Um feriado de Páscoa

Meio dia ensolarado. As ruas desertas, devido ao feriado de páscoa.

Estou parado no ponto quando chega um rapaz novo, magro, bermuda e camisa pólo, carregando uma criança, quase dormindo em seu braço direito e uma sacola de mercado cheia de ovos de páscoa na mão esquerda. Ele me pergunta quanto dá uma corrida pra uma vila do outro lado da cidade. Corrida longa.

Chuto uns cem, cento e vinte reais. Ele aceita sem reclamar, senta no banco de trás, põe a filha deitada com a cabeça no colo, ajeita a sacola no chão e começamos a conversar sobre o tempo bom.

Pergunto se faz sempre essa corrida e ele explica que não. A filha havia passado a páscoa na casa da avó, com os primos e estava pegando o táxi porque havia batido o carro na semana passada. Conta sobre o ocorrido e fico surpreso, pois era idêntica à batida que eu havia sofrido há uns anos atrás.

Entramos na BR.

Conto sobre meu acidente e como fiquei três dias inconsciente no hospital, por causa do ferimento grave na cabeça. Ele acena positivamente (vejo pelo retrovisor) e diz:

— Sei como é, já passei cinco dias inconsciente no hospital.

Pergunto se também foi por acidente de carro. Ele acena que não.

— Foi tiro.

Fico impressionado e pergunto se foi tiro na cabeça, pra ter ficado tanto tempo desacordado. Ele ajeita a filha que está dormindo um pouco pra frente no colo, levanta a camisa polo e me mostra o peito cheio de cicatrizes de cirurgias e marcas de bala:

—  Cinco tiros.

Pergunto se ele era policial. Ele fala um código, acredito que de algum tipo de ocorrência, e completa:

— Troca de tiro com polícia.

Conta que roubavam caixas eletrônicos, ele e mais dois colegas. Uma noite, durante um roubo, duas viaturas apareceram.

—  Cercaram a gente do nada. Aquilo era armado, com certeza.

Os dois amigos morreram, e ele foi baleado enquanto fugia.

— Cheguei a entrar no carro, mas eles já tinham me acertado e continuaram atirando, aí lembro da vista escurecendo e mais nada.

Procuro manter a conversa com perguntas, pra não cair em algum tipo de silêncio julgador. Pergunto se ele havia parado:

— Com caixa eletrônico, sim.

Fico sem saber o que perguntar. Ficamos calados e começo a pensar que ele não vai me assaltar, mas que talvez vá tentar me coagir pra não pagar a corrida.

Ele quebra o silêncio:

— Pode ficar tranquilo que assaltar taxista pra mim não faz sentido. Quanto você tem aí, uns 300, 500 reais? Meu advogado cobra mil só pra me ver na cadeia, então não faz sentido.

Concordo com a lógica e ele continua:

— Estou montando um negócio, mas ainda faço uns postos às vezes. Veja: sabemos o dia em que o caixa vai estar cheio, os funcionários não reagem e dá pra tirar uns 30mil pra cada. Se der merda, sem dar tiro, são uns meses preso e uma grana pro advogado, então vale a pena. Pode pegar a saída pra marginal.

Chegamos à vila. Casa simples, com um carro batido na garagem. A esposa está na frente, segurando uma vassoura. Parecia ter interrompido a faxina pra conversar com a vizinha. Ela me diz boa tarde e vem tirar a filha de dentro do carro, que ainda dormia.

— Deve ter corrido a noite inteira! – comenta com a menina no colo, e a vizinha dá risada.

O rapaz paga os 108 reais da corrida com notas de 20. Agradece, pega a vassoura encostada no muro e entra com a mulher, a filha e uma sacola cheia de ovos de páscoa pra um resto de feriado ensolarado.


publicado em 20 de Abril de 2014, 10:17
File

Taxista

Conto histórias que acontecem.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura