A vida financeira de uma prostituta

Um advogado resolve os problemas jurídicos de seus clientes. O médico cuida da saúde dos pacientes. O vendedor tem como meta vender o máximo possível. Cada profissional possui um campo de atuação, uma área para a qual vai dedicar seu foco. Todos eles, porém, precisam lidar com o próprio dinheiro.

Recebi uma ligação de uma amiga da época do colégio. Depois de 2 ou 3 minutos de amenidades protocolares, ela perguntou se a minha consultoria financeira tinha como público-alvo os profissionais de algum setor. Questionou pelas beiradas, perguntou se autônomos poderiam se beneficiar, se eu já havia atendido alguém que cobrava por hora e, depois de algum rodeio, finalmente mandou a real:

Uma amiga minha está precisando muito de consultoria. Posso te indicar?

— Pode, claro. O que ela faz da vida?

— Ela é prostituta.

Os números por trás da profissão mais antiga do mundo

Feita a ponte, estimei uma certa duração para o processo, baseada na quantidade de horas necessárias para esclarecer as dúvidas e organizar a casa. Mandei a proposta por e-mail. A Fabi (nome fictício, para facilitar daqui pra frente) era habilidosa com os números e me respondeu rapidamente, aceitando o valor sugerido e fazendo piada:

— Sua hora é mais barata que a minha!

O processo todo foi bem interessante e rendeu insights bastante valiosos. A inteligência financeira necessária para ser uma garota de programa bem sucedida não se aplica apenas aos profissionais do ramo. Deixarei o moralismo e as questões existenciais de lado para focar no aspecto financeiro da coisa toda.

A verdade é que a Fabi tem uma empresa e essa empresa fatura bem.

Sexo é sexo, negócio é negócio

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“Não daquelas famosas, mas meu público é chique”

A Fabi é uma prostituta de luxo, como ela mesma se define. . Trabalha quatro dias por semana e, no começo do papo, disse que ganha cerca de R$ 18.000,00 por mês.

Dois dias por semana atende no flat que divide com uma amiga, também profissional do sexo. Nos outros dois, atende nos quartos que ficam no andar superior da zona que frequenta. Começamos destrinchando o faturamento, dividindo o negócio em duas frentes principais: dias de trabalho no flat e dias de trabalho na zona.

  • Nos dias em que trabalha na zona, geralmente faz 4 programas, cujo preço varia entre R$250 e R$350 (os mais caros envolvem sexo anal). Tirando uma média disso tudo, o faturamento diário fica em torno de R$ 1.200,00, ou seja R$ 9.600 por mês.
  • Nos dias em que trabalha em casa, faz 5 ou 6 programas e cobra de R$200 a R$300 (respeitando a regra, novamente, fazendo uma média de R$ 1.650,00 por dia, ou R$ 13.200 por mês).

Calculamos o faturamento máximo possível se ela conseguisse manter a agenda que descrevi acima (e ela consegue).

Chegamos a assustadores R$ 22.800,00, seguidos de um sonoro “Meu Deus, eu não vivo como uma pessoa que ganha 23 paus por mês. Tenho certeza que eu não ganho isso!”.

Na ponta do lápis

A Fabi era professora de inglês assalariada antes de se dedicar integralmente à carreira de garota de programa. O salário era mensal e caia todo dia 30, direitinho. Desse jeito fica fácil de enxergar os números e administrar a conta.

Na nova carreira ela precisa começar a lidar com alguns conceitos simples de gestão, se quiser realmente fazer dinheiro. Faturamento não é salário e esse é um engano bem comum, especialmente entre os autônomos (taxistas, psicólogos e dentistas, em destaque).

Tem muito custo desprezado associado à operação. Fica mais fácil perceber quando analisamos as frentes separadamente:

  • Nos dias de zona, onde o faturamento diário é de R$ 1.200,00, existe um custo bem significativo: a locação do quarto. Cerca de R$ 70 por hora. Além disso, costuma beber bastante. A comanda geralmente fecha em R$ 150. Para ir e voltar, tem o táxi, R$ 60 por noite. O faturamento de R$ 1.200 resulta em R$ 650 líquidos, margem de lucro de 53%.
  • Nos dias de trabalho em casa, com faturamento de R$ 1.650, o custo é bem baixo. “Bebidas baratas e muito serviço de lavanderia, coisa de R$ 100 por dia”. R$ 1.550 líquidos, margem de lucro de 93%.

Brincamos mais um pouco com os números e chegamos ao valor total líquido, descontando os custos intrínsecos da operação: R$ 17.600.

Continua sendo um belo valor.

  • Fabi, são R$ 17.600 por mês, líquidos, bem mais de 20 salários mínimos.
  • Mas todo mês falta.

O caso da Fabi vai se mostrar bem caricato, mas todos nós padecemos de um mal bem comum por vivermos em uma sociedade cuja base é consumo e status. Nós pagamos para trabalhar.

Quanto você gasta para continuar trabalhando?

Gastamos bastante dinheiro para sustentar nossa identidade profissional. Cada profissão demanda uma certa postura – e algumas delas são bem caras de se manter. Acabamos por criar uma persona que se adapta ao ambiente profissional que frequentamos. Fica fácil de perceber entre os publicitários.

Publicitários bem sucedidos precisam se vestir bem. O batido networking não é feito em um boteco de esquina com cerveja barata. Ele precisa frequentar bons bares, que ficam localizados em bairros onde não se estaciona por 3 horas por menos de R$ 50. Nas férias, exausto da rotina, ele dificilmente vai curtir uma praia no litoral de São Paulo. É um estilo de vida bem puxado. Dentro da máquina, totalmente inserido, faz sentido manter as aparências.

