Blues: O Blues e os Plágios do Led Zeppelin

Vamos analisar as canções da banda inglesa que vieram do Blues

Vamos entrar em polêmica. Atualmente, a notícia de que o Led Zeppelin está sendo processado por plágio a respeito da música Stairway to Heaven tem dominado as páginas musicais.

Fãs mais novos certamente se chocaram com a notícia — afinal, trata-se de uma das maiores e mais emblemáticas canções da história do rock. Entretanto, quem acompanha música há mais tempo sabe que isso não é novidade. O Led Zeppelin coleciona acusações de plágio em diversas de suas músicas.

Eles certamente não são os primeiros a passar por isso. Bandas já tomaram riffs de outras, ou pegaram emprestado refrões inteiros. Mas, se pensarmos apenas em bandas gigantes, o grupo liderado por Jimmy Page parece ser pródigo nesse assunto, já que sua coleção de plágios (e acusações de plágio) é, certamente, a maior da história do rock. Não se tratam de dois ou três casos, mas sim dezenas de canções que já tiveram sua autenticidade comprovada — mesmo a história de Stairway to Heaven, que copiaria a abertura da banda Taurus, é antiga.

Page, Bonham, Plant, Jones: quatro monstros do rock e duas figuras não exatamente éticas

Para mim, o grande argumento contra a banda não está no fato de que muitos desses casos pararam na justiça, e sim que a banda fez acordos na porta do tribunal, antes do julgamento. O fato da banda nem tentar se defender parece mais que o processo em si. E, evidentemente, tudo recai sobre os principais compositores da banda: o vocalista Robert Plant e (principalmente) o guitarrista Jimmy Page.

Enfim, vamos falar de blues. Como muita gente sabe, a maior parte dos plágios do Led Zeppelin dizem respeito a grandes nomes do blues que tiveram suas músicas (sejam trechos ou canções inteiras) usadas pelo Led Zeppelin sem crédito algum.

Mas é preciso deixar a histeria de lado. Existem casos que eu considero exagerados.

Hats Off to (Roy) Harper, por exemplo, tem trechos de diversos blues dos anos 20 e 30. A música me parece realmente uma homenagem pois — até onde sei — não foi construída com base em nenhuma música específica; é uma canção nova que costura versos diferentes de muitos artistas.

When the Leeve Breaks é um caso que me parece mais imbecilidade da banda que má-fé. A música foi composta pelo blueseiro Kansas Joe McCoy e por Memphis Minnie (uma das poucas mulheres que se aventuravam a tocar guitarra na época do blues acústico). Entretanto, a banda creditou como autores Bonham, Jones, Minnie, Page, Plant. Ou seja, McCoy ficou de fora — mas, convenhamos, se a ideia da banda fosse plagiar a música, Minnie não estaria creditada.

Entretanto, em muitos casos o plágio me parece indiscutível. Separei cinco deles — evidentemente, todos ligados ao blues. Evidentemente, é preciso de um ouvido minimamente sensível para identificar as semelhanças entre as músicas. Por outro lado, algumas, mesmo com diferenças de arranjo musical, são evidentes.

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How Many More Times (1969)

Em 1992, Page deu uma entrevista dizendo que essa canção “foi feita de pequenos trechos que eu criei enquanto estava nos Yardbirds, a exemplo de outros trabalhos como Dazed and Confused”. Aparentemente, ele não citou que todos esses trechos eram, na verdade, criações de outros artistas.

Em 1951, Howlin’ Wolf estava no Memphis. Seu nome entraria para a história do blues anos depois, depois da mudança para Chicago, em 1953. Mas mesmo em Memphis ele já compunha e lançava grandes trabalhos, como é o caso de How Many More Years, lançada em 1951 e que chegou ao quarto lugar nas paradas de R&B.

A semelhança entre a música de Wolf e do Led Zeppelin vai além do nome e mergulha nos vocais de Plant, mas a história piora ainda mais. Afinal, How Many More Times tem um trecho que não se assemelha nada a How Many More Years. Ou seja, havia uma parte totalmente composta pela banda, certo? Errado, já que esse trecho chupa diretamente a música The Hunter, de Albert King. São duas músicas plagiadas em uma.

Poderia ser uma homenagem? Claro. Mas chega a ser estranho você ter ídolos a ponto de homenageá-los em seu trabalho e, ao mesmo tempo, sequer creditá-los. Como eu disse acima, Page afirmou que compôs a música usando trechos que compôs ao longo dos anos e usa como exemplo desse processo criativo a clássica Dazed and Confused… Acho que o fato da banda ter sido processada por Jake Holmes, cantor folk dos anos 60, o verdadeiro autor de Dazed and Confused, me parece emblemático.

