Sexo, botões e bluetooth: pra onde nossas relações estão indo?

O Botão do Sexo é a mais nova invenção que está nos colocando pra pensar sobre como as nossas interações sexuais se dão.

Segundo Luciano Floridi, um filósofo da contemporaneidade, cada dia faz menos sentido usar as palavras Online e Offline, a conexão já está tão misturada com a vida cotidiana que Floridi diz que vivemos Onlife. Se a vida está cada dia mais conectada a aparelhos e se sexo faz parte da vida, faz sentido que o sexo também seja sendo permeado por novas tecnologias.

Para aprimorar os sextoys, nascem as Sextech: tecnologias do sexo. Não precisa pensar nem em invenções mirabolantes, o Tinder, o Grindr e até o Whatsapp são tecnologias do sexo, afinal, estes aplicativos mudam a forma como as pessoas se relacionam e suas as estratégias de conquista. Muda-se até as preliminares, afinal, duas nudes e umas palavras safadas antes do encontro fazem parte da sedução.

Essa semana, uma nova invenção me chamou atenção: O Botão do Sexo - LoveSync Button.

O grande fantasma da rejeição

Alguns empreendedores lançaram essa ideia: Criar dois botões, um para cada lado da cama. Quando um parceiro quer sexo, ele aperta o botão do lado dele e nada acontece, só se a outra pessoa também tiver apertado o botão, os dois vibram e piscam indicando o match da vontade.

No site de financiamento coletivo dos botões, a publicidade é essa: “Você está apaixonado, mas não é sempre que você sabe se seu parceiro está no clima de romance… aí às vezes você é rejeitado. E então você pára de tentar. Tem vezes, que você até estaria afim, mas você deixa passar porque você não está motivado para tomar a iniciativa. Com o LoveSync não há rejeição, nem culpa, nem perda de oportunidades.”

De certa forma é o botão do “quero, mas quero evitar a fadiga” e, sobretudo, o botão do “quero, mas não quero correr o risco de ser rejeitado”. Se o botão fosse uma bobeira completa, não haveria milhares de interessados contribuindo para que o projeto saia do papel, o valor arrecadado, inclusive, supera em muito a meta inicial.

Sem demonizar o botão, vale questionar o que essa invenção e o que o investimento sobre ela pode nos dizer sobre nós mesmos e sobre o tempo em que vivemos.

Eis o LoveSync

A Era da Informação, ao contrário do que os mais apocalípticos diriam, não criou um mundo de pessoas isoladas. A conectividade abriu possibilidades de encontros entre gente: esquentou movimentos sociais, juntou pessoas ao redor de um interesse mas, também, acabou criando uma necessidade de respostas fáceis e imediatas. O botão do sexo é isso: uma resposta fácil e imediata - poupa o trabalho da pergunta, evita o desgaste da resposta negativa. A grosso modo, o Tinder também faz isso.

Acontece que o botão, ao contrário do Tinder, está dentro do quarto de um casal que vive junto e, portanto, eu suponho que seja íntimo e que se goste. Nesse caso, o que usar o botão diz sobre nós?

Quando vivemos com alguém com quem não nos sentimos à vontade para fazer um carinho de provocação, o que isso diz sobre este relacionamento?

Diz que há algo de errado.

E tudo bem. Uma relação não precisa estar incrível o tempo todo.

Para Fred Matos, o psicólogo mais querido do PdH, o botão representa “um esforço genuíno das pessoas se conectarem e facilitarem algumas engrenagens sociais que às vezes podem ser difíceis em um mundo mais complexo, mais imprevisível, mais instável e onde as relações humanas tem se tornado mais frágeis, no sentido em que as pessoas têm altas expectativas sobre tudo e baixa tolerância a frustrações, em especial na vida íntima.

No entanto, ele representa também uma fragilidade das relações e pode ter um outro lado problemático. Na medida em que ele tenta facilitar um processo que pode estar enferrujado num relacionamento, ele também pode fazer com que o casal se esconda atrás de um mecanismo”.

Em situações desconfortáveis, tenta-se achar pontos de conforto. O botão pode proporcionar isso, pode ser um analgésico, algo que aplaque a dor temporariamente, ou que permita que o casal rompa o ciclo de desgaste trazendo algo novo para a relação. No entanto, é preciso olhar para além disso. Porque se busca este mecanismo?

O que ele deveria resolver?

Um atalho para... mais rejeição?

