A Casa Samambaia é um lugar pra chamar de nosso

Inspiração para abrir as portas da sua casa e ser feliz

Durante muitos anos eu sonhei em ter minha casa e morar sozinha. Até que um dia, esse dia chegou.

Foi uma conquista (e ainda é), mas em algum momento, comecei a perceber que eu estava me tornando uma pessoa cheia de manias e “apegada às coisas que eu conquistei com tanto trabalho”.

Não sei dizer exatamente quando, mas percebi que esse discurso não combinava comigo.

Percebi, também, que eu estava vivendo em um pequeno círculo, dando voltas para chegar no mesmo lugar e com acesso limitado ao mesmo mundo -  com as mesmas conversas e referências de sempre. Eu ouvia os mesmos sons, ia aos mesmos bares e olhava para o lado e só via publicitários. (nada contra, mas a vida vai além desse mundo de agência ou de trabalho.)

Sabe aquela frase que diz “quanto mais interesses você tem, mais interessante você se torna”? Esse foi meu ponto de partida.

Então, há mais ou menos 5 anos, conheci o Couchsurfing, um site que conecta pessoas do mundo inteiro que desejam viajar e conseguir hospedagem na casa de um local sem pagar nada por isso.

Mas não é só uma maneira de encontrar um lugar para dormir de graça. O legal é a troca de experiências.

Foto: Rodrigo Ladeira

Mais tarde, fiz um financiamento de um apê e resolvi continuar hospedando pessoas, mas por um valor de troca para ajudar nas contas.

A plataforma que encontrei para isso foi o Airbnb, um site da Califórnia que reúne lugares do mundo inteiro para você se hospedar. Tem barco, castelo, casa na praia e apartamentos normais. Tem de tudo e de todos os preços.

Desde que abri a minha casa, um novo universo se abriu pra mim. Conheci irmãos de alma, aprendi novas formas de cozinhar, decorei palavras em outros idiomas. Dancei novas músicas, virei madrugadas conversando.

Não posso deixar de falar da Julie, a segunda gringa com quem morei. Ela era um arroz de festa, enquanto eu era um caramujo preguiçoso. Ela podia cozinhar por horas, e eu cozinhava coisas mais rápidas. Eu dormia, ela acordava. Até que me vi sendo transformada por ela. Era a Julie que me levava em lugares que eu nunca tinha ido.

Lembro que em pleno inverno ela resolveu fazer uma “festa praia” com uns amigos. Em um frio de 5 graus, eles encheram uma piscina de plástico e um quarto de areia. E sim, eles vestiram trajes de banho. Não tem como conviver com uma pessoa assim e não ser rapidamente contaminada positivamente. Sempre que encontro a Julie, tenho a certeza que a gente vai se ver de novo. Nós nunca pensamos que será a última vez.

Tenho sorte de ter conhecido a Nadja, a alemã mais francesa que existe. Moramos 6 meses juntas e nunca, nunca, brigamos. Não existiu o dia em que eu queria chegar em casa e ir direto para o quarto.

A gente adorava tomar um chá antes de dormir para contar sobre o dia e fazíamos jantares maravilhosos só para nós duas. Ensaiamos a música Casa Caiada do Mombojó em looping infinito.

Ela cheia de sotaque, errando todas as palavras. Lembro um dia que ela estava puta porque não conseguia falar português. Eu disse:  "Calma, você precisa desligar a chave dos outros idiomas". E ela respondeu: "Eu odêo esse chavo de merda".

Milena, alemã que parecia a mais alemã e, no fundo, é a latina mais latina. Ela é uma artista, e até fez um zine do tempo que passou aqui.

Um dia, ela me disse (muito emocionada) que o tempo no Brasil fez com que ela se sentisse mais confiante e mais bonita. Combinamos de andar de coroa em casa para sermos rainhas. Não durou muito, mas tiramos uma onda e o aprendizado ficou: ter a autoestima lá em cima, sempre.

Milena
Rainhas

Eu sei, o texto tá grande. Mas preciso falar do Andrew, o americano mais incrível que já habitou a terra. Criamos um hábito de dançar de manhã, ainda de pijamas. O Andrew foi a pessoa que me fez perceber que eu realmente tinha me tornado mais calma.

