Decifrando as listas de livros mais vendidos no Brasil

As pesquisas feitas nos últimos anos sobre a leitura no Brasil mostraram que os índices ainda não alcançaram números que possam nos deixar orgulhosos. Porém, com essas informações, podemos adotar duas posturas.

A primeira é pessimista e reclama que os brasileiros não gostam de ler e isso é trágico. A segunda é otimista e vê com bons olhos esse números, já que, se pouca gente está lendo, então o potencial de leitura é bastante grande e os índices só tendem a aumentar exponencialmente com o tempo.

De qualquer forma, esse texto não foi escrito para avaliar a quantidade de carinho que os brasileiros têm pelos livros, mas sim para refletir sobre como esse público define quais livros quer ler de acordo com os lançamentos colocados principalmente nas livrarias, ou seja, aqueles que figuram nas listas dos mais vendidos. Nesse caso, também precisaremos analisar os livros que não entram nessas listas, mas que também vendem dezenas de milhares de livros e se tornam fenômenos comerciais no Brasil.

Mas vamos por partes.

As principais listas dos livros mais vendidos

veja
Lista dos mais vendidos da Revista Veja

Diferente de outros países com índices de leitura mais altos, no Brasil temos poucas fontes confiáveis para verificar quais livros vendem mais em determinado período. Como duas listas principais, podemos citar a lista da revista Veja -- que sai tanto na versão impressa quanto on-line -- e do  principal portal de mercado editorial no país que é o Publishnews.

Nessas duas fontes, os leitores interessados poderão descobrir quais livros estão fazendo sucesso naquela semana ou quinzena. Além disso, tanto a revista Veja quanto o Publishnews separam suas listas em categorias como geral, ficção, não ficção, autoajuda, infantojuvenil e outros.

Correndo por fora estão as listas das próprias livrarias, que costumam divulgar os livros que mais vendem em suas lojas, sendo as principais a Saraiva, a Cultura e a Fnac.

Entretanto, nessas listas, dificilmente os títulos ou a ordem em que eles estão são os mesmos. Nelas predominam títulos e temas diferentes, que se definem a partir do perfil de cada tipo de livraria. Dessa forma, na Saraiva, que tem um foco maior nos best-sellers, o leitor vai encontrar alguns livros que não constam na lista que a Cultura divulga, uma vez que esta última possui um catálogo mais extenso de literatura variada e direciona seu público para um perfil mais “cult”.

É importante dizer que, para as editoras que dependem majoritariamente das vendas em livrarias, entrar na lista da Veja ou do Publishnews é um excelente acontecimento. Dependendo do tamanho da editora, esse acontecimento pode variar entre uma grande conquista e uma disputa acirrada para definir qual selo editorial detém o maior número de livros presentes na lista.

Se os caríssimos leitores tiverem interesse em saber quais são as editoras campeãs de livros mais vendidos, basta acessar o portal Publishnews. Lá, eles organizam rankings semanais, mensais e anuais para atiçar a concorrência entre elas.

Apesar da lista do Publishnews ser importantíssima para balizar os números reais de venda, carregando consigo o respeito de todos os profissionais do setor, ela é feita por um portal direcionado para um mercado específico e, muitas vezes, não alcança o público geral. Para alcançar essa larga fatia de leitores, a lista mais acessada é a da revista Veja e, falando nela, outro ponto interessante a ser levado em consideração é o fato de ser publicada tanto na versão impressa quanto na on-line, fazendo surgir uma pequena diferença entre essas duas publicações.

Seriam então duas vitórias diferentes, já que a versão on-line divulga 20 livros em sua lista, enquanto que a impressa divulga apenas 10. Sendo assim, o maior desafio é entrar na lista da versão impressa, pois além de ainda ser a mais lida, separa, numa analogia simples, os campeões dos retardatários.

