Rede: um jeito de ajudar a si mesmo e aos outros

No meio dos problemas a gente não vê, mas em geral, falta rede

A coisa que mais me impulsionou e me fez crescer (e a tantos outros amigos) nos últimos anos é poder receber e acompanhar o monte de gente que se aproxima através do lugar, do CEBB, do CEB e de outras redes assim.

Nas muitas conversas que surgem aí, o que mais tenho ouvido é as pessoas contando como estão complicadas na vida porque elas não têm rede.

Claro, elas não dizem isso. O que dizem é que se sentem sozinhas, não têm amizades legais, não têm onde ir, não têm parceiros, não têm o que fazer nas horas vagas (ou nem têm horas vagas), não gostam do emprego, querem fazer outra coisas e não sabem o que, não têm dinheiro, estão deprimidas, ansiosas, entediadas, estão viciadas em algo, esperam achar a alma gêmea… (Bem comumente as pessoas descobrem isso quando terminam uma relação.)

Mas a questão mesmo é que elas não têm rede, é que não ouvem e não se fazem ouvir, não têm lugares e momentos propícios para isso. Talvez não vejam nem motivo — “Ah, mas se não for pra ir no barzinho, no churras ou no cinema, eu vou chamar alguém pra quê, mesmo?”.

Segunda turma do curso "Rede", realizado em março de 2015, em Joinville. Fotografia da Manuela Bertol.

Agora, escutar e se fazer ouvir são coisas que não sabemos fazer direito. A gente acha que sabe, pode até concordar, dar like e achar que é bom, mas a gente não sabe. É uma coisa para se aprender, e achar que sabe é um obstáculo para começar a aprender.

“Se fazer ouvir” é diferente de “falar”, porque nós já falamos o tempo todo. E ninguém ouve porque o que falamos não é mesmo muito interessante. E a culpa nem é do outro, é nossa, é de cada um que colabora com seu balde diário para o mar de conversa furada.

É preciso falar de um jeito que toque o outro, que faça sentido no seu mundo, mesmo quando pedimos ajuda.

É nossa responsabilidade também quando não sabemos ouvir, mesmo quando outro fala bobagem. O conteúdo que importa está sempre lá, ainda que codificado na bobagem. Grande parte dos pedidos de socorro são feitos assim, aliás, com cara de bobagem.

Quando começo a escutar os outros, aumentam as chances de que eu me interesse pela vida dos outros (igual dar margem para acontecer um acidente), de aparecer empatia, de que alguém me peça apoio, me deixe sem ter como fingir que não é comigo. Ora, sempre é comigo. É só que eu acho que não é ou finjo que não é.

De vez em quando, conto para alguém o problema que ouvi de outro:

“Poxa, tem uma pessoa que está assim, assado…”

E o que mais ouço é:

“Foda, alguém tinha que ajudar esse cara aí…”
“Vixe, ela precisava de terapia…”

Mas quando você sabe que alguém precisa de ajuda, só isso já o faz responsável — a responsabilidade é sempre de quem sabe. A resposta certa seria:

“Caramba, o que daria pra fazer?”

Achar que não é assunto da gente é igual aparecer em nossa casa alguém com Ebola e falarmos: “Alguém tinha que ajudar esse cara aí…”. O adoecimento de um é o sinal de que tem uma coisa para ser arrumada na cultura toda, no próprio ar, é sinal de que tem um perigo rondando.

“Ah, mas…”

“Ah, mas quem é bonzinho só se fode…”

Ajudar não é ser bonzinho, é compreender as circunstâncias com clareza e mitigar, propiciar, incrementar, provocar, romper, fazer o que for necessário ou possível para que tudo se destrave e ande melhor. Ser bonzinho é provavelmente a coisa menos inteligente a ser feita.

“Ah, mas eu não tenho tempo de cuidar nem de mim...”
"Ah, mas cada um é responsável pela sua vida..."

Cuidar do outro é o próprio jeito de cuidar de si, ajudar o outro já é ajudar a si mesmo. E isso é igual nadar, não tem jeito de aprender (e se convencer de que funciona) a não ser entrando na água.

“Ah, mas às vezes o cara quer ajudar e complica ainda mais…”
“Ah, mas o outro também não se ajuda…”
“Ah, mas depois dá errado e o outro diz que é minha culpa…”

O problema não é nada disso. O problema é que não temos ímpeto suficiente para ajudar.

Veja, ninguém desanima de namorar ao pensar nas mil coisas que podem sair errado. O ímpeto existe, aí a pessoa dá qualquer jeito de fazer o namoro funcionar. Quando há ímpeto, queremos saber como beneficiar, queremos de fato descobrir isso, estudar, destrinchar, experimentar.

E aí descobrimos pela experiência que nós mesmos também temos de melhorar, que precisamos de equilíbrio emocional, acuidade cognitiva, compaixão, referenciais vivos, que precisamos de constância, continuidade, de métodos, de meios hábeis etc... Um caminho inteiro começa a se desenrolar.

E para ter ímpeto, temos que nos dispor a escutar, dar margem para o acidente, começa assim. E é super simples, nada heróico, messiânico, épico. É simples como chamar para um café, para um Skype, para sentar 20 minutos em silêncio a cada semana, para conversar de coração da forma que for.

E com o tempo isso impacta tudo: a visão de mundo, a alimentação, as prioridades, o sustento financeiro, o trabalho, os hábitos, o bem estar mental, o corpo, as relações, o que estamos fazendo de nós... Tudo, a seu tempo e passo, vai mudando.

Encontro no Rio de Janeiro, nos dias 14 e 14/11 (ainda há vagas!)

Além de achar bom e aspirar que estas coisas aconteçam, é preciso fazer a decisão e iniciar por algum lugar.

Vamos nos encontrar para começar essa conversa, para explicitar essas dinâmicas como uma prática que pode ser aprendida, aprofundada e continuada pela vida inteira.

Este encontro é um convite para começarmos redes e para nutrir as que já estão acontecendo. Veja aqui como se inscrever e participar →

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Para quem está cansado de apenas ler, entender e compartilhar sabedorias que não sabemos como praticar, criamos o lugar: um espaço online para pessoas dispostas a fazer o trabalho (diário, paciente e às vezes sujo) da transformação.

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publicado em 22 de Outubro de 2015, 14:51
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Fábio Rodrigues

Artista visual, coordenador na comunidade online o lugar, professor do programa Cultivating Emotional Balance, pai do Pedro. Instagram → | Arte e mundo interno →


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