Esse é o Andrew

Um dia, ele voltou bêbado e conseguiu fazer todos os barulhos possíveis até eu acordar. No dia seguinte, levanto para trabalhar e a casa está CHEIA de fumaça. Ele tinha deixado a panela no fogo durante horas e a cozinha estava uma zona. Dessa vez, eu realmente achei que ia brigar com ele e entrei no quarto para avisar que ele tinha que limpar tudo.

Quando olhei aquela carinha de bêbado todo enrolado na coberta, não tive coragem. Saí de casa rindo. É, eu tinha mudado.

Quando a semana que ele ia embora para os Estados Unidos estava se aproximando, comecei a ficar muito mal. Mas, por sorte do Universo, o Airbnb me escolheu para ir para a Califórnia em um evento que reuniu 1.500 pessoas do mundo inteiro. Adivinha? Cheguei na casa do Andrew 1 dia depois que ele voltou do Brasil. E não parou por aí: levei ele para passear no escritório do Airbnb e hoje, é lá que ele trabalha.

Quando fui convidada para este evento em San Francisco, fiquei pensando em como impactar as pessoas especiais que eu encontraria no caminho.

Foi quando resolvi fazer cópias reais da chave da minha casa, com o convite para acessar um vídeo que mostrava o que essa chave abriria.

Link Youtube

Depois de toda essa experiência, veio uma oportunidade: me mudar pra casa que sempre pirei na minha cidade. Uma casa que fica no topo de um prédio da década de 50.

Mas eu sabia que sozinha eu nunca ia conseguir pagar aquele lugar. E sabia também que aquela casa não era pra eu viver sozinha. Era a casa que todo mundo que conheço já quis entrar. Essa casa tinha que ser minha, pra depois ser nossa.

Assim surgiu, há 6 meses, a Samambaia.

Tcharã!

O primeiro passo para alugar, foi encontrar alguém que quisesse trabalhar na casa durante o dia enquanto eu estou fora (trabalho das 9h às 19h, carteira assinada). Assim, os custos seriam diluídos e a casa não ficaria tão pouco utilizada. Fui tomar um vinho com a Carol Reine, que estava procurando um lugar para trampar. Naquela noite, tivemos mil ideias de como fazer um espaço ser usado em seu máximo potencial. De palestra a hospital de plantas.

Sabíamos que não ia dar pra fazer tudo, afinal, eu moro lá e também preciso dormir. Mas só de ter um canto pra colocar alguns projetos na prática já valeria a pena. Só de ter a chance de viver um modelo novo e de experimentar uma vivência diferente, era o suficiente para assinar o contrato.

Faz só 6 meses. E acho que o principal aprendizado até então, é que nem tudo é uma questão de ter dinheiro para fazer e nem tudo é feito apenas para ganhar dinheiro.

O dia da mudança reuniu em torno de 30 pessoas, que se dividiram em turma da limpeza, pintura, jardinagem, etc. Até patrocínio de tintas Renner a gente conseguiu.

O mutirão

Sabe a emoção que eu senti quando ganhei a viagem do Airbnb? Senti a mesma coisa ao ver um monte de gente ao meu redor pronto para me ajudar pelo simples fato de querer ajudar em uma tarde de sábado.

Não sei quanto tempo isso vai durar, nem o que vai acontecer. Quando me perguntam o que é a Samambaia, ainda não sei responder.

Não é só uma casa, mas também não é um negócio. Não é um coworking, nem um lugar de eventos. Acho que nem toda ideia precisa ter um nome ou uma categoria.

É um espaço lindo, único, colorido e inspirador. Mas é mais do que isso.

Se não fossem as pessoas que circulam por ali, seria um lugar lindo, mas vazio.

Por isso, talvez, a partir de hoje, eu deva responder que a Samambaia é o lugar onde, pra mim, entram as pessoas mais fodas do planeta.

E, se tem uma coisa que posso recomendar, hoje, pra todo mundo que deseja ser um pouco mais feliz, é: abra as portas da sua casa.


publicado em 25 de Outubro de 2015, 13:14
Bruna

Bruna Castro

Compartilha a casa com o mundo e divide suas histórias no blog Abra a Janela. Não sabe qual é sua profissão, mas já é quase profissional na arte de receber pessoas.


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