Fazer mudanças implica assumir riscos e contar com muita ajuda

A história de quem escolheu se arriscar pelo sonho de transformar sua cidade num lugar melhor

Quero te convidar para fazer uma reflexão. Pense em tudo que já aconteceu com você e me responda: Qual foi a decisão mais difícil que você já tomou na vida? Quando você teve que tomá-la? Como a sua vida mudou a partir desse momento?

Para muitas pessoas, a temida escolha se apresenta na hora de escolher uma faculdade, mudar de emprego, sair de casa, decidir engravidar e por aí vai. No meu caso, o momento decisivo chegou em 2013 quando eu trabalhava numa empresa de consultoria e tive que escolher entre continuar lá e arriscar começar algo completamente novo.

Devo confessar que, pelos caminhos onde passei, já encontrei muita gente que precisou fazer a mesma escolha que eu em algum momento da vida. Portanto, não se trata de algo inédito. Mas tantas são as pessoas que passam por isso quanto são aquelas que confirmam: mudar radicalmente assim não é uma decisão fácil.

Na iminência de me decidir, passei a observar o que essas pessoas faziam. Percebi que aquelas que tinham optado por se arriscar trabalhavam muito mais e tinham bem menos segurança, mas como acreditavam no que estavam fazendo se mostravam, em geral, mais felizes.

Percebi também que me identificava mais justamente com essas pessoas e sabia que minha decisão definitivamente passava por algo no qual eu acreditava muito: o poder que cada um tem de transformar a sua cidade num lugar melhor.

Foi assim que decidi me aventurar no desconhecido e criei, em julho de 2014, uma rede de mobilização pela cidade de São Paulo chamada Minha Sampa.

Onde tudo começou

Três anos antes disso tudo acontecer, conheci os idealizadores do Meu Rio: Miguel Lago e Alessandra Orofino. No momento em que a rede deles estava sendo pensada, já se sabia que o Rio de Janeiro receberia a Copa do Mundo e as Olimpíadas e que, por causa desses dois grandes eventos, muitos investimentos seriam feitos tanto por parte da iniciativa privada quanto do poder público. Era um fato consumado que o Rio iria mudar. A questão que se apresentava, portanto, era: como fazer com que essas mudanças refletissem o desejo dos cariocas? Como fazer com que as pessoas tivessem voz ativa nesse processo?

Fora isso, já estava claro naquele momento que novas formas de organização e ativismo precisavam surgir para aproximar os cidadãos da política local. A crise de representatividade pela qual estamos passando agora era um sinal de que a ideia lá de trás estava certa. Votar a cada dois anos já não era suficiente e o que acontecia na política não refletia os desejos dos cidadãos.

Sendo assim, algumas perguntas teriam de ser respondidas se quiséssemos criar algo novo e realmente inovador: Como traduzir a política de uma maneira que interesse às pessoas? Como oferecer a elas oportunidades de agir para mudar sua cidade? Como aproveitar o potencial que a internet nos oferece?

De todas essas respostas surgiu o Meu Rio.

Se você for carioca, conheça.

Por sorte, tive o privilégio de acompanhar essa história desde o comecinho. Mesmo morando em São Paulo, fui convidada pelo Miguel e pela Alessandra a ser do Conselho da organização.

Três anos depois, o Meu Rio já tinha caminhado muito e tido vitórias importante pela cidade como evitar a demolição da escola Friedenreich, uma das melhores escolas públicas do país, ameaçada pelas obras da Copa.

O desejo de levar o tipo de atuação do Meu Rio para outras cidades já existia, mas a presença de um investidor anjo, que ativamente procurou o Meu Rio dizendo "vocês tem que ir para SP", foi o fator decisivo para darmos os primeiros passos necessários para que a Minha Sampa nascesse.

A existência de pessoas que acreditam em projetos e estão dispostas a colocar dinheiro para tirar ideias potentes do papel é fundamental. O dinheiro pode mover montanhas. A questão é que montanhas esse dinheiro quer mover.

Foi nesse momento que decidi que era hora de sair do Conselho do Meu Rio, deixar meu antigo trabalho e fundar a Minha Sampa. Ela foi oficialmente lançada em julho de 2014 com duas campanhas, uma das quais se tornou um grande símbolo do nosso trabalho: a Paulista Aberta.

