A história do Rio, em uma escola

Dá pra traçar a história política da cidade do Rio de Janeiro em uma única escola: do longo declínio pós-1960 (quando deixou de ser a capital do Brasil), até o entusiasmo pré-olímpico de 2013, passando pelo fundo do poço da virada do século.

Escola Municipal Marília de Dirceu, na Jangadeiros com Barão da Torre, ao lado da praça General Osório, ao pé do Cantagalo, coração de Ipanema, ali onde asfalto e favela se encontram, síntese das contradições sociais, raciais, econômicas do Brasil.

Gomes Carneiro com Vieira Souto, em Ipanema. Atrás, o Arpoador. Década de 60.
Gomes Carneiro com Vieira Souto, em Ipanema. Atrás, o Arpoador. Década de 60.

Eleições municipais de 2012. Eduardo Paes levou a cidade de lavada e, para o bem ou para o mal, será o prefeito dos Jogos Olímpicos 2016. E eu ali, de mesário voluntário, presidindo uma seção com eleitores da orla e da favela.

E entra um senhor, bem-alimentado e robusto, classe média alta, bermuda da Richard's e mocassins sem meia, sessenta e poucos, que olha em volta com nostalgia e tristeza, e então diz para sua companheira:

"Estudei aqui na década de sessenta. Que diferença, viu? Essa escola era linda. Super equipada, os melhores professores, os melhores alunos. Os filhos de todos os artistas e políticos de Ipanema estudavam comigo, dava gosto de ver. Depois, a gente saía da aula, passava no boteco, tudo moleque ainda, e encontrava Tom, Vinícius, João e um violão, nunca esqueço. Agora, olha só que decadência. Cadeiras velhas, pintura descascando, tudo caindo aos pedaços. É por isso que a classe média não pode mais colocar os filhos na escola pública!"

A PM do Rio é só amor.
A PM do Rio é só amor.

E entra um moço, negro e magro, trinta e poucos, vestido de praia, areia subindo pelas pernas, e ele olha em volta com maravilha e interesse, e então diz para sua companheira:

"Estudei aqui faz uns dez anos. Que diferença, viu? Essa escola era horrível. Tudo fodido, nada funcionava, mal tinha aluno, só professor de má vontade. Enquanto isso, o morro em pé de guerra, os amigos todos indo pro tráfico, uns matando os outros, morrendo que nem mosca. Agora, olha só que beleza. Metrô na porta, elevador pra descer e subir de casa, carteiras bonitinhas, paredes pintadinhas, os trabalhos dos alunos pendurados, parece até que rola aula de verdade. O Pedrinho vai estudar é aqui mesmo."

* * *

Nem tudo são flores no Rio de Janeiro. As obras olímpicas já têm vítimas que precisam ser ouvidas. Mas, andando pelas ruas e conversando com os cariocas, moradores de uma cidade há meio século em lenta e contínua decadência, é a primeira vez que ouço uma nota diferente na voz das pessoas: esperança.


publicado em 17 de Agosto de 2013, 08:50
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Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha vídeo-biografia, me siga no facebook, assine minha newsletter.


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