Como um livro entra nas listas

Lista dos mais vendidos de 2013 (ficção) da Publishnews
Lista dos mais vendidos de 2013 (ficção) da Publishnews

Para que possa figurar em uma -- ou em todas -- das listas, ele precisa, antes de tudo, vender bastante. E o que significa “vender bastante” nesse mercado. Aí depende muito do período em que foi feita a pesquisa, os livros que estão “bombando” ou dos fenômenos que surgem de vez em quando. Contudo, se for para dizer um número mínimo de exemplares vendidos para um determinado livros entrar na lista, ele seria algo em torno de 1600 a 2000 exemplares semanais.

Com esse número, uma editora já pode começar a torcer para que nenhum outro livro tenha alcançado esse mínimo. Em caso negativo, é só comemorar.

Assim como o mínimo para entrar – ou o vigésimo lugar, dependendo da lista –, o número máximo também vai depender de diversos fatores. Um deles é quem está disputando o título de campeão. Vamos citar um exemplo. Entre 2010 e 2011, o livro Ágape, do padre Marcelo Rossi, ficou mais de um ano no topo das listas, vendendo um total aproximado de 8 milhões de exemplares. Em uma das semanas, foram vendidos mais de 15 mil exemplares.

E como outro livro faria para vencer essa disputa? É uma difícil missão para quem concorre, pois, naquele momento, um total de vendas, que facilmente faria com que um determinado livro ficasse em primeiro lugar, fê-lo estancar na segunda posição, já que o campeão era imbatível.

Uma vez estabelecida a base e o topo dos livros mais vendidos, chegou o momento de falar sobre publicações que também são fenômenos de vendas, mas que não aparecem em nenhuma das listas, pois estas são feitas com base exclusivamente nos números divulgados pelas livrarias. Estou falando de livros, principalmente de literatura fantástica, que são publicados em mercados alternativos e que alcançam tanto, ou mais, sucesso.

É o caso, por exemplo do site Jovem Nerd.

Em 2009, essa febre da internet criou um selo editorial chamado Nerdbooks e como primeira publicação escolheu um livro que se tornaria um sucesso de vendas: “A batalha do apocalipse” de Eduardo Spohr. Reeditado em 2010 e com mais de 400 mil exemplares vendidos o título demorou muito tempo para entrar na lista da revista Veja. Isso porque, antes, as vendas eram feitas na loja virtual do próprio site da Nerdbooks e, por conta das restrições que as listas têm, não eram computadas. Esse problema só foi resolvido quando o livro passou a ser comercializado em pontos tradicionais de venda.

Aí sim “A batalha do apocalipse” começou a receber a devida atenção do mercado e das mídias.

Agora, as tendências

Esse é o "FIM", da Fernanda Torres
Esse é o "FIM", da Fernanda Torres

Tentemos identificar alguma tendências que ocorrem periodicamente ou que já vêm se impregnando no mercado há bastante tempo.

A primeira delas começa com um desafio que faço a vocês leitores. Ele consiste em buscar na internet ou nas revistas quantos livros nacionais constam nas seções de ficção.

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Já?

Eu também fui lá e só encontrei um, que é o Fim, da Fernanda Torres. Em uma sequência de vinte livros, encontrar apenas um título é uma quase que absoluta ausência de livros de ficção nacional sendo comprados e/ou lidos. Esse efeito mostra que, em termos de ficção, o público brasileiro prefere os títulos estrangeiros. O que não aponta, de modo algum, para a baixa qualidade de nossa literatura ficcional.

Pelo contrário, temos ótimos autores escrevendo histórias fabulosas, mas que ainda não conseguiram alcançar seus públicos do modo eficaz.

Acontece que, muitas vezes, os livros estrangeiros ganham adaptações para filmes de Hollywood e recebem uma carga potente de divulgação mundial, ou que possuem campanhas de marketing mais poderosas que as brasileiras. Outro ponto, dessa vez polêmico, pode ser encontrado numa provável falta de sintonia entre o público e os escritores de livros. Salvas algumas exceções, os autores brasileiros, nas últimas décadas, vêm se afastando dos leitores por diversos motivos, que giram em torno de uma academização da literatura e de uma demasiada poetização da prosa. Já os norte-americanos, campeões e fazer livros best-sellers, são especialistas em literaturas bem conectadas com o público.

