Testosterona: o que é e o que fazer quando ela está baixa | Consultório #2

Quebrando mitos e esclarecendo dúvidas

No filme Rocky IV (1985), o personagem de Sylvester Stallone enfrenta Ivan Drago, um pugilista soviético interpretado por Dolph Lundgreen (antes da trilogia Os Mercenários, todo mundo lembrava dele pelo filme do Sly).

Drago havia matado Apolo Creed (Carl Weathers, de O Predador), amigo de Rocky, durante uma luta, e este vai à Rússia buscar vingança no ringue. A disputa, claro, simbolizava a própria Guerra Fria e o preparo dos boxeadores traduzia isso.

Enquanto Rocky se aloja em uma cabana na geleira russa, carrega troncos, corre na neve, puxa seu treinador em um trenó e é abertamente observado pelos soviéticos, Drago treina sigilosamente em academia, é monitorado por aparelhos, avaliado constantemente por médicos e faz uso de substâncias para melhorar sua performance, sob supervisão do próprio governo.

O empenho e o fair play do mundo capitalista enfrentariam a ganância e a desonestidade do mundo socialista.

Não há como saber ao certo, mas fazendo um paralelo com as academias de hoje, uma das substâncias usadas por Drago poderia ter sido alguma versão sintética da testosterona, o popular hormônio masculino – que, na verdade, as mulheres também têm.

Antes de mais nada, o que é a Testosterona?

A testosterona é produzida a partir do colesterol (esse mesmo que tanto te preocupa) principalmente nos testículos e nos ovários.

Claro, os homens têm até dez vezes mais testosterona circulante que as mulheres, e suas funções incluem desenvolver os caracteres sexuais secundários (como a voz e os pelos corporais) e influenciar a estrutura osteomuscular no sentido de ossos mais densos e mais massa muscular.

Por isso, versões sintéticas de testosterona (como o Durateston®) e substâncias “parecidas” com o hormônio (como a nandrolona, do Deca Durabolin®) são usadas por atletas que almejam uma forma física difícil ou demorada de alcançar apenas com musculação e alimentação adequada.

Recentemente, essa velha conhecida das academias tem feito parte das conversas e consultas médicas de homens através de dois temas: a disfunção erétil (popularmente chamada de impotência sexual) e a andropausa (apelidada de menopausa masculina).

É disso que vamos conversar hoje.

Testosterona e disfunção erétil

Diretamente envolvido na reprodução humana, o C19H28O2 (quer bancar o inteligente, é só chamar a testosterona assim) influencia processos como o desejo sexual e a função erétil e varia em resposta a situações de flerte e estresse; no entanto, é difícil delimitar a relação entre quantidade do hormônio e os sintomas e compará-la entre indivíduos de diferentes faixas etárias.

Isso significa que homens com uma deficiência grave na produção de testosterona (por síndromes genéticas, lesões testiculares etc.) terão menos libido e maior dificuldade de ereção, e seu tratamento deve incluir a reposição regular do hormônio; porém, como mostramos em outro texto, a maioria dos problemas de ereção se relaciona a questões psicológicas ou, em menor escala, a problemas cardiovasculares ou neurológicos.

Assim, apenas indivíduos com outros sintomas de testosterona baixa (como aumento das mamas, perda de pelos púbicos ou faciais, diminuição da massa muscular e apatia) deverão fazer uma dosagem do hormônio em busca de uma causa para suas brochadas.

A difícil correlação entre hormônio e sintomas serve também para aqueles que usam a testosterona como justificativa para um comportamento mais agressivo e uma sexualidade mais impulsiva por parte dos homens. Cultura, socialização e condições de vida são tão ou mais importantes que os hormônios no que tange à sexualidade e à violência – o que permite inclusive questionar a castração química como solução para o abuso sexual no Brasil.

Testosterona, envelhecimento e andropausa

Médicos chamam de Síndrome de Deficiência de Testosterona (SDT) uma situação em que “baixos” níveis de testosterona na terceira idade estão associados a sintomas mais ou menos específicos – como fadiga, que se confunde com depressão, e perda de massa muscular, que pode se dever a desnutrição. As alterações se reverteriam com a administração do hormônio, de modo que não só os que puxam ferro, mas também aqueles que já deram duro, se beneficiariam das testosteronas sintéticas.

