Um ano sem a timeline do Facebook

O que acontece quando você se tranca do lado de fora da timeline do Facebook?

Era uma terça-feira à noite quando pensei sobre isso pela primeira vez. Mas não é uma ideia recente, foi mais ou menos em 2012 quando comecei a me questionar sobre os problemas da imersão nas redes sociais.

Eu estava deitado, pronto para dormir desde às 22:00h, mas já era uma da manhã e eu continuava rolando a infinita timeline do Facebook. Nada de novo aparecia, na maior parte do tempo eram apenas postagens repetidas que eu já tinha visto dezenas de outras vezes. Qualquer pessoa cairia no profundo tédio repetindo esta rotina se às vezes não surgisse algo novo, algo que nos desse uma rápida e imediata sensação de prazer.

Assim que veio o estalo, ficou claro que eu estava ali, saltando entre pequenas doses de satisfação ao longo do dia, muitas vezes prejudicando atividades importantes pela simples vontade de ler o próximo post que talvez fosse mudar o mundo, mas que nunca - nunca mesmo - mudou.

Apesar de notar os danos de passar tanto tempo navegando pelo Facebook, apenas ano passado decidi tomar uma atitude. Eu queria simplesmente deletar minha conta, mas como escritor, uma das melhores formas de manter o contato com as pessoas que acompanham meu trabalho é divulgando meus textos por lá.

Minha saída foi eliminar todo o conteúdo que recebia, diretamente, assim eu poderia simplesmente compartilhar meu trabalho e responder as mensagens dos leitores pelo chat.

A ideia inicial era instalar uma ferramenta que removesse a timeline, impedindo que as informações fossem apresentadas. O problema deste método era basicamente a facilidade em controlá-lo, eu também poderia continuar lendo o newsfeed pelo celular.

Então decidi “descurtir” todas as páginas que eu seguia, também deixando de seguir todos os meus “amigos”, um a um. Perdi algumas horas para fazer tudo isso, mas o resultado foi o mais próximo do ideal.

Este texto é meu relato de um ano sem receber informações pela newsfeed do Facebook. Mas antes de explicar os resultados positivos, preciso falar um pouco sobre os problemas que identifiquei.

Eu estava viciado

Se a introdução acima soou para você como um relato de um viciado em drogas, você não está enganado. Alguns estudos recentes apontam que o uso do Facebook está ligado diretamente ao centro de recompensa do cérebro, agindo de forma similar à cocaína.

Muitos são os mecanismos que as empresas utilizam para nos manter engajados em seus produtos. Nada disso é acidental, existe muito investimento e pesquisa para descobrir como atrair mais usuários e aumentar seu tempo de engajamento.

Segundo Nir Eyal, autor de Hooked: como construir produtos formadores de hábitos:

“Sites sociais como o Facebook “prendem” as pessoas utilizando quatro elementos: um gatilho, como solidão, tédio ou estresse; uma ação, como o ato de logar no Facebook; uma imprevisível ou variável recompensa, como descer a barra de rolagem do newsfeed passando por um mix de coisinhas divertidas e entediantes; e um investimento, que inclui postar fotos ou curtir a atualização de status de outras pessoas.”

Apesar do texto ser um relato pessoal, os sintomas aqui não se aplicam exclusivamente a mim. Pelo contrário, os estudos nos mostram que os problemas são cada vez mais comuns.

Eu estava perdendo tempo

Como mencionei antes, o que nos prende ao Facebook são as pequenas doses de satisfação que nos fazem continuar buscando cada vez mais este sentimento de recompensa.

Só neste ponto, podemos lembrar de quantas vezes ao dia levamos nossa mão ao bolso para pegar o celular e dar aquela rápida passada de olhos pelo newsfeed: Entrou no elevador? Ficou sozinho na mesa do almoço? Sentou no Uber? Namorado entrou no provador para experimentar algumas roupas? Certamente você consegue lembrar alguma situação recorrente na qual sempre puxa o celular para verificar o que está acontecendo no mundo digital. Já parece até um movimento natural para nós.

