PDH Responde: Quando eu tento me abrir, eu sou zoado. Eu quero me expressar mais, mas como fazer isso?

Atualmente, nós homens temos refletido e aprendido que é importante dialogarmos mais sobre o que sentimos, sobre as nossas dificuldades, dúvidas e sensibilidades. Mas, em contrapartida, é comum que neste processo sejamos zoados pelos nossos amigos, colegas de trabalho e, até mesmo, namoradas e familiares que criticam a nossa postura, duvidam da nossa mudança, deslegitimam os nossos sentimentos ou nos veem como hipócritas. O que fazer?

Mudar não é fácil...

Ao mínimo sinal de mudança, expressando algo que estamos sentindo ou revendo certas atitudes e pensamentos, acontece um bombardeio de questionamentos para nós homens:

“Humm, tá virando bichinha?”, “Pare com essa viadagem!”, “Sai fora, tá parecendo um viadinho!”

Como resposta a estas reações tendemos a nos fechar novamente, retrocedendo o caminho que estávamos começando a trilhar na construção de uma masculinidade responsável. 

Em algumas situações, também nos sentimos tentados a querer rebater esse bombardeio de críticas e zombarias com argumentos e ideias que talvez essas pessoas ainda não estejam prontos e sensibilizados para ouvir. É muito possível que isso nos cause um maior desgaste e não tenha eficiência. Os tempos e meios de transformação de cada pessoa são diferentes. Nos relacionamos de formas muito únicas com determinados temas. Nossa trajetória se dá em etapas, caminhos e interações muito diferentes, até mesmo, de pessoas muito próximas e, em certa medida, parecidas conosco.

Como as críticas que escutamos  tendem a surgir de pessoas que são muito importantes para nós, é natural que isso nos desaponte. Somos afetados negativamente e positivamente por aqueles que nos cercam. E quanto mais próximos somos de uma pessoa, maior tende a ser o peso da crítica dela sobre o nosso comportamento. 

Entretanto, é importante refletirmos que existem outros caminhos para além da exaustão de enfrentar um meio, à nossa volta, que ainda não se sensibilizou para determinadas reflexões, ou a desistência do nosso processo de se rever enquanto homem.

Por onde começar a refletir?

Um possível passo inicial é pensar sobre a seguinte questão:

“Por que essas pessoas me atacam e falam essas coisas ao ver a minha mudança?”

Isso nos auxilia a perceber que o funcionamento mais comum do machismo é justamente esse: desmerecer tudo aquilo que não é visto como pertencente à masculinidade padrão e dominante. É por isso que o machismo também afeta os homens, por que no primeiro movimento de tentar se desvencilhar dele, uma série de comportamentos em defesa a essa masculinidade tóxica é acionada à nossa volta através de piadas, chacotas e formas de tentar inferiorizar o homem que ousa furar a bolha. Justamente para que ele não rompa com o seu pensamento e comportamento machistas.

Por isso é comum que um certo sentimento de não pertencimento surja quando começamos a rever nossas atitudes machistas. Olhamos para os nossos grupos de amigos, familiares e colegas, e começamos a perceber que algumas coisas ali não são saudáveis para nós e, talvez, nem para as outras pessoas desse círculo.

Começamos a não ver graça nas piadas machistas, homofóbicas e racistas. Percebemos que já fomos cúmplices de situações de assédio, começamos a perceber que o conteúdo que circula nos grupos de whatsapp, só com nossos amigos homens, não é saudável. E esse é um momento muito importante na nossa virada de chave do autoconhecimento enquanto homens: quando começamos a estranhar aquilo que antes nos era familiar.

É possível que neste processo a gente encontre, dentre os nossos conhecidos, outras pessoas que estejam trilhando esse caminho também. E isso pode nos fortalecer. 

Enquanto isso, nas demais relações, podemos ir tentando achar (e abrir) brechas. Isso exige paciência e observação sobre como essas pessoas pensam, agem e observam o mundo. Nem sempre uma pessoa muda ouvindo um discurso super politizado sobre machismo. Tem aquelas, ao nosso entorno, que nos observam, sem que a gente perceba. E é aí que conseguimos “ganhar” muita gente: através das nossas ações.

O modelo é uma arma importante nessa batalha. Pequenas ações nossas podem convidar o outro a repensar se suas atitudes são ou não adequadas, sem que precisemos entrar num longo, e às vezes pouco produtivo, debate moral ou ideológico. 

