Sobre a arte de viver

Na semana passada nos reunimos na sala do lugar para o primeiro encontro do grupo de estudos Sobre a arte de viver.

Uma ideia antiga: usar o espaço da recém-inaugurada sala do lugar para conversas abertas entre gente que não é necessariamente amiga, conhecida, parente... Abrir a casa do Papo para bons encontros. Estamos em mais de ​60 inscritos para as noites do grupo de estudos, entre gente de outros estados que se cadastrou para acompanhar o processo (e, quem sabe, repetir em suas cidades), gente que que quer ir em todas as noites e gente que vai aparecer em um ou outro encontro. Estamos de portas abertas.

O primeiro livro escolhido foi Sobre a arte de viver, do incrível Roman Krznaric, um dos fundadores da The School Of Life e uma pessoa muito acessível. O livro foca em temas que, por si só, geram boas conversas: amor, família, empatia, tempo, dinheiro, trabalho, morte, criatividade... Descrevendo como outros tempos e outras culturas entenderam cada um destes pontos, nos mostra como nosso mundo agora não é sólido, rígido, inflexível: fica óbvio que estamos construindo o presente e que dá para incorporar sabedorias no nosso cotidiano.

"Creio que o futuro da arte de viver pode ser encontrado na contemplação do passado. Se pesquisarmos a maneira como as pessoas viveram em outras épocas e culturas, poderemos extrair lições para os desafios e oportunidades da vida cotidiana." —Roman Krznaric

Neste primeiro encontro estávamos em 20 pessoas na sala do lugar. Como a maioria ainda não tinha lido o livro, começamos com citações resumindo a ideia do autor sobre os capítulos “Amor” e “Família” e logo surgiram muitas boas conversas. Gente abrindo a vida, compartilhando ideias, acontecimentos. Surgiram recomendações de filmes e de textos e a gente quer isso mesmo: usar a arte e a cultura para apoiar nossos percursos, instigar nossa curiosidade, ampliar o horizonte. Para que a gente enfim olhe para dentro.

Como escapar do amor romântico cultivando seis tipos de amor?

Falamos sobre os seis tipos de amor que os gregos cultivavam: eros, ludus, pragma, agape, philia, philautia. Ao olhar para a riqueza de cada um deles fica claro como nossa cultura deposita todas suas fichas no amor romântico, quando talvez fosse mais saudável olhar mais para estes outros tipos: cultivando amizade, ludicidade no dia a dia, parceria, amor genuíno, autocompaixão...

Mostramos um trecho de um episódio de Louie (o sexto da quarta temporada) em que ele mostra numa cena a frustração do amor romântico e como estamos completamente dependentes destes fatores externos. E para quem quer ver a angústia que pode gerar a decepção com este amor idealizado, sugerimos o filme Blue Valentine, ironicamente traduzido como Namorados Para Sempre.

por André Dahmer
por André Dahmer

"Assim como é comum trocar um telefone celular ou até um carro quando surge um novo modelo, podemos ter uma tendência semelhante a trocar de amante se vemos outro melhor em oferta — alguém que preencha o maior número de requisitos necessário. Existe o perigo, afirmam alguns psicólogos, de tentarmos maximizar a qualidade de nossas aquisições românticas, em vez de aceitar imperfeições, e de terminarmos tratando nossos companheiros quase como bens materiais que podemos descartar à vontade." Roman Krznaric

No meio da conversa sobre agape, aquele amor altruísta, surgiu uma história boa. Imagine você num supermercado, depois de uma faxina enorme no armário de casa. Você vê uma mulher comprando cabides (os mesmos que você quer dispensar!). Ela não precisa comprar, você pode dar seus cabides pra ela. Mas como introduzir o assunto? Por que é tão difícil?

Supermercado, metrô, elevador, aeroporto. Lugares de passagem, não-lugar​es: ​onde não se é visto e ninguém tem identidade. Estamos numa cidade cheia de não-lugares. Repleta de desconhecidos que se esbarram como se a gente não fosse gente. A participante que contou a história conseguiu dar os cabides para a desconhecida. Mas foi uma situação incômoda para ambas. Por que não conseguimos nos olhar de verdade?

