No meu tempo que era bom

Era encantador, pra tudo se precisava dar um jeitinho. Precisava-se de lábia, habilidade e criatividade

Uber, elevador, pode deixar sua bolsa aqui. Que música você quer ouvir? Beijo, amasso, camisinha na cabeceira, sexo oral, troca, mais sexo oral, camisinha pra fora do pacote. Bola na área, começa o jogo. O suor no lençol, câimbra, falta de ar, perninha tremendo e… 1X0. Continua, continua, Ele parte pro ataque, acelera o jogo, espreme os olhos e as entranhas … 1x1. Fim de jogo.

Deitado na cama fazendo um cafuné preguiçoso na loirinha, ele pensava como era bom ter 30 anos no século XXI, sair, conhecer gente, ficar e transar. Com essa idade o pai já era pai, assumira a calvície e sustentava família. Deveria ser frustrante viver numa época com tantas proibições e autorizações, promessas de amor eterno e esperas… Quando por fim se alçava o sexo, eram grandes as possibilidades de se deparar com uma transa, careta, amedrontada e sem safadezas, ele pensava. Os pais deveriam ter passado a juventude num papai e mamãe às escuras, a vida adulta nas rapidinhas silenciosas, e provavelmente desistiram quando, aos 30 e tantos, a mãe engravidou dele, caçula derradeiro, e resolveu fechar a fábrica.

Imagina não poder desfrutar da delícia de um convite sacana vindo de uma moça linda, ou daquelas gozadas femininas monumentais que apertam o corpo e a pontinha da alma - e que ele apesar de não ter provas, tinha convicção, de que o pai jamais sentira. Dava pena.

No almoço do domingo, o pai de sessenta e todos perguntava ao filho como andava a vida aos 30. Ele resumia o último encontro. Ela era publicitária, bem legal, dividia apartamento com uma amiga... Ele dormia lá nas quintas, nada sério. O velho escutava a história desanimado.

Tinha saudades do seu tempo, sentia falta de ver, no filho, a emoção que tinha nos seus dias.

Foto de Jade Beall, fotógrafa norte-americana

Algumas coisas eram mais fáceis. Ele tinha acabado de pedir uma moça em namoro quando conheceu, num baile de carnaval, a arlequina que seria a mãe dos seus filhos. Levou as duas por um bom tempo. Naquela época não se tinha telefone, nem redes sociais, com alguma discrição era possível fazer qualquer coisa sem ninguém saber. Quando se sabia, era de costume fechar os olhos. Fazia isso sempre que via, na porta da casa da arlequina, um carro misterioso que trazia flores e levava a moça.

De resto tudo era mais difícil. Decidiu compartilhar com o filho um pouco das aventuras. Omitiu que a Arlequina era a própria mãe do garoto e contou todo o resto.

Era encantador, para tudo se precisava dar um jeitinho. Precisava-se de lábia, habilidade e criatividade. Namorar não tinha nada a ver com ficar em casa vendo netflix. Era preciso sair das vistas dos pais e da vizinhança, e encontrar privacidade nos cantos mais inóspitos. Sozinho com as moças, tomava pequenas iniciativas para descobrir até onde elas queriam ir. Era parte do jogo, e elas não podiam dizer, assim, de cara. A espera e o mistério para dar um só passo adiante, dava um certo frisson, como se dizia na época e qualquer coisa. Cada conquista era uma vitória digna de se comemorar.

A arlequina, anos depois, lhe confessou a verdade: forjava inseguranças para parecer menos entendida. Não queria passar a imagem errada e achava charmoso ser conduzida. O papel de donzela passiva escondia muita malícia. Se apaixonou pela futura esposa quando conheceu sua técnica de pressão entre os tornos carnudos. Se perguntava se os casais ainda fazem isso hoje em dia.

Mas, sabe, nem tudo eram fetiches e mistérios. Vivia-se na corda bamba, sem a segurança dos métodos contraceptivos de hoje, os gozos eram constantemente interrompidos na intenção de dar continuidade às carreiras, mas isso nem sempre funcionava.

Além disso, as moças carregavam muitos tabus e sofriam.

Imagina! Passou uns dois anos tentando dar o tal do orgasmo à primeira namorada, ainda desconfiando que talvez não chegasse no resultado porque ele em si era uma lenda. Se perguntava à moça, ela dizia que não tinha certeza. Não sabia como deveria ser um orgasmo pra poder reconhecê-lo. Demorou bastante tempo, mas aprendeu os segredos depois de anos de casamento.

O filho se contentava em rir das peripécias e fazer comentários genéricos. “Que é isso, ein, pai ?!”

Ele colecionava um total de duas transas em local público, quantidade vergonhosa perto da lista do pai. Os poucos anos de solteiro da vida do pai pareciam muito mais animados que os quase 15 anos de solteirice liberal do filho.

É uma pena que tenha se perdido os fetiches criados, e tão bem aperfeiçoados mesmo tendo nascido da moral hipócrita da época. Mas, pensando bem, muita coisa tinha que mudar mesmo. A césar o que é de césar, discursava o pai contrapondo seu próprio ponto inicial. Eram bons tempos que de maneira nenhuma foram monótonos, mas também é bom que se tenha mais liberdade hoje.

A maioria das proibições da época eram uma palhaçada.


publicado em 14 de Março de 2017, 11:30
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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