Psicopatas na folha de pagamento

Numa das abas do Google Chrome, as melhores e maiores empresas brasileiras – o capitalismo nacional em sua plenitude; na outra aba, notícia sobre Occupy Wall Street – a insurreição contra o capitalismo no dito "coração financeiro do mundo". Um mundo cheio de ironias, de fato.

Se fosse em Sesame Street, o movimento popular seria fofo. Mas em Wall Street, a coisa é diferente

No universo corporativo, há proporcionalmente 4 vezes mais psicopatas do que fora dele. Sério. A explicação para isso é simples: para se chegar ao topo da empresa, de fato, deve-se privilegiar traços semelhantes a de assassinos e afins, como agressividade e autoconfiança. É preciso sangue frio para acabar com a concorrência. É preciso mentir.

Há algo de muito errado numa sociedade em que os big bosses, os caras que mandam, os chamados "líderes" têm padrões de comportamento similares a de psicopatas. Claro, há exceções. Gustavo Gitti é uma delas. Homem calmo, pacato, zen, fã do livro Onde Vivem os Monstros...

Óuunnn

Aparentemente, transformar-se num monstro é fundamental para o sucesso nos negócios.

O psicopata de escritório

Na acepção de Robert Hare, psicólogo que criou o Teste de Psicopatia utilizado pelo FBI, por forças policiais especiais ao redor do mundo e por unidades voltadas à averiguação e ao estudo do comportamento criminal,

“os psicopatas possuem uma ausência profunda de empatia; utilizam as pessoas de forma cruel e sem qualquer tipo de remorso para atingir os seus fins; seduzem as vítimas com um charme hipnótico que mascara a sua verdadeira natureza de mentirosos compulsivos, de mestres na arte de enganar e de manipuladores sem coração. Com tendência para se aborrecerem facilmente, procuram estímulos constantes, pois o que os excita é ganharem jogos da vida real, ao mesmo tempo que retiram todo o prazer possível do poder que têm relativamente aos outros”.

Tais psicopatas de escritório (ou "office psychopaths", termo já bem difundido nos EUA) camuflam seus instintos – que podem ser dirigidos a atos destrutivos, inclusive – no status que detêm. Geralmente fazem uso de sua posição e do charme atrelado ao poder para manipular seus funcionários. Eles cancelam folgas com um sorriso no rosto, vetam aumentos sem remorsos, dão trabalhos impossíveis de serem executados em pouco tempo e nem sentem dor na consciência.

Eles são Hannibal Lecters de terno e gravata.

São sujeitos perversos que têm sede de sangue – ainda que seja um sangue alegórico. Um estudo conduzido pelo psicólogo nova-iorquino Paul Babiak concluiu que um em cada 25 executivos poderia ser psicopata. Ou seja, 4% dos chefes têm desvios de caráter que bem poderiam pertencer a um assassino em série, por exemplo.

Outro estudioso, o jornalista Jon Ronson, também chegou ao mesmo número. No livro The Psychopath Test: A Journey Through the Madness Industry, Ronson apurou que 4% dos CEOs estão afundados em desordens mentais que lhes conferem um perfil até mesmo criminal. E não se engane: esses psicopatas, ao contrário de Hannibal Lecter, quase nunca são pegos.

No mundo, os psicopatas somam 69 milhões e representam 1% da população total, segundo a Superinteressante; no universo corporativo, essa porcentagem quadruplica. Escritórios são criadouros de sanguinários e loucos.

Sanguinários quiçá piores do que aqueles que estão presos. As psicólogas Belinda Board e Katarina Fritzon entrevistaram e realizaram testes de personalidade com 39 executivos britânicos. Em seguida, compararam seus perfis com os de criminosos acusados e a pacientes psiquiátricos. Os resultados apontaram dados assustadores: os executivos se mostraram mais egocêntricos e desonestos que os criminosos, e igualmente megalomaníacos, abusivos e sem mostras de empatia.

O serial killer de cifras

Estripar funcionários não é o único método de atuação dos psicopatas. Quando não sangra quem está dentro da empresa, sangra quem está fora. Sangra por meio do sistema financeiro e de seus processos. Como explicar que 1% dos mais homens ricos dos EUA têm 20% de toda a riqueza daquela nação a não ser usar o termo "sangrar"?

Volto à aba com a notícia dos protestos nos EUA. Occupy Wall Street talvez não seja apenas um protesto contra os abusos dos CEOs – que sequer foram punidos pela crise dos subprimes em 2006 e o colapso financeiro em 2008. O evento é um grito contra a falta de responsabilidade, de remorso.

Link YouTube | O que aconteceu com os protagonistas desta história?

Com o estouro da bolha dos subprimes (colapso do qual, de tão devastador, algumas nações ainda não se recuperaram plenamente), pecados corporativos vieram à tona. Mas e quanto a bolhas que ainda estão crescendo – como a bolha imobiliária em São Paulo e a bolha da publicidade na internet brasileira – e às quais fingimos não prestar atenção? Pois são estas bolhas o golpe derradeiro dos psicopatas de escritório.

Talvez Occupy Wall Street não venha a surtir efeito algum em longo prazo. As coisas podem mudar agora, mas assim que o mundo esquecer, elas retornarão a ser como são hoje. Mas fica o marco que sempre lembrará as próximas gerações da insatisfação diante da ganância dos CEOs e de como eles se blindam graças ao poder que exercem – inclusive o poder exercido sobre a política. Occupy Wall Street é uma tentativa de caça a Hannibal Lecters e, ainda que pífia, é legítima. Cabe a nós vigiar.

Link LiveStream | Subvertendo a abertura de SNL, "live from New York, it's Occupy Wall Street!"

Cabe a nós vigiar?

É clichê o discurso de que corporações são malignas e que o capitalismo é uma merda. (Inclusive aguardo nos comentários frases como "o autor do artigo não disse nada de novo", "esse papo é velho" etc.) A questão, contudo, não é ecoar velhos discursos, mas sim pensar em mudanças na cultura empresarial. Algo que depende de vocês e de mim.

Quantas vezes observamos o sucesso subir à cabeça de alguém? Isso é uma forma simplista de dizer que o sujeito está se transformando num psicopata. Aqui entra uma história pessoal: eu já vi colegas de trabalho se tornarem psicopatas. São jornalistas que assim como eu já sofreram com falta de respeito no ambiente de trabalho, já trabalharam expedientes de 30 horas, já foram xingados dentro da firma... E que, quando se tornaram editores e chefes de redação, passaram a repetir as agressões que sofreram no passado. Tudo com o mais singelo sorriso no rosto.

Comportamento narcisista, falta do sentimento de culpa e boa dose de sadismo também são características de serial killers e ditadores, ou seja, homens cujo objetivo não é essencialmente engordar seus cofres. Sujeitos que colocam a cifra em segundo plano e perseguem primariamente o poder.  Um ícone dessa loucura é Hitler, que recusou uma oferta de centenas de milhares de dólares feita por um grupo de judeus austríacos para classificá-los como não judeus.

Não é uma questão de dinheiro, apenas. É uma questão de poder. Precisamos aprender a lidar com ele. Ou continuaremos a produzir psicopatas em escala industrial.


publicado em 16 de Outubro de 2011, 22:52
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Rodolfo Viana

É jornalista. Torce para o Marília Atlético Clube. Gosta quando tira a carta “Conquiste 24 territórios à sua escolha, com pelo menos dois exércitos em cada”. Curte tocar Kenny G fazendo sons com a boca. Já fez brotar um pé de feijão de um pote com algodão. Tem 1,75 de miopia. Bebe para passar o tempo. [Twitter | Facebook]


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