Foi bom pra você?

A pergunta que não quer calar pode encher a bola de muito convencido, mas, se for feita com desapego, abre as portas pra um mundo de prazeres reais

Um “Foi bom pra você?” proferido depois do sexo é um clichê que vive no limiar entre o rídiculo e o moderninho. É a intenção com a qual jargão trash é trazido a tona que poderá transformá-lo tanto em uma expressão brega e repulsiva, quanto em uma pergunta positiva e preocupada.

De um lado estão os que, convencidos de que suas habilidades são indiscutíveis, repetem a frase sem esperar qualquer resposta diferente do “sim”. Nesse caso, o “Foi bom pra você?” não é só egocêntrico e desconfortante, como também inútil, porque diante da falta de abertura para uma resposta sincera, quem não gostou se dará ao trabalho de dissimular um “foi” educado e de nunca mais recorrer aos serviços de tal sujeito.

Do outro lado estão os que, desacreditados da transcendência mística da própria piroca e cientes da imperfeição da transa, decidem consultar pra saber mais sobre as preferências e aversões do outro. São os que querem atender bem para atender sempre.

Mas mesmo os que realmente dão abertura para ouvir um feedback sincero, podem acabar recebendo o mesmo “sim” educado e fingido. Acontece que a situação do pós sexo pode não ser o momento apropriado para uma conversa delicada. Quando se começa a falar sobre preferencias e insatisfações, vêm à tona inseguranças e temas que muita gente tenta evitar pra não quebrar o clima.

A pergunta, em essência, é ótima, mas o modo como costuma ser usada não é bom o suficiente – na maioria das vezes, a exemplo do sexo que a antecede. Ela pressupõe uma resposta simples demais: sim ou não. Mas e as variantes entre as duas pontas?

Além disso, o bom se tornou uma expressão conformista. É o famoso “Bom, bom não tá, mas tá bom…”. A pessoa pode ter gostado de várias partes, mas umas manobras mal realizadas cortaram o orgasmo. Ela pode até ter achado bom esperando, ou querendo, que fosse melhor.

É preciso perceber que o “Foi bom pra você?” altruísta é uma expressão necessária e corajosa. Muito mais fácil para quem pergunta seria calar na paz do próprio gozo e ignorar o que ecoa na cabeça do parceiro, conformando-se com o benefício da dúvida e se resguardando de uma possível resposta frustrante. Aliás, diante da realidade em que a maioria dos homens clamam – e reclamam – não saber identificar os sinais físicos e concretos de um orgasmo feminino verdadeiro, o feedback é uma necessidade para o bem de ambos os sexos e do sexo de ambos.

O “Foi bom pra você?” é o tipo pergunta que surge na ponta da língua de alguém que quer saber a opinião do parceiro, mas não sabe exatamente como começar a abordagem. Deixar a conversa para um momento mais confortável, fazendo perguntas pessoais e específicas, sem colocar pressão sobre as resposta, faz com que as pessoas se conheçam melhor sexualmente, e pessoalmente também.

Esse tipo de diálogo quebra com a lógica enferrujada de mentiras e falsos orgasmos que se repetem pra agradar o outro e abre espaço para a valorização e descobrimento de prazeres reais.


publicado em 10 de Maio de 2016, 15:56
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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