O medo da rejeição ainda pode ser transferido para o botão, afinal, apertá-lo e não obter resposta também pode desencadear o mesmo sentimento de não ser correspondido. “Parece que quando o casal chega nesse ponto, de recorrer ao botão, é porque que eles já estejam em uma competição negativa. Eles estão se nivelando por baixo na dinâmica do desejo, então, quem pede menos acaba se sentindo superior, porque outro está precisando mais dele”.

Se a intenção do casal é reavivar certa intimidade, Fred ressalta que “ A sexualidade é uma das formas que o casal pode viver a intimidade, não a única e por estranho que pareça não necessariamente a melhor. Uma boa noite de conversas, assistir seriados juntos, passear, tudo isso pode ser tão prazeroso quanto o sexo”.

De fato, a falta de tempo e a indisponibilidade de horários pode atrapalhar a vida do casal. Mas é preciso olhar cuidadosamente para a raiz do problema e entender que certos atalhos não resolvem.

Que as relações são podem ser terceirizadas e automatizadas. Em alguns períodos da vida a correria vai impedir alguns encontros desejados, mas os casais precisam trabalhar em conjunto para criar momentos de desejo, compartilhamento e, inclusive, de descanso. “As alternativas para esse casal seria ter diálogos, ter momentos em que eles reservassem para eles enquanto casal, que eles não se escondessem na rotina do cotidiano”, segundo Fred.

"Ok, tia chata, saber disso não muda nada. O que eu faço?"

Longe de mim me tornar aquele tio ranzinza que olha para esse monte de coisa nova conectável via bluetooth e pensa que é o fim, que os jovens não sabem transar e ficam inventando coisas porque não conseguem mais se relacionar com pessoas e que “na minha época é que era bom”… As coisas mudam e mudar faz parte, não é necessariamente bom nem ruim.

Natali Gutierres, proprietária do sex shop online do canal do YouTube Dona Coelha, está no mercado de vendas de sex toy desde 2011 e conta que o número de vendas de produtos para serem usados em conjunto cresceu bastante. “Antes, eu posso dizer assim, que as vendas eram 99% direcionadas para mulheres que procuravam um vibrador, hoje aumentou muito o número de homens que buscam acessórios para usar em conjunto”.

Para Natali, o mercado tem criado produtos mais pensados para serem usados a dois e, ao mesmo tempo, ela acredita que os homens têm estado mais abertos a usarem uma sextech para explorar sua sexualidade junto de parceiras, parceiros e inclusive sozinhos. Pensando em tecnologias a serem compartilhadas, Natalis recomenda os vibradores em formato de U. Esses estimuladores que podem ser usados sozinhos (para masturbação feminina ou masculina) mas que também podem ser acoplados ao pênis e à vagina e usados durante o ato sexual de diversas maneiras.

Diversos apps trazem essa ideia de apimentar a relação de maneira mais indireta. Uns sugerem desafios e posições, o dadinho virtual sorteia práticas novas a serem tentadas e por aí vai. Outro Sextech interessante, e quase no mesmo sentido do botão é o app Kindu, em que cada um dos parceiros dá like em práticas sexuais que gostaria de fazer e vê o match das quais o companheiro também gostaria. Numa brincadeira, o casal pode descobrir que ambos tem vontade fazem um swing, e, a partir dessa ideia jogada pelo app, desenvolver todo um processo em conjunto - o que já é erótico - de dialogar sobre, de entender a fantasia do outro, de negociar os limites, de encontrar outro casal e por aí segue. Os dispositivos tecnológicos também tem ajudado casais em relacionamento a distância: vibradores e flashlights podem ser controlados pelo celular do outro parceiros.

As techs podem ser de grande valor quando elas servem para acrescentar experiências novas à nossa vida sexual. Pornô no óculos de realidade virtual + estimuladores de alta tecnologia podem criar uma masturbação maravilhosa, assim como usar uma boneca sexual hiper realista pode ser um fetiche interessante, mas é sempre importante dizer: nenhuma destas duas experiências deve substituir o contato humano.

Da mesma maneira, o Botão do Sexo pode facilitar a relação uma vez ou outra, criando um clima interessante, no entanto, não deve substituir a iniciativa cara a cara e, principalmente, o diálogo.

Nas palavras de Fred, “As tecnologia são interessantes enquanto ponte para criar um clima.” No entanto, “Pode ser um problema se ela deixa você atrofiado na sua habilidade de procurar a outra pessoa sexualmente, porque aí vira uma coisa mecânica e utilitarista e acho que é esse o cuidado que as pessoas devem ter.”


publicado em 15 de Março de 2019, 00:00
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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