Amor em escalas



Uma constatação muito singular tem me perseguido esses dias. Começou com um trechinho do Martin Page, que se embaralhou com a minha experiência pessoal e transbordou em uma conversa casual.

O tal trecho falava de amores e viagens e em como, atualmente, eles são parecidos: temporários e um pequeno luxo para embalar a conversa com os amigos. Não poderia deixar de concordar mais, enquanto apaixonada compulsiva que sou. Mas, de uns tempos para cá, as relações entre amores e viagens têm se mostrado muito mais complexas que as semelhanças descritas pelo francês.
“Há um paralelo perturbador entre o crescimento do turismo e a multiplicação de casos sentimentais. Amamos da mesma forma como viajamos, por períodos curtos e seguindo roteiros predeterminados. Apaixonamo-nos para ter lembranças, cartas, um conjunto de sensações, novas cores em nossas íris: para ter o que contar no escritório, aos nossos amigos, ao nosso psicanalista. Não existe diferença entre o amor e as viagens, pois sempre voltamos a eles”.

(Martin Page. Talvez uma história de amor, p. 101)

Acabou? Faça as malas



"Tô indo embora. Vou viver outra vida"


Em 2010, o meu ex-namorado decidiu por fim ao nosso relacionamento de 4 anos. Moramos em São Luís durante mais de três anos dessa época, mas, no momento da separação, ele já morava em São Paulo e eu continuava no Maranhão. Para abreviar a história, eu devo confessar: a superação foi demorada. Por mais que eu já não nos enxergasse mais como um casal, por mais que não desse mais para encontrar todos aqueles sentimentos que a gente nutriu por tanto tempo, as lembranças me assombravam.

Quase um ano após o término, tive a oportunidade de viajar para a França e aproveitei um convite para conhecer um pouquinho da Itália. Cheguei lá sem saber o que esperar. Não da viagem. Mas da minha vida. Me prometi: agora é que tudo vai começar (Sim, fins de relacionamento transformam vidas).

Lembro do momento em que sentei no telhado, com uma amiga querida e falei tudo que ainda faltava falar sobre ele. Deixei-o ali, no ponto mais alto do Duomo di Milano. Quando voltei ao Brasil, meus planos estavam prontos: ir para São Paulo perseguir meus sonhos. O que, de certa forma, implicava estar muito mais perto dele. Tive que encarar. Por incrível que pareça, a distância que a gente mantinha em São Paulo parecia muito maior que a distância do Maranhão. Éramos duas pessoas diferentes com pouca coisa em comum.

Hoje em dia, percebo cada vez mais essa movimentação ao meu redor. Acredito que você também não deve ir muito longe para citar alguma história parecida. Um namoro que se acaba quase sempre é seguido por uma mudança de cidade, viagem, intercâmbio ou, pelo menos, pelo plano de passar as férias em Buenos Aires ou Fernando de Noronha. Sempre me achei covarde e fraca, mas não acredito que essa seja a resposta que vale para todas as pessoas.

Será que a dor de um relacionamento que fracassa está diminuindo todos os nossos espaços? Ou os lugares onde gastamos um pouquinho da nossa existência é que estão destituídos de sentido?

A geografia do amor

"Pra onde a gente vai agora?" | "Você, eu não sei. Eu vou pra longe de tudo isso, pra longe de você"

Não gosto de ser laudatória com as coisas que leio. Mas acreditar em pós-modernos como Bauman e na reconfiguração do tempo e espaço é muito simples para quem para pra pensar no trânsito. Atualmente, o trânsito está mais do que vivo nas nossas vidas. E não somente o trânsito de casa para o trabalho, mas o caminho entre o Brasil, os Estados Unidos, a Índia e a Tailândia.

Ok, você já sabe de tudo isso. E, bom, no que isso afeta sua dor de cotovelo, não é mesmo? Talvez em nada, é verdade.

Mas se você já quis respirar em outro país ou se esconder no interior para aguentar o peso de algumas lembranças, você pode tentar entender o que eu estou falando.

Como disse, a primeira resposta para explicar o turismo do coração partido é sempre a fuga. Mas, talvez essa seja a época em que é realmente bobeira tentar lidar de frente com os problemas. Sabe porquê? Porque você não sabe se aquilo era realmente um problema.

Talvez tenha sido uma bobagem, uma perda de tempo. Melhor não perder o sono, respirar fundo, esvaziar a cabeça e encher de experiências que deem um novo sentido para a vida.

Mas existe um outro lado muito interessante nessa história. É a inversão dos sentidos: da estabilidade e da instabilidade. Estável é a Av. Paulista e aquele café que você gosta de ir perto da Augusta. Instável é o que você cultiva com sua namorada ou namorado. Certo?

Parece que não. As escadas sólidas do Duomo di Milano até me pareceram um porto seguro e estável. Algo que dizia: “estou aqui, estou durando, você pode se distinguir em relação a mim, não estou em fluxo. Apenas sou”.

Mas em algum ponto das nossas vidas, o sólido realmente se desmanchou no ar. Pois, quando eu me lembro dos meus lugares preferidos na minha cidade natal, não consigo lembrar de um só que eu não tenha estado com alguém que o preencheu de sentido.

Para mim, isso explica melhor nossa sede por ir mais longe. Por apenas nos distanciar do que está dando errado.

"Não, você não precisa terminar aquele caso que não está andando, ele já está de mudança marcada mesmo."

E por mais que se viva a vida toda com ele, nesse momento aqui tudo foi pro espaço e tudo foi perdido.

Mas é uma reflexão que também te faz pensar no valor que tem essa instabilidade-estável que são nossos relacionamentos. Nossos relacionamentos estão construindo cidades e refúgios só nossos. A São Paulo que eu conheço é bem pequena, mas muito querida.

Hoje em dia, é o amor quem cuida da geografia.


publicado em 10 de Fevereiro de 2013, 10:04
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Seane Alves Melo

Jornalista e aspirante a mestranda. É estranha, invocada, amante de vírgulas e apaixonada por milhares de coisas aleatórias. Escreve o que vem à cabeça em E o mundo seguiu adiante e posta coisas de menina semanalmente em Kitty Cat Makeup.


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