Querer chegar em Marte é bem melhor do que fazer guerras

A tecnologia bélica foi um dos principais caminhos para criarmos soluções que resolvem problemas do cotidiano das pessoas; no futuro próximo, algo bem mais nobre vai impulsionar a inovação: o desejo de explorar a imensidão do espaço

Chegar em casa a noite com aquela fome e poder esquentar em poucos segundos um prato de lasanha no forno de micro-ondas é parte do nosso cotidiano. Registrar os vários momentos da família por meio de fotos digitais, seja com câmeras seja com os smartphones, também é outro hábito que incorporamos rapidamente. E se você está lendo este texto agora, é porque também está conectado à internet.

O forno micro-ondas, as fotos digitais e a própria internet são resultados de um desenvolvimento tecnológico que foi motivado por um objetivo bélico de conquistar e defender territórios. Além desses três exemplos, temos centenas ou até milhares de exemplos de produtos e serviços que estão disponíveis para a sociedade mas que nasceram a partir da tecnologia militar.

Com a desculpa de defender seus interesses, as grandes nações investem bilhões de dólares no desenvolvimento de tecnologias bélicas que depois são negociadas e acessadas por grandes corporações, que transformam essas tecnologias em produtos de consumo para o uso civil no dia a dia das pessoas. De um lado, poder contar com orçamentos quase que ilimitados para se desenvolver uma nova tecnologia de fato possibilita grandes avanços que nunca iriam acontecer em uma empresa privada, na qual a pressão pelo controle de custos e a cultura voltada para resultados imediatos acaba impedindo este tipo de desenvolvimento.

Porém, é um paradoxo perceber que a motivação por matar e ferir acabou sendo um dos principais caminhos para criarmos soluções que facilitam a vida ou resolvem problemas das pessoas no seu cotidiano.

“Estima-se que até o final da próxima década existirão cerca e 10 mil empresas privadas trabalhando no negócio de se chegar até o espaço.”

Mas, a partir da evolução das tecnologias, a mesma internet criada para o uso militar está possibilitando o surgimento de empresas que oferecendo soluções inovadoras conseguem, num curto espaço de tempo, acumular grandes somas de dinheiro capazes de financiar os mais visionários projetos. E a motivação de alguns desses empreendedores nada tem a ver com guerras, e sim com o desejo de conquistar o espaço e em especial poder chegar até Marte.

De acordo com a consultoria New Space Global, existirão até o final da próxima década cerca de 10 mil empresas privadas trabalhando no negócio de se chegar até o espaço. E no desejo desses visionários encontra-se o conhecimento e a disposição necessários para se conseguir resolver grandes e complexos problemas.

Empresas como a Blue Origin de Jeff Bezos, fundador da Amazon, a SpaceX, do visionário Elon Musk, a Vulcan Space, de Paul Allen da Microsoft, a Virgin Galactic de Richard Branson e a recente aquisição da SkyBox pelos fundadores da Google, Larry Page e Sergey Brin, são alguns dos principais exemplos da atualidade.

O segmento cresce tanto que no Vale do Silício já surgiu a Silicon Valley Space Center, uma empresa que tem por objetivo suportar as startups tecnológicas voltadas para o mercado espacial. E países como China, índia, Inglaterra, Austrália, dentre outros, também já despontam com empresas e startups disputando o mercado espacial em seus vários segmentos. Um mercado que cresce a ponto de já cunhar um novo termo no mundo empresarial: os astropreneurs.

“Astropeneurs é o nome dado aos empreendedores que exploram o mercado espacial.”

Desta forma, muitos dos mais brilhantes estudantes que hoje estão nas melhores universidades do mundo terão várias oportunidades para desenvolver suas aptidões e sonhos empreendedores, sem precisar depender somente das agências espaciais governamentais ou das empresas que fazem parte da indústria bélica.

Para cumprir seus objetivos de negócios, essas empresas espaciais enfrentam o desafio de resolver problemas em áreas como energia renovável, baterias de longa duração, transmissão de grandes volumes de dados, uso da inteligência artificial para o transporte autônomo, formas alternativas para se produzir alimentos, água e oxigênio, soluções para proteção contra a radiação solar, materiais flexíveis e ultra resistentes, soluções para a manutenção da saúde em longos períodos no espaço, entre outros.

“São soluções que depois voltarão para o mercado tradicional na forma de produtos e serviços inovadores que poderão ser vendidos em larga escala.”

São problemas que, quando forem resolvidos, irão retornar para a sociedade de consumo na forma de soluções que irão contribuir para resolver desde desafios simples do cotidiano até até grandes problemas da humanidade. E muitas dessas soluções inovadoras irão contra o establishment do mercado tradicional, criando novas demandas ao atender as necessidades das pessoas de formas nunca antes pensadas.

“Aqui no Brasil identificamos menos de dez empresas e startups relacionadas ao mercado espacial.”

Aqui no Brasil os astropreneurs ainda são raridade, mas já é possível identificar algumas iniciativas, em especial no aquecido mercado mundial de satélites de comunicação. É um mercado que não para de crescer devido à grande demanda de comunicação e transmissão de dados.