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Whole Lotta Love (1969)

Nos anos 60, Muddy Waters usou a melodia gravada por Earl Hooker e sua banda e cantou uma letra composta por Willie Dixon, um dos maiores compositores da história do blues (era ele quem escrevia a maioria dos sucessos dos astros da gravadora Chess). Nascia, assim, a música You Need Love, que funciona como “base” para Whole Lotta Love. Semelhanças tanto na letra e no ritmo são indisfarçáveis, e o Led foi processado por Dixon — a banda fez um acordo fora do tribunal (hoje, Dixon também é creditado como autor).

Aqui, cabe uma defesa ao Led Zeppelin: o The Small Faces meteu a mão na música de Dixon em seu primeiro disco, de 1966, alterando o título para You Need Loving. Aparentemente, esta foi a versão que “inspirou” Jimmy Page. O problema é que como a música original era de 1962 e os membros do Led Zeppelin eram fãs de blues, é quase impossível que eles não conhecessem a versão gravada por Muddy Waters.

Anos depois, Plant declarou que a respeito desse tipo de coisa “só quem é famoso acaba sendo pego”. Concordo com ele: o Small Faces devia ser processado também. Mas isso não muda o fato da declaração ser escrota, especialmente vindo de alguém que já entrou em tribunais mais de uma vez por esse motivo. Caso interesse, falei mais sobre essa música (comparando trechos da letra nesse texto).

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The Lemon Song (1969)

Em suas primeiras turnês, o Led Zeppelin tocou Killing Floor, de Howlin’ Wolf em diversos shows. A música foi evoluindo nas apresentações — Plant normalmente criava letras na hora, em cima do palco — e acabou se tornando The Lemon Song, que também está em Led Zeppelin II. A autoria creditada no disco? Page e Plant, claro.

O problema é que The Lemon Song nunca evoluiu a ponto de deixar Killing Floor como uma simples influência ou referência. O início da letra é descaradamente copiado. Ou seja, temos uma música construída com base em outra e cujo começo não foi sequer alterado. O nome disso é plágio. O caso também foi parar nos tribunais, em 1972, e o Led Zeppelin, mais uma vez, fez um acordo — Wolf, hoje, também aparece como autor da música.

Algumas pessoas dizem que The Lemon Song possui outros plágios. Um deles faz referência ao arranjo musical usado na versão de Crosscut Saw de Albert King. O outro envolve Robert Johnson, especificamente a frase “você pode apertar meu limão até o suco escorrer pelas minhas pernas”, que está na música Travelling Riverside Blues e se tornou uma espécie de frase-assinatura de Johnson.

Eu discordo. The Lemon Song é construído com trechos de muitas músicas de blues (evidentemente, todos proporcionalmente menores que os de Killing Floor) e Johnson não criou a analogia “limão / órgão sexual” do blues. É mais provável que isso tenha surgido no início dos anos 30, com músicas como I Want it Awful Bad (1929), de Joe Williams e She Squeezed My Lemon (1937), de Roosevelt Sykes. Johnson apenas tornou esse conceito famoso. Não vejo plágio aí.

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Bring it on Home (1969)

Mais um caso que foi parar nos tribunais. É a terceira música do disco Led Zeppelin II a entrar nessa lista, o que me faz pensar como seria a história da banda se este disco tivesse sido lançado hoje, em tempos de internet. Enfim.

O problema foi novamente com a Chess. Aparentemente, a banda quis homenagear um dos seus ídolos, o gaitista Sonny Boy Williamson II (para entender o II do nome, clique aqui para ler a história do primeiro Sonny Boy Williamson). Para isso, escolheram Bring it on Home, canção de 1963, composta por Willie Dixon.

Metade da música é Led Zeppelin puro — e, por “puro”, eu me refiro a genuíno. Entretanto, a introdução e o desfecho da música são copiados da canção original. Em entrevista, Plant disse “que era apenas um pedacinho e que estava lá para homenagear Sonny Boy”. Assim como aconteceu em How Many More Years, entretanto, a homenagem não trazia crédito nenhum ao ídolo (ou, ao menos, ao compositor da música interpretada pelo ídolo).

E, diferente do que Plant disse, não era exatamente “um pedacinho”. Graças a um processo movido pela Chess, Willie Dixon é creditado, hoje, como um dos compositores, ao lado de Page e Plant. E, como é padrão na história da banda, a situação se resolveu com um acordo na porta do tribunal.