Pequenas atitudes podem gerar mudanças significativas: se o seu grupo de amigos tem o hábito de fazer piadas machistas, experimente começar a não rir mais, ainda que você não comente nada. Veja como se dará a percepção dessas pessoas. Se elas começarem a te chamar de “viadinho”, tente demonstrar que não se importa com esse questionamento, não caia na provocação. Lembra dos apelidos na escola? Quanto mais a pessoa se demonstrava irritada, mais as pessoas reforçavam o apelido. A dinâmica é bem parecida.

Compreenda que por trás desses “ataques” e tentativas de piadinhas, há uma mudança que está acontecendo com você e está sendo identificada pelos outros. Estão chamando você de “mulherzinha”, talvez, por que você se tornou mais empático, começou a ter uma relação maior com o autocuidado, está mais sensibilizado com o mundo a sua volta. E isso é ótimo. Ainda que o seu meio de convívio não esteja pronto para essa sua transformação. Mas isso é sobre eles. Esse é um ponto importantíssimo a ser considerado: isso é sobre eles.

Quem eu posso procurar?

Para que esse seu processo seja emocionalmente mais saudável, procure no seu círculo, pessoas que você percebe como sendo de maior confiança para se abrir e trocar de forma mais profunda sobre algumas questões. Existem amigos que são ótimos pro futebol, mas difíceis para falar de política, religião e relacionamentos, por exemplo. Portanto, olhar com atenção para os nossos vínculos exige prudência e observação para sabermos com quem um diálogo é possível e tem maiores chances de ser saudável. 

É fundamental sabermos como as pessoas nos impactam, para sabermos também sobre o que e como podemos conversar com elas. Nem todas as pessoas estão, ou precisam estar, preparadas para conversas sobre todos os assuntos. Cabe a nós esse diagnóstico inicial.

Olhe a sua volta, entenda os espaços que você habita e transita: família, igreja, trabalho, escola, faculdade… E veja as aberturas possíveis e como elas podem ser feitas de acordo com os limites de cada um. Nem todo diálogo ou troca é possível em todos os lugares ou com qualquer pessoa.

E não se esqueça que, para que esse processo todo de mudança seja saudável é importante respeitar o seu ritmo. Talvez você não vá conseguir se colocar de maneira politizada e responsável perante todo comportamento inadequado dos seus amigos, muitas vezes, infelizmente, o diálogo nem será possível. Sua negativa perante algo inadequado feito por eles pode ser o suficiente para que seus amigos reflitam sobre seus comportamentos .

Por fim, é comum que os nossos processos de mudanças, sejam quais forem, possam gerar distanciamento e rompimentos de vínculos. Quantas pessoas já foram seus amigos e hoje, até meio que inexplicavelmente, vocês não conversam mais? O que aconteceu? Provavelmente, vocês mudaram em algum sentido, e o vínculo se distanciou ou se desfez. Isso não diminui a importância que essa pessoa teve na sua vida naquele período.

Sendo assim, é natural que neste nosso processo de se repensar enquanto homens, alguns vínculos se modifiquem. Alguns se afastam, outros se aproximam, uns enfraquecem e outros se fortalecem. Não precisamos romper com todo mundo à nossa volta, achando, muitas vezes, que somos os homens incríveis e heróis que estão mudando, e agora não podem manter vínculos com essa ou aquela pessoa.

O ponto é outro: o ser humano é sempre convidado a mudar. As pessoas à sua volta também estão mudando. O que precisamos ponderar é se o meu círculo de amigos, por exemplo, está mudando para direções que eu também quero ir, se eu posso ajudar na construção da direção das transformações do meu grupo ou se eu consigo conviver com este grupo apesar de todas as diferenças de perspectivas sobre determinados assuntos.

Respeite e acolha os seus processos da sua mudança, tenha maturidade para olhar atentamente à sua volta e perceba quais são as pessoas que mais te impactam. Evite reforçar comportamentos inadequados ou que te deixe desconfortável. Decida com quem vale a pena construir diálogos, brechas, desabafos e relações que nos fortaleça neste caminho de nos construirmos enquanto homens.

Texto realizado em colaboração com Maycon Felix Lozano, Psicólogo Analista do Comportamento na equipe Agir em Saúde.


publicado em 08 de Novembro de 2022, 19:01
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Andrio Robert

Mestre e doutorando em Educação no PPGE- UFPR. É pesquisador de corpo, gênero e masculinidades. Suas investigações estão inseridas na linha LICORES - Linguagem, Corpo e Estética na Educação, no grupo de pesquisa Labelit - Laboratório de Estudos em Educação, Linguagem e Teatralidades (UFPR/CNPq) e na Diálogos - Rede Internacional de Pesquisa.


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