Entre as poucas empresas brasileiras que estão atuando do setor espacial, temos a PION LABS, que é uma startup criada por engenheiros espaciais formados pela Universidade Federal do ABC (UFABC), que chega no mercado com o plano de oferecer um motor-foguete híbrido para vôos suborbitais. O seu plano de negócios, conforme divulgado, prevê o primeiro voo em 2025. Outra empresa, com um tempo de mercado maior, é a Airvantis, que tem como um dos sócios o engenheiro espacial Lucas Fonseca, formado na Escola de Engenharia de São Carlos da USP, trabalhou na Agência Espacial Europeia e participou da missão Rosetta, que teve como objetivo pousar uma sonda no cometa 67P.

A Airvantis, em parceria com diversos cientistas de instituições como INPE, ITA, USP, LNLS, Instituto Mauá de Tecnologia e PUC-RS, tem como principal objetivo o desenvolvimento do projeto Garatéa, que quer executar a primeira missão lunar do Brasil. E fechando a pequena órbita do mercado espacial brasileiro também identificamos outras empresas que prestam serviços ou atuam no segmento de educação espacial como Acrux, Zenite Aerospace e Lunus Aeroespacial.

“O Brasil tem uma das melhores posições geográficas do mundo para o lançamento de foguetes.”

Também vale destacar que aqui no Brasil temos uma das melhores posições geográficas do mundo para o lançamento de foguetes, localizada na cidade de Alcântara no Maranhão e que está praticamente parada desde o grande acidente de 2003. Uma grande oportunidade que ainda não estamos conseguindo explorar.

Enquanto o Brasil engatinha na corrida espacial, empresas americanas como a SpaceX já estão “banalizando” o lançamento de foguetes para o espaço, com seus live streamings quase que quinzenais. Na Índia, o desejo pelo espaço é tamanho que o país lançou recentemente uma nova nota de 2 mil rúpias (cerca de R$ 100), na qual a estampa é da famosa sonda Mangalyann, cujo nome oficial é MOM (Mars Orbiter Mission). E até a Nova Zelândia, com a novata Rocket Labs USA, também já mostrou para o que veio e realizou no último mês de maio o seu primeiro lançamento de sucesso. Assista ao vídeo aqui.

Como vemos, os principais exemplos na corrida espacial atual estão vindo da iniciativa privada, de empresas criadas por novos empreendedores, na sua grande maioria oriundos do mercado de tecnologia. Por isso, aqui no Brasil, é importante que os estudantes e empreendedores interessados em explorar o mercado espacial estudem os diversos segmentos de atuação e não foquem apenas no segmento de lançamentos de foguetes. Como é um mercado em rápida evolução, no qual a redução dos custos é um grande diferencial, é possível termos aqui no Brasil startups que atendam necessidades específicas e possam fazer parte do grupo de fornecedores de empresas espaciais que estão mais consolidadas.

É uma forma dos empreendedores e visionários brasileiros participarem deste mercado e, quem sabe, ajudar a acelerar a posição do Brasil na corrida espacial, sem precisarmos depender somente das iniciativas governamentais.

“Existem diversos segmentos potenciais, dentro do mercado espacial, que crescem a cada dia e oferecem oportunidades para a criação de novas startups.”

Sabemos que os 3 principais setores do mercado espacial são a fabricação de satélites, a fabricação de equipamentos de suporte e a indústria de lançamentos. Porém, existem diversos segmentos potenciais que crescem a cada dia e oferecem oportunidades para a criação de novas startups como:

  • Soluções em comunicação
  • Soluções para transporte autônomo
  • Produção de alimentos no espaço
  • Abastecimento de água
  • Roupas espaciais
  • Proteção solar
  • Materiais flexíveis e resistentes
  • Fontes de energias alternativas e renováveis
  • Baterias de longa duração
  • Educação espacial
  • Núcleos de estudos e pesquisas do comportamento humano no espaço
  • Serviços de engenharia de software
  • Soluções para mineração em asteroides
  • Soluções em AR e VR para apoio em pesquisas
  • Técnicas de medicina a distância

Robótica espacial. Pode ser inocência pensarmos que muitas destas empresas espaciais não irão participar de projetos em parceria com a indústria bélica, mas é muito bom imaginar que caminhamos para um futuro com múltiplas opções e que a conquista do espaço poderá se tornar a grande motivação para os empreendedores investirem seus talentos e dinheiro na busca de soluções que ajudem e evoluam a humanidade.

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Nota da Edição: Este texto é fruto da parceria de conteúdo entre o PapodeHomem e a Endeavor Brasil.

Desde julho, estamos republicando quinzenalmente às terças-feiras artigos sobre trabalho e negócios que interessem ao nosso público com a assinatura do portal com mais autoridades no assunto no país. O artigo de hoje é de autoria de Hamilton Mattos e pode ser lido originalmente aqui.


publicado em 19 de Setembro de 2017, 00:00
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Hamilton Mattos

Na Hagua é responsável pela diretoria de atendimento e planejamento, onde liderou e realizou trabalhos para empresas como Mondelez, Natura, Kimberly-Clark, Grupo Viasul, Danone, Whirlpool, Grupo Salinas, entre outras. Em 2013 foi eleito Profissional de Marketing Promocional pelo Colunistas N/NE. Institucionalmente, atuou durante 06 anos como vice-presidente e presidente do Comitê de Marketing da Amcham-PE.


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