Uma mulher no metrô furou minha fila para entrar no vagão lotado. Odiei ela. Com os olhos vidrados no celular, vi que ela escrevia uma mensagem: “Oiiii, amor!!!!”. Fiquei chocada: ela é gente também. A mesma pessoa que me empurra no metrô chama outro alguém de amor. Ela só ainda não me enxergou.

Se você quiser testar sua abertura e quebrar automatismos pode começar pagando o pedágio do carro de trás na estrada (como o exemplo que Roman dá no livro) ou distribuindo bombons no metrô, como o Gustavo descreveu há um bom tempo.​ No lugar, temos uma prática que toca neste ponto: “Presentear uma pessoa desconhecida”.

Para enxergar e amar desconhecidos, não perca este sermão que Miranda July deu na The School of Life de Londres sobre estranhos. O vídeo não está legendado, mas você pode acompanhar mais do trabalho dela por aqui (ela tem filmes e livros traduzidos e imperdíveis). Bons jeitos de cultivar outros tipos de amor.

Link Vimeo

Por que é tão difícil conversar em família?

Sobre a família, vale a pena olhar a história que Roman traça sobr​e o dono de casa. Esta visão da mulher como dona de casa, que nossos antepassados recentes viveram e do qual estamos tentando nos libertar, é também muito recente. Antes da revolução industrial homens e mulheres dividiam muito bem as tarefas domésticas. Hoje o tempo da mulher ainda vale menos e nossas responsabilidades são maiores. Quem é mulher e casou ou teve filhos já deve ter desejado se enfiar num buraco quando a família insiste no bordão: “Mas ele te ajuda?”. Ainda a mulher é vista como a dona do lar, da limpeza, da organização.

Depois, uma breve história da refeição em família e o mito de que antigamente elas eram melhores. Já passamos pelas barreiras históricas da segregação (já que nem sempre comemos juntos), do silêncio (pois em muitas culturas não se conversava ao comer) e da repressão emocional (com a conversa liderada pelo homem da casa). Mas ainda é muito difícil.

O filme Álbum de Família, baseado numa peça de teatro, ilustra muito bem as confusões familiares e a complexidade das relações. Na mesa, na hora do almoço, um retrato das nossas famílias atuais muito bem colocado. Vale a pena ver.

Outra história que surgiu: “Meu filho vai ser médico”, diz a mãe. A amiga responde: “Ele vai ser corcunda, com tanta expectativa que você coloca nas costas dele”. Quantas expectativas não são colocadas no outro em família? Quantas vezes congelamos alguém numa posição? Não reconhecemos a mulher além da mãe, a pessoa livre além do marido… Muitas vezes nos estigmatizamos em família, a vida privada toma proporções perversas.

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Surgiu a recomendação do filme Eu, mamãe e os meninos. Ainda não vi, mas estou curiosa, parece que fala justamente disso. O livro nos dá ideias de como melhorar a conversa em família

Aqui está a​ apresentação ​que fizemos para o primeiro encontro, com trechos ​dos capítulos “Amor” e “Família”.​ Se você quiser chamar algumas pessoas e usar o livro para abrir vidas, depois conte para nós como foi.

Como cultivar empatia para expandir nossos horizontes?

Seguimos com o grupo de estudos todas as quartas-feiras até dezembro. Hoje vamos conversar sobre o capítulo “Empatia” e você pode participar mesmo sem ter lido o livro. Se você está em São Paulo, pode aparecer no lugar hoje (todas as informações estão aqui). E para quem está em outras cidades e participa do lugar, abrimos uma conversa sobre o livro lá no fórum.

Quer colocar isso em prática?

Para quem está cansado de apenas ler, entender e compartilhar sabedorias que não sabemos como praticar, criamos o lugar: um espaço online para pessoas dispostas a fazer o trabalho (diário, paciente e às vezes sujo) da transformação.

veja como entrar e participar →


publicado em 22 de Outubro de 2014, 14:41
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Isabella Ianelli

Pedagoga interessada em arte e educação. Escreve no blog Isabellices e responde por @isabellaianelli no Twitter.


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