Vida de Solteiro | A prisão do papel de pegador

Não é só porque você tá solteiro que você tem obrigação de sair pegando geral sem se apegar

Deixa a gente se apresentar: nós somos o André Lage e a Carol Tilkian.  Há um ano estamos discutindo as dores e as delícias da solteirice em tempos de likes no nosso canal Soltos SA

No mundo de hoje, a gente tá vivendo uma combinação ao mesmo tempo maravilhosa e complexa: um momento de discussão dos antigos modelos e papéis, muitas novidades tecnológicas como apps de paquera e um boom de solteiros. Sim, somos maioria: segundo o IBGE, hoje 60% dos Brasileiros acima de 15 anos estão solteiros e os divórcios cresceram 160% nos últimos 10 anos… ou seja, tem gente voltando pra pista todo dia! E com tanta novidade, tá cada vez mais difícil se relacionar. 

Grande parte do nosso público é feminino e as reclamações de que os caras só querem pegar sem se apegar vivem surgindo no nosso inbox. Tudo bem querer curtir a solteirice em relações mais fluidas. Todo mundo tem dessas fases (homens e mulheres). Mas não é só porque a gente não quer um relacionamento que precisamos abrir mão do afeto, dá pra ter casual com afeto!

Conversando com solteiros e especialistas de todos os tipos a gente fica se deu conta do quanto o "papel do pegador" é de certa forma uma prisão que impede os homens de viverem o melhor que cada história tem pra oferecer (e não estamos falando de namoro).

A gente fez uma super conversa em vídeo com o Ismael aqui do PdH — que articulou a produção do doc “O silêncio dos homens” — e aprofundamos na discussão. Afinal, como esses estereótipos sobre como o “homem deve ser” dificulta para os caras entrarem em contato com seus sentimentos e se abrirem pro outro?

Além dos pontos que ele descobriu na pesquisa que baseou o documentário, ele também conta sobre suas experiências pessoais. Assiste ao vídeo pra conferir esse papo:

A pressão para ser o solteiro pegador

Parece que, quando está solteiro, tem que estar sempre em busca de alguém. E isso é pior ainda pros homens, que podem cair fácil na prisão de ter de ser pegador. A pesquisa do documentário revelou que 5 em cada 10 homens foram ensinados que deveriam conquistar. 

Basta olhar pra cultura pop e ver nossos exemplos: Don Draper, James Bond, Joey Tribbiani, Indiana Jones e por aí vai… todos conquistadores à sua maneira. Dentro dessa masculinidade tradicional, parece que um homem TEM QUE sempre estar pronto para paquerar e seduzir todas as mulheres à sua volta. O cafajeste institucionalizado! 

Parece que o número de “troféus” definem "o quão homem” você é. E, pra pegar tanta gente, você não pode "perder tempo" com nenhuma delas. A qualidade mandou um beijo! Quantas vezes você não sentiu vontade de conhecer melhor uma pessoa (seja mulher ou cara) mas deixou pra lá pra seguir o fluxo dos brothers que tão sempre prontos pro próximo drink, balada ou pegação?

F.O.M.O sexual

Com o surgimento dos apps de paquera, essa busca pela quantidade foi elevada à décima potência. Que atire a primeira pedra quem nunca metralhou um monte de likes pra tentar pescar o que viesse?

Não é fácil se controlar tendo uma oferta de centenas de crushes em potencial na palma da sua mão. E como decidir em quem focar se temos aquela pulga atrás da orelha de que o próximo match pode ser mais legal? 

A gente fala que tá rolando um F.O.M.O. SEXUAL, a sigla em inglês (“Fear of Missing Out”) significa "medo de estar perdendo algo". Isso rola na nossa vida social — porque a gente fica olhando os stories dos nossos amigos achando que eles estão se divertindo mais que a gente — e essa nóia também afeta nossa vida sexual. 

Na prática, o F.O.M.O. não ajuda a gente a aproveitar mais coisas, né? Rola muito match, pouco papo que renda e menos encontros ainda… ou seja, os apps de paquera viraram mais um joguinho onde o objetivo é marcar pontinhos. Mas será que vale usar a lógica do videogame no Tinder? 

Ambição a astro do pornô

Dentro dessa prisão do pegador entra uma segunda pressão: a de arrasar na cama. 

Por que não basta pegar, parece que o cara tem que fazer jus a todo pornô que ele viu na vida: estar pronto pro game nos primeiros 5 minutos e levar a pessoa (seja mulher ou homem) a loucura como ninguém jamais fez. 

