Você já ouviu falar em mnemônica?

Sempre achei engraçada a vida social de um dermatologista. Em qualquer evento social, basta descobrirem um dermatologista para inundarem o infeliz de perguntas: “Você sabe o que é essa manchinha??”, “Mas essa verruga é perigosa?”... Bem, a vida do homem-memória não é diferente. Quando descobrem minha profissão, sou cercado de perguntas sobre a aplicação da memorização nos mais diversos temas. Assim, essa coluna surge com um apanhado das perguntas que me rodeiam no dia-a-dia.

Antes de iniciarmos com as dicas, é preciso que comente alguns comentários desinformados que recebo sobre as técnicas de memorização.

“Eu não gosto de memorizar, prefiro entender.”

Esse é um dos comentários mais comuns nas dezenas de e-mails que recebo diariamente sobre memorização. Técnica de memorização não é sinônimo de decoreba. Desse modo, só é possível memorizarmos aquilo que já compreendemos anteriormente. Assim, a técnica de memória surge como uma ferramenta para o aprendizado e não uma muleta pedagógica.

“O que é mnemônica?”

Mnemônica é qualquer processo artificial utilizado para tornar a memorização mais eficaz. Desse modo, quando o sujeito fica repetindo em voz alta o número de telefone ou até mesmo o nome de sua paquera, ele está utilizando técnicas mnemônicas. Quando você utiliza algum organizador gráfico para estudar (esquema, quadro sinóptico, espinha de peixe, mapa mental...), você também está utilizando técnicas mnemônicas. Assim, técnicas de memorização não são panacéia: são simples maneiras de tornar o esquecimento menos provável.

Acho que esqueci alguma coisa...
Acho que esqueci alguma coisa...

A memória é baseada em gatilhos. Imagine que você não tem seguido as dicas do Dr. Love e levou um fora de sua namorada. Para se esquecer do fora, você decide ir a um churrasco. Chegando lá, avista a melhor amiga da sua amada. Nesse momento, diversas lembranças relacionadas à sua namorada surgem: o dia como se conheceram, os chocolates que você comprou e a sogra quem comeu, o dia em que ela ficou com seu melhor amigo... Perceba que um simples gatilho (rosto da amiga de sua namorada) foi suficiente para dispararem diversas lembranças. Assim, a técnicas de memorização são maneiras adequadas de se criar conscientemente mais gatilhos poderosos de memória – ainda que, no caso de o homem ser corno, o melhor seja esquecer mesmo.

Nesse artigo, vou explicar como o esquecimento funciona. Sem entender esse fenômeno, dificilmente as dicas dos próximos artigos terão alguma utilidade.

Curva do Esquecimento

A curva do esquecimento descreve o quanto somos capazes de reter de informações recém adquiridas. Ela é baseada nas informações adquiridas após uma palestra de 1 hora de duração ou o estudo de qualquer material durante esse mesmo período.

Suponha que, hoje pela manha, você entrou na revista Papo de Homem para aprender um pouco mais sobre a arte da conquista e passa 1 hora lendo as respostas de nosso amigo Dr. Love. Em nosso gráfico, iremos supor que antes da leitura você não sabia nada sobre o tema. Logo, após uma hora de leitura, você saberá 100% do assunto ensinado (ao menos saberá o máximo que ele tem condições de aprender, dado o conhecimento prévio sobre o assunto). Assim, após a leitura, a curva chega em seu ponto máximo.

No segundo dia, se o nosso leitor não fizer qualquer revisão do assunto (aplicar os conhecimentos, ler, pensar sobre ele, discutir sobre os tópicos aprendidos...) o estudante provavelmente se esquecerá de 50%-80% daquilo que foi aprendido. Perceba que o ser humano esquece mais nas primeiras 24 horas após a aquisição do que ao longo de 30 dias. Ao final dos 30 dias, restarão apenas 2%-3% de toda informação adquirida no primeiro dia. Assim, ao final dos 30 dias, você terá a impressão de que nunca ouviu falar do assunto estudado, precisando estudar tudo desde o inicio – garantindo uma fortuna para a revista no adsense!

No entanto, é possível que os alterar a forma da curva do esquecimento. Nossos cérebros constantemente gravam informações de maneira temporária: conversas no corredor da faculdade, a roupa que você estava usando no dia anterior, o nome de amigos apresentados em uma reunião, a música que acabou de tocar no rádio... No entanto, se você não criar gatilhos de memória importantes, toda essa informação será descartada. A cada revisão, você cria novos gatilhos,fixando a informação cada vez mais.

Uma fórmula interessante de revisão seria a seguinte: para cada hora de leitura, faça uma revisão de 10 minutos. Observe que essa revisão deve ser feita nas primeiras 24 horas após a aquisição – período em que ocorre maior parte do esquecimento. Essa revisão será o suficiente para “segurar” em sua memória toda a informação aprendida em 1 hora de leitura. Uma semana depois (dia 7), para cada hora de leitura ou aula expositiva, você precisará de apenas 5 minutos para “reativar” o mesmo material, elevando a curva para 100% mais uma vez. Ao final de 30 dias, você precisará de apenas 2-4 minutos para obter novamente os 100% da curva de aprendizagem.

Prova relâmpago, lembra do nome desse filme?
Prova relâmpago, lembra do nome desse filme?

Algumas pessoas dizem não ter tempo para esse tipo de revisão. No entanto, nada justifica essa alegação, visto que o maior ganho com as revisões se refere principalmente ao tempo. Se ao longo dos 30 dias, os estudantes não fizerem qualquer tipo de revisão, eles precisarão de mais 50 minutos de estudo para cada hora de aula expositiva. Dado o inevitável acumulo de matéria, provavelmente o aluno dispensará muito mais tempo do que se tivesse simplesmente feito um bom calendário de revisões. A ausência de revisões também comprometerá o fenômeno da reminiscência (tópico a ser abordado no próximo artigo), já que a memória não costuma funcionar muito bem quando trabalhada com sobrecarga e pouco tempo disponível.

É claro que não existem regras rígidas sobre as revisões, já que essa rigidez esbarra em outras variáveis como diferenças individuais e densidade do material a ser estudado. No entanto, é preciso que você estabeleça um sistema eficiente de revisões caso realmente queira ser academicamente bem sucedido.


publicado em 26 de Janeiro de 2009, 00:53
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Alberto Dell'Isola

Alberto Dell'Isola é recordista latinoamericano de memorização, psicólogo, escritor, jogador de Blackjack e lutador de Muay Thai. Conheça seu site e seu blog.


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