No entanto, não utilizamos o Facebook apenas em nossos períodos de pausa, mas pelo mecanismo do vício, tendemos a trazer estes hábitos para momentos importantes do nosso dia, em situações onde não deveríamos estar distraídos, afetando trabalho e estudo.

Todo esse mecanismo faz com que o uso exagerado não seja apenas uma questão de administrar melhor tempo, porque como vimos, não estamos ativamente buscando consumir mais conteúdo, a dinâmica estabelecida pelo site faz com que essa deixe de ser uma escolha consciente, mas um ato cada vez mais impulsivo. Estamos sendo condicionados a um sistema de gratificação, da mesma forma que treinamos cachorros para responder comandos.

Eu estava numa bolha

Os algoritmos presentes na internet estão cada vez melhores em identificar o que você gosta. Tudo o que você clica, curte ou acessa se transforma em dados para que o site possa te mostrar informações cada vez mais personalizadas. Como se não bastasse, nós ativamente assumimos a postura de nos engajar apenas em grupos e páginas que confirmem nossa própria visão de mundo, apenas confirmando tudo o que achamos ser verdadeiro, sem visões opostas.

Se você gosta do partido azul, é bem provável que curtas páginas, participe de grupos e engaje em posts que favoreçam o seu ideal, recebendo cada vez mais notícias e informações que reforcem sua posição política. O mesmo acontece com as pessoas do partido vermelho, o conteúdo que será apresentado para elas servirá apenas como validação para sustentar a os conceitos que já possuem.

É interessante quando observamos o choque de realidade acontecendo, o momento onde as duas visões conflitantes se encontram e ambas dizem: “você não viu? o Facebook inteiro estava falando X” enquanto a outra responde “O que? você só pode estar maluco, todo mundo no Facebook dizia era Y”

O fato é que a forma como consumimos conteúdo nas redes sociais nos torna limitados. Estamos reforçando as camadas de nossa bolha e, à partir delas, o que estamos vendo parece ser tudo o que existe, nada além daquilo pode ser verdade.

Eu estava ficando triste

Redes sociais são um recorte do melhor que temos na vida. Escolhemos a foto que estamos mais bonitos, as ideias que mais chamam atenção e compartilhamos apenas os momentos que mais nos orgulhamos.

Mesmo sendo óbvio que a maioria das pessoas não postarão o pão com manteiga da padoca do seu Zé, selfie entrando no ônibus lotado às 18:00h e foto do copo descartável do cafezinho que você compra na saída do metro 5:30 da manhã indo para a batalha, nossa percepção não entende isso tão bem. O que acaba acontecendo é a ideia de que todo mundo leva uma vida divertida e agitada, menos - é claro - a gente.

Tal seletividade de momentos positivos nos faz acreditar que sair todos os dias, ter dezenas de amigos divertidos que nos acompanham em várias festas e, pior ainda, que devemos compartilhar tudo de bom que fazemos, é o normal.

Essa demanda por ilustrar nossa vida como uma versão de Curtindo a Vida Adoidado nos faz criar momentos falsos, que muitas vezes nem queremos, só para nossa vida parecer mais interessante aos olhos dos outros.

Minhas relações estavam sendo prejudicadas

Nos últimos 3 anos passamos por um intenso momento da história política do Brasil. Desde os protestos de 2013 os conflitos ideológicos foram se fortalecendo a ponto de se tornar impossível conversar sobre política com amigos próximos e familiares. Todos estamos sustentando visões extremas, com discursos inflamados e agressivos.

Quando conversamos pessoalmente, ainda existe a possibilidade - nem sempre acontece - de entender que uma opinião fragilizou a relação, dando oportunidade de contornar o conflito de forma mais branda, buscando um meio termo para o embate.