No entanto, a má correlação entre sintomas ou questões de saúde (como vitalidade e função física) e níveis de hormônio fica ainda mais fraca entre os idosos, com incerteza sobre que níveis deveriam ser considerados baixos nessa faixa etária (é comum que a testosterona diminua com o passar dos anos) e grande variação nas estimativas de quantos homens sofrem de deficiência hormonal.

Ou seja, idosos com testosterona “normal” podem apresentar sintomas de andropausa ou deprimir na velhice, e homens com testosterona “baixa” podem envelhecer sem problemas.

Aqueles que fazem reposição hormonal, entretanto, parecem correr um risco maior de infarto e de câncer de próstata.

Testosterona e alimentos

Quem nunca viu esse tipo de imagem pela internet, né? Muita calma, vamos conversar primeiro.

A nutrição funcional tem se tornado popular no Brasil, e cada vez mais pessoas identificam sua comida pelos benefícios à saúde e não pelo gosto ou modo de preparo. Certa vez, em uma feira de produtores rurais, perguntei a uma senhora sobre uma fruta que ela vendia e eu não conhecia – parecia uma mistura de chuchu com maxixe. Ela disse um nome curto (que já esqueci) e apontou um folheto plastificado listando suas propriedades, como “fonte de vitamina X” e “rico em sal mineral Y”. “Só queria saber que gosto tinha”, saí a pensar.

Sendo difícil relacionar problemas ou melhorias na saúde a determinados níveis de hormônio, não faz muito sentido tentar aumentar a testosterona através da ingestão de alimentos específicos.

Mesmo que um nutriente fosse capaz disso, o aumento não necessariamente refletiria em mais disposição ou melhor atividade sexual, por exemplo. Aqueles interessados na saúde reprodutiva em geral podem incluir fontes de vitamina D (como peixe, leite e derivados) e E (como vegetais verde-escuros, sementes oleaginosas, ovo e fígado) em seus cardápios e exposição solar em sua rotina – como quase todo mundo deveria.

No mesmo sentido, a atividade física aumenta os níveis do hormônio no sangue, como um pedido do organismo para mais disposição – na medida em que ele precisa, não na que nós escolhemos.

Mas o que significa essa testosterona baixa no meu exame de sangue?

Sempre que alguém me pergunta o que significa um determinado exame alterado, ouve a mesma réplica: “por que você o fez?”. Não se trata de deferência ao cânone médico nem de reforço da autoridade profissional, mas de uma exigência inegociável para uma resposta precisa. Por exemplo, leucócitos pouco abaixo do normal em uma pessoa saudável pode ser apenas uma variação individual; já em alguém que tem infecções de repetição, é algo a ser investigado. Não basta saber que exame a pessoa tem, mas que pessoa tem aquele exame.

A essa altura, já deve ter ficado claro que a dosagem de testosterona não deveria fazer parte de exames de rotina. Se você deu o azar de fazê-lo desnecessariamente e descobriu que o hormônio está um pouco baixo, mas você não sente nada – está satisfeito com sua sexualidade, acha que sua forma física corresponde aos seus hábitos, tem disposição para fazer suas coisas – apenas ignore o exame.

“Normalizar” a testosterona de um homem saudável não torna sua vida melhor. Por outro lado, se você tem algum dos problemas que apontamos nesse texto, converse com um médico, para que entendam juntos a relação entre o hormônio e suas queixas.

A reposição de testosterona pode trazer saúde para alguns indivíduos, mas para muitos é desnecessária, ineficiente e potencialmente danosa.

Infelizmente, mesmo médicos bem-intencionados às vezes absorvem informações produzidas por fabricantes de medicamentos e as repassam a seus pacientes e na mídia.

Trinta e três anos depois de Rocky IV, a indústria farmacêutica parece um símbolo de ganância e jogo sujo melhor que Ivan Drago – e com uma torcida cada vez maior.

* * *

Nota do autor: Olá, pessoal! Como vocês já sabem, sou médico e estou escrevendo aqui na coluna Consultório, de duas em duas semanas, às terças. Dessa vez, tive alguns imprevistos e não pude publicar ontem, mas aqui está o texto. ;)

A ideia é que a nossa coluna atenda às dúvidas e perguntas sobre saúde do homem que surgirem aqui nos comentários, mas também estamos monitorando as buscas que trazem acessos ao site (Google, confessionário da vida moderna) e, se não quiser se indentificar, pode mandar perguntas para o meu e-mail: aadmodesto@gmail.com.

Abraços e até daqui a 15 dias!


publicado em 25 de Julho de 2018, 12:19
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Antônio Modesto

Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.


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