Obs: nesse ponto é interessante um adendo. Literatura popular, que em alguns casos pode ser best-seller, não deve ser incluída como gênero de baixa literatura. Basta recolher alguns vencedores de prêmios Nobel norte-americanos. Citemos então, Faulkner, Hemingway e Steinbeck. Os três fazem literaturas simples e facilmente acessíveis, mas com uma densidade bastante complexa.

Por outro lado, na seção de não ficção os brasileiros dominam. Dos 20 livros presentas na lista da revista Veja 13 são nacionais. Nesse caso, o esquema é diferente. Livros de não ficção, geralmente possuem temáticas regionalistas e de áreas que o brasileiro já conhece.

Na lista da Veja, há 20 semanas (não consecutivas) no topo de vendas
Na lista da Veja, há 20 semanas (não consecutivas) no topo de vendas

Um exemplo: o bispo Edir Macedo é o primeiro lugar da lista nessa semana. Mas por que ele e não outros bispos evangélicos com livros publicados no mundo todo? Simplesmente pelo fato de que o bispo brasileiro fala sobre situações, problemas, linguagens tipicamente nacionais. Outro exemplo? O brasileiro prefere ler um livro escrito pelo Eike Batista, o ex-bilionário nacional que ficou por algumas semanas na lista dos mais vendidos, a um livro escrito por algum bilionário estrangeiro. Em resumo, na não ficção o lance todo é a temática nacional e de interesse imediato.

Agora faço outro desafio. Quero que os leitores encontrem um livro de poesia nas listas.

Difícil, né?

Isso acontece porque o brasileiro não tem muito costume de consumir poesia, mesmo aqueles autores consagrados do passado. De qualquer forma, foi um dos antigos que capitaneou o mais recente fenômeno de vendas nacionais.

Paulo Leminski, poeta curitibano, faleceu em 1989, mas foi apenas em 2013 que ele conseguiu desbancar o líder de vendas da semana de 11 a 17 de março e assumiu o primeiro lugar da lista da livraria Cultura. E o campeão era nada mais nada menos que Cinquenta tons de cinza.

Situações como essa são constantes e decorrem de motivos que, na maioria das vezes, foge do poder de marketing das editoras.

Antigamente, dizia-se que eram as livrarias que definiam os livros que as pessoas iriam ler. Nos dias atuais, com o acesso fácil às informações, são os leitores que exigem os tipos de leitura que lhes interessam. Para finalizar, cito outro fenômeno interessante. Dessa vez tem a ver com o programa televisivo “Big Brother Brasil”.

Em 2011, a vencedora do reality show foi a Maria Melilo, e o campeão de vendas naquela época foi um livro que ela leu durante o confinamento e que fez toda a sua história dentro da casa mudar. No começo do programa, Maria se apaixonou por um rapaz, que também se interessou por ela, mas logo a dispensou, pois considerava-a vulgar demais.

Ela chorou, sofreu e se deprimiu, pensou até em desistir do programa. Mas eis que um livro transformou sua vida. O nome dele era Deixe os homens aos seus pés. Depois que terminou a leitura, por coincidência ou não, Maria fez aquele rapaz voltar a se interessar por ela, contudo seria a vez dela dispensá-lo. E depois ainda faria mais. Um médico, loiro, bonito e charmoso entrou na casa no meio do programa.

E aconteceu de novo.

O bonitão caiu aos pés de Maria. Pronto. Cenário armado para um campeão de vendas. E foi o que aconteceu.

Muitos dirão que essa foi uma estratégia armada pela editora e pela emissora para vender o livro, mas fontes seguras já me afirmaram que essa foi uma coincidência que caiu do céu, que ninguém esperava, muito menos a editora, que precisou reimprimir às pressas algumas dezenas de milhares de exemplares para atender ao público ensandecido em busca do livro de ouro da conquista.


publicado em 25 de Janeiro de 2014, 22:00
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Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.


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