Na internet a dinâmica acontece diferente. Ao ser conflitado sobre um argumento, tendemos a reagir de forma mais defensiva e sem a chance de nos conectar com o outro lado, já que que a caixa de comentários, para nós, é praticamente um palco para espectadores. Nosso discurso inflamado é amplificado e os danos dificilmente remediados. Pior ainda, aquele amigo que ficou chateado por ler algo que você disse dificilmente terá a chance de saber quando você mudou de opinião, o contato já está cortado.

Quase todo mundo que conheço perdeu recentemente um amigo discutindo ativamente pelo Facebook ou simplesmente por ter lido algo repulsivo que a pessoa postou em sua timeline.

O que mudou em um ano

A primeira e mais forte mudança ao longo de um ano sem ler posts no Facebook foi o desaparecimento da linha da verdade.

Pode parecer estranho e até ruim, mas não saber onde está a linha da verdade me fez ser mais receptivo com visões opostas a minha. Não tenho tanto conteúdo reforçando minhas crenças e acidentalmente acabo consumindo ideias que argumentam contra minhas posições prévias. Com isso, minha visão sobre o modelo político mudou drasticamente em um ano, não sei se para melhor ou pior, mas pelo menos para um modelo mais flexível e compreensível.

Em contrapartida, eu não sei nada do que está acontecendo com a vida de outras pessoas. Não faço ideia onde fulano esteve no último final de semana, das viagens que sicrano fez pela Europa ou das baladas que beltrano vai todos os dias. Este também é um ponto de conflito, com muita frequência pessoas próximas a mim reclamam que nunca leio o que elas postam. Já me falaram várias vezes para seguir pelo menos os amigos mais próximos, mas para mim isso quebraria toda a ideia.

Mas ao contrário do que possa parecer, pude de me reconectar com pessoas que estavam bem distantes. Não voltamos a ser melhores amigos, mas a relação deixou de ser uma observação passiva do que é compartilhado, para conversas ocasionais um pouco mais substanciais. Não receber atualizações sobre tudo que os amigos fazem gera curiosidade de ir atrás e perguntar, de estabelecer um contato mais real.

Um dos pontos mais importantes em tudo isso, foi que meu humor deixou de oscilar baseado na polêmica da semana. E como alguém que se tornou um observador, uma opinião fora do sistema, ver como a timeline do Facebook afeta a felicidade das pessoas é assustador. Mesmo quando sei que uma polêmica está acontecendo, por não ser bombardeado de opiniões, meu humor acaba não sendo afetado.

Nem tudo é positivo

Como você deve imaginar, nem tudo são flores. Da mesma forma forma que o Facebook nos coloca numa bolha de informação, sair desse fluxo te isola numa outra bolha. Apesar de - para mim - parecer menos nocivo, é frequente não saber saber de algo que é importante para alguém, não tomar conhecimento de conquistas de pessoas que você admira e gostaria de parabenizar e até eventos que você gostaria de participar.

As conversas de boteco costumam girar em torno das polêmicas que circulam nas redes sociais. É muito comum chegar numa mesa de amigos e não estar por dentro do que está sendo discutido.

Às vezes fico entediado e gostaria de ter minha timeline de volta, só para os momentos que não tenho nada para fazer. No começo ainda visitava alguns perfis para ver como estavam as coisas, mas hoje não tenho mais animo para isso.

* * *

Eliminar a enxurrada de conteúdo que inunda nosso cotidiano tem sido uma experiência muito proveitosa. Apesar de alguns pontos negativos, essa economia de atenção me permite pensar com mais clareza e sofrer menos os danos causados por essa impulsividade de consumir redes sociais.

E você? Qual sua relação com as redes sociais e como você faz para desviar de tanto ruído?

Compartilhe sua estratégia, eu quero saber.


publicado em 10 de Outubro de 2016, 17:21
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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