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O ano era 1927 quando o texano Blind Willie Johnson gravou It’s Nobody Fault But Mine. Apesar de ser o primeiro a gravar a canção, tratava-se de uma música tradicional, ou seja, aquelas composições que não possuem autor definido (usando termos românticos, seria uma música “do povo”).

Johnson era extremamente religioso e isso se refletia em suas canções. It’s Nobody Fault But Mine (que tem como lado B do compacto a magistral Dark Was the Night, Cold Was the Ground) fala sobre a leitura da Bíblia como o caminho para a salvação da alma: “se eu não ler [a Bíblia] minha alma será perdida, e a culpa será totalmente minha.”

A canção foi regravada dezenas de vezes. Algumas versões creditavam a canção a Blind Willie Johnson, enquanto outras colocavam apenas “traditional” como crédito (ambas estavam corretas, pois muita gente regravava justamente a versão de Johnson). Uma dessas versões estava no disco Presence (lançado pelo Led Zeppelin em 1976) com o título encurtado para Nobody Fault But Mine.

Em uma entrevista, Page disse que a ideia de gravar um cover da música foi de Robert Plant, que queria até mesmo usar a letra original, “mas o arranjo musical que criei não tinha nada a ver com a canção original”. O conceito original da letra foi mantido, mas o foco “Bíblia” foi mudado para o estilo de vida do Led Zeppelin (sobretudo farras e drogas). Mudanças muito pequenas para justificar o crédito de Page e Plant como autores, como está no disco.

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Como eu disse acima, esses são apenas cinco casos ligados ao blues. A história de plágios do Led Zeppelin é mais extensa. Eu não acredito que isso coloque o talento da banda em xeque. Eu ainda continuo achando o som da banda poderosíssimo e certamente nada irá apagar — talvez apenas manchar — a importância da banda. Mas, desde que conheci essas histórias, confesso que tenho sim fortes ressalvas a respeito da dupla Page e Plant.

E claro que é sempre difícil lidar com os fãs da banda a respeito desse assunto — aí a “polêmica” que eu citei no comecinho do texto. Certa vez abordei isso no Twitter e um garoto de uns 18 anos me apresentou um argumento emblemático, que era algo como “você deve ser fã de pagode, seu filho da puta!”. Eu poderia dizer a ele que tenho todos os CDs do Led em casa — CDs, mesmo, comprados em loja — mas não valia a pena.

Mas quando se trata do blues, acho que vale a pena levantar essas questões — e sempre levando em conta que o blues tem muitas histórias que poderiam ser parecidas, se não fosse pelo contexto.

No Mississippi dos anos 30, por exemplo, músicos roubavam riffs e versos dos companheiros o tempo inteiro. Não era visto como plágio; muitas vezes, eram companheiros que se cruzavam em bares e estradas e trocavam “segredos”. Às vezes roubava-se algo do rádio, que tocava as músicas das grandes cidades, e inseria isso nas músicas tocadas em espeluncas no campo.

Hoje, isso seria visto como plágio. Mas chamar isso de plágio naquela época seria o mesmo que dizer que a troca de fitas K-7 de heavy metal no começo dos anos 80 era pirataria. Muitas bandas (mesmo o Metallica, que depois renegaria seu próprio passado ao atacar o Napster) não existiriam sem isso, assim como blues não seria o mesmo sem aquela troca de canções e versos.

Mas o caso do Led Zeppelin é diferente. Ali não havia uma troca, e sim uma banda se aproveitando de nomes do passado. E caso a gente coloque isso em contexto, dizendo que “eram outros tempos”, o crime se torna ainda maior. O Cream, contemporâneo do Led, regravou I’m Glad e Eric Clapton fez questão de que Skip James recebesse os direitos autorais da canção, cuidando pessoalmente disso. É uma questão de caráter, mas também de amor. Clapton ama o blues assumidamente e é o primeiro a promover os grandes nomes do passado.

Page é diferente. Eu acredito que Page ame a música blues, mas não o blues como conceito, como elemento social, como qualquer coisa que você puder imaginar. Clapton ama o que o blues significa, mas Page parece ter um tipo de amor um pouco diferente — e certamente menos ético. Page ama o blues que pode usar em seu próprio benefício.

E isso está longe de ser amor.

* * *

Obs.: Este texto foi originalmente publicado na série Sábado de Blues, lá no Medium do autor, Rob Gordon, que sai - pasmem - todos os sábados.


publicado em 16 de Fevereiro de 2017, 00:00
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Rob Gordon

Rob Gordon é publicitário por formação, jornalista por vocação e escritor por teimosia. Criador dos blogs Championship Vinyl e Championship Chronicles.


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