são nossas preferências e menos ainda, não sabemos o que queremos.

Para isso, Dan Ariely afirma que:

“Quando não sabemos o que queremos, utilizamos o ambiente para nos guiar.”

Este conceito é apresentado muito bem por Malcom Gladwell na palestra “Sobre Molho de Tomate”, apresentada no TED Talks.

Vídeo original

De forma resumida, Gladwell conta a historia de Howard, um psicofísico famoso por desenvolver produtos. Howard começa uma pesquisa para desenvolver novos sabores de molho de tomate. Na pesquisa inicial com o público, concluíram que estavam todos satisfeitos e não queriam nenhum sabor novo.

Mas quando Howard criou 45 tipos diferentes de combinações de sabores e viajou pelos Estados Unidos, fazendo os consumidores provarem e votarem, o público elegeu um novo favorito. A pesquisa identificou que o público queria na verdade um molho de tomate com pedaços extras, mas que nenhum produto no mercado supria essa necessidade. A produção do produto foi imediata e, nos 10 anos que se seguiram, o molho rendeu um lucro de 600 milhões de dólares.

Faça o teste você mesmo, escreva 5 números num papel, mostre para alguém pedindo a essa pessoa para dizer um número. As pessoas tendem a escolher números contidos na sequência que você mostrou, porque temos dificuldades em considerar escolhas que não nos foram dadas, mesmo não existindo uma regra limitando a escolha apenas aos números da lista.

Devemos ponderar, quando tomamos alguma decisão, quais fatores estão nos levando a essa escolha e não menos importante, as consequências geradas por essa escolha a longo prazo. Somos facilmente enganados pela nossa incapacidade de visualizar a realidade, tomando decisões baseadas em ilusões e sensações que não compreendemos ou controlamos.

Somos bem menos racionais do que achamos.


publicado em 25 de Maio de 2013, 21:10
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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