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“Dá uma sensação boa de proteção”

A Fabi não costuma frequentar lugares caros, mas não esconde o prazer de andar por aí dirigindo uma Tucson de R$ 80.000,00. As amigas, garotas de programa, também gostam de carros grandes. .

Quando chegou em São Paulo, adorava comprar sapato na Arezzo. “Agora acho Arezzo sapato de puta ralé. As vezes eu viajo com cliente, preciso estar bonitinha, né? Homem chique gosta de mulher bem-vestida”. Hoje compra sapatos na Zeferino. Cada par custa algo por volta de R$ 600. Contou de uma vez que foi passar o final de semana na chácara de um cliente e escutou “Não te pago R$ 400 reais por hora para você aparecer aqui de Melissa.”

No pulso, carrega uma pulseira da marca HStern, que comprou por 10x de 900 reais. “É bom pra intimidar o cliente”.

Paga R$ 600 de mensalidade na academia e investe cerca de R$ 600 em drenagem linfática, todos os meses. “Às vezes eu acho caro, mas aí eu penso que é só um ou dois programas a mais e acabo seguindo. Mas dificilmente eu cuidaria tanto assim do meu corpo se não trabalhasse pelada.”

Frentes de negócio

A grana não é o único recurso escasso que temos que manejar. Tempo e energia são recursos preciosos e limitados também. É importante analisar com frieza cada atividade desempenhada pela empresa. Se ela não apresenta lucro, nem traz satisfação, nem qualquer outro benefício colateral, é provável que mais atrapalhe que ajude.

Fabi e eu caímos nesse embate. As margens de lucro dos dias trabalhados em casa e dos dias trabalhados na zona são muito diferentes. Além disso, ela disse que quando vai para a zona acaba chegando em casa exausta por conta da quantidade de drinks e cigarros consumidos durante à noite. “No dia seguinte estou imprestável”. Surgiu a ideia de trocar a agenda: 3 dias em casa, 1 dia na zona.

A relutância surgiu porque era na zona que ela encontrava as amigas. Depois de pensar um pouco, acabou cedendo. Ela poderia encontrar as amigas nos dias livres.

Muitas vezes a gente segue fazendo um monte de coisa, investe em mil atividades, por pura preguiça de se debruçar sobre elas e analisar o que realmente traz retorno. Vivemos com um cabresto enfiado na cabeça.

Valor percebido

Fabi tem clientes que transam com garotas de programa toda semana. “Eles vão experimentando e postando no GPGuia”.

Nossa percepção de valor a respeito de produtos e serviços é muito frágil e burlável. Um dos fatores que consideramos na hora de avaliar qualidade é o preço. Não somos capazes de opinar de maneira imparcial e não enviesada. Produtos mais caros fatalmente recebem olhares mais carinhosos.

Vale se debruçar sobre o clichê: no caso de dobrar seu preço, vai perder metade dos seus clientes? Se a resposta for não, dobre.

restaurante
“A vida das meninas que trabalham para clientes endinheirados é mais fácil”, ela concluiu. “São mais presentes, mais viagens, menos encheção de saco para cobrar”.

 

No caso da Fabi, dobrar era inviável, especialmente por conta da local onde morava, mas um aumento de 30% no preço caiu bem. É questão de posicionamento.

O retorno dos investimentos

Com o aumento do preço surgiu o medo da agenda ficar vazia. O site que a Fabi utilizava para divulgar suas fotos era bem amador, mas o site novo sempre ficava para depois porque ela achava que R$ 3.500,00, valor cobrado pelo responsável, era absurdo.

O valor é significativo (mais de 10% do faturamento da empresa), mas pode facilmente ser considerado um belíssimo investimento. Poucos clientes a mais já fariam o esforço valer a pena.

“É menos do que o que você gasta com academia e drenagem em 3 meses, Fabi. E é pra vida toda”, argumentei. Esse, sim, seria um investimento mais palpável (estou me esforçando bastante para não colocar nenhum trocadilho infame nesse texto). Marketing é sempre uma questão muito delicada, especialmente para os prestadores de serviço. No fim, a Fabi estava cogitando pagar alguém para acompanhar os fóruns e redes sociais e avisá-la a respeito do que estava sendo dito por lá.

Muito do capital gasto em roupa, academia e salão de beleza estava lá mais por vaidade do que por zelo com o trabalho. No caso da Fabi, o lance todo acontece ao redor da questão estética, mas é bem comum cometermos o mesmo deslize tendo como foco outro capricho. Livros, por exemplo: a gente jura que é investimento, que é para ser um profissional melhor, uma pessoa melhor, que livro é sempre bom, mas a verdade é que muitas vezes a gente mal lê os que a gente tem e quer mesmo é uma estante bem cheia. Mea culpa.

Muda o personagem, seguem os dramas

Passamos por vários pontos relevantes, e são os mesmo pontos presentes na vida da grande maioria dos autônomos.

Para quem toca o próprio negócio, já se deparou com situações parecidas com as vividas pela Fabi? Quais as principais dificuldades enfrentadas por quem acaba tendo que se enxergar como empresa?

Para quem está vendo de fora, quais paralelos traça? Quais mudanças adotariam?

Como sempre, convite feito para seguirmos o papo nos comentários.


publicado em 04 de Novembro de 2014, 11:17
Eduardoamuri

Eduardo Amuri

Autor do livro Dinheiro Sem Medo. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças, cuida também da gestão dO lugar.


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