É como se esse cara tivesse competindo ao mesmo tempo com todos os outros peguetes reais e imaginários que já pegaram esse crush e com todos os atores pornôs que educaram suas madrugadas de adolescência (e vida adulta).

Não por acaso percebe-se um crescimento significativo nas disfunções sexuais masculinas em idades cada vez mais novas. A psicóloga Thais DellaTonia, relata que casos de ejaculação precoce e dificuldade de ereção são cada vez mais comuns em seu consultório. 

"Os homens se sentem cada vez mais inseguros na vida como um todo e isso afeta diretamente a vida sexual. Em épocas de crise econômica e revisão de caminhos profissionais é difícil que eles se sintam bem-sucedidos e já tenham atingido um patamar de estabilidade. Essa falta de percepção de potência do masculino interfere em seu desempenho na cama". 

O próprio Ismael relata esse conflito no vídeo. A ansiedade do primeiro encontro somada à pressão de impressionar já fez ele ter muitos "fails".  Alguém mais se identifica? Não é a toa que está rolando um boom de venda de viagras e afins. Mas seria essa a solução?

Esse roteirão de filme pornô também impede a gente de explorar tantas coisas no corpo das nossas parceiras (e parceiros) e principalmente nos nossos! Vai que você gosta de uma lambida na axila e nem sabe porque não se abre para experimentar na cama. Afinal, o pegador tem que performar o papel clássico de quem sabe muito bem o que quer, de quem comando o sexo, sem nunca abrir a retaguarda, sem nunca se permitir estar vulnerável aos desejos e desenrolares que partam da outra pessoa. No fim, é mais seguro para o papel de pegador não fazer nada de diferente do que o roteiro prevê!

Pegar sem se apegar (?)

O pacote desse papel também inclui uma armadura: "homem mesmo pega e não se apega"  Quem nunca ouviu essa? Dentro da caixinha tradicional, se apaixonar e se envolver "não é coisa de homem". A gente sabe que se abrir para o outro e apostar numa relação dá um medo gigante pra homens e mulheres, mas parece que pros caras não é permitido viver esse medo e se colocar no risco. 

É como se o amor e o afeto fossem valores essencialmente femininos e que sentir, e principalmente externalizar isso, automaticamente torna o homem menos homem. Quantas vezes você já quis se abrir com os amigos e pedir conselhos mas não fez isso porque ficou com medo de ser zoado?

Mas não dá pra viver para realizar um papel social para os outros. Aliás se soltar desse papel pode ajudar seus amigos a saírem dessa prisão também. É a tal da brotheragem saudável que o Claudio Serva falou pro PdH no último vídeo. 

Se alguém puxar o papo para além da "quinta série", como diz Ismael, é muito provável que outros se sintam à vontade para se expor e colocar na roda assuntos que vão além do futebol ou da pegação desenfreada.

O casual com afeto

E já que estamos falando em se abrir para os amigos, vale propor um exercício de se abrir para si e para os outros e outras no geral. A famosa vulnerabilidade. 

A gente sabe que vulnerabilizar parece uma coisa muito complicada, mas pode ser muito mais simples que vocês imaginam. Nós acreditamos muito no afeto: uma das nossas bandeiras preferidas é a do #casualcomafeto

A origem da palavra remete a se afetar pelo outro. Somos afetados por muitas coisas ao longo do dia, mas o papel do pegador muitas vezes impede que os homens se afetem nos encontros, mesmo que casuais.

Se afetar é estar presente. Abrir mão dos ensinamentos sobre o que um homem  deveria fazer e da obrigação de estar sempre no controle da situação: você não precisa impressionar o tempo inteiro, você não é o único responsável pelo prazer, você não tem que ter resposta pra tudo, você não precisa estar sempre forte e pronto. 

É também se preocupar menos com o que o crush vai pensar e dizer sobre você. Ao invés de focar em construir uma reputação, se abrir para a construção de uma conexão. 

Afeto é basicamente reagir ao outro, ouvir, sentir o toque. Tipo um ping pong mesmo. Pode ser um jogo super gostoso, uma dança improvisada sem tanta estratégia. Por que não se permitir descobrir, se surpreender, se encantar? Vá sem saber o que esperar, vá sem saber o que fazer. E depois conta aqui como foi.


publicado em 14 de Novembro de 2019, 14:33
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Soltos

Aliando irreverência e informação, André Lage e Carol Tilkian exploram como as pessoas se relacionam hoje em dia pra entender a solteirice em tempos de likes de forma mais profunda. Para mais papos como esse sigam nos canais Instagram e no YouTube. Escrevam no nosso inbox, adoramos conversar com todos os tipos de solteiros.


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