Nossa primeira missão

A abertura dessa avenida para os pedestres aos domingos já tinha sido mapeada como uma boa oportunidade de ação e foi fundamental para nós começarmos a Minha Sampa obtendo um resultado prático. Isto porque quando você lança uma coisa nova, muitas organizações te olham com certa desconfiança. É quase como se elas dissessem: "me mostrem do que vocês são capazes primeiro e depois a gente conversa sobre fazer alguma coisa juntos."

Eu entendo a lógica delas. Ninguém quer colocar a grana conquistada numa furada, nem "emprestar" a sua credibilidade para uma organização ainda desconhecida; mas essa lógica acaba culminando naquele velho exemplo: para conseguir um emprego, você precisa de experiência, mas para conseguir experiência, você precisa de um emprego.

Felizmente encontramos uma pessoa que estava disposta a subverter essa lógica e nos ajudar: Letícia Sabino, do Sampapé. Ela veio junto conosco e acreditou na Minha Sampa num momento em que a gente não tinha nada de concreto para mostrar fora uma vontade enorme de fazer acontecer. Ela se mostrou uma parceria incrível nessa missão e nós seremos eternamente gratos por ter nos ajudado a atingir nosso primeiro objetivo.

Abrir a Paulista carrega todo um caráter simbólico.

 

Para quem é de fora de São Paulo, vale fazer um adendo: Abrir a Paulista aos domingos tinha um enorme valor simbólico. Isto porque a mudança significava devolver uma das avenidas mais importantes da cidade para as pessoas. Claro que pedestres podem andar na calçada, mas a relação que você tem com o espaço e com a própria cidade é profundamente transformada quando você pode andar e ver outras pessoas andando pela rua, ainda mais se tratando de uma cidade onde o asfalto é muito mais importante do que as calçadas e o carro é muitas vezes mais importante do que as próprias pessoas.

Mas não foi fácil. Fizemos mais de um ano de campanha até convencer a prefeitura a fazer a primeira experiência de abrir a Paulista. E não fizemos isso sozinhos. Procuramos inúmeros outros coletivos e organizações e fizemos um trabalho de bastidores muito grande que envolveu falar com as secretarias de turismo e transporte de São Paulo, com a CET, participar de audiências públicas, ir ao debate público e falar com a imprensa. Foram muitas etapas a serem vencidas para que esse projeto se tornasse realidade. E eu confesso que em muitos momentos pensei em desistir porque nós tentamos inúmeras coisas que não deram resultado.

Para solucionar essa questão e dar um pouco mais de calma para toda a equipe foi fundamental a contribuição do nosso coordenador de mobilização Guilherme Coelho. Pela sua própria experiência, o Gui nos ajudou a entender e a nos adaptar ao tempo da política. E o tempo da política é muito diferente do que estamos acostumados. Eu explico.

Até começar a Minha Sampa, eu achava que a criação de uma política pública era guiada pela racionalidade, ou seja, pela existência de uma demanda concreta e pela disponibilidade orçamentária. Mas já imaginava, e aprendi na prática, que tem muitas outras coisas em jogo que falam mais alto numa cidade como São Paulo. É preciso saber lidar com as variáveis envolvidas e ter mais paciência do que estamos acostumados.

Uma das principais vitórias da nossa rede.

Transformando São Paulo

Fora a Paulista Aberta, nossa rede trabalhou em muitas outras mobilizações que a gente se orgulha muito. Rolou a campanha pela CPI da merenda, a campanha por cotas na USP, a Virada Ocupação, em apoio aos secundaristas que ocuparam as escolas em 2015, a Delegacia da Mulher 24h, entre outras.

O que posso dizer hoje é que me tornei mais um exemplo real daquela minha observação inicial. Nunca trabalhei tanto quanto agora e também nunca fui tão feliz, mas a angústia de como garantir a minha sustentabilidade financeira e a da Minha Sampa me acompanha diariamente, ainda mais como diretora da rede.

Nosso trabalho consiste em acompanhar tudo que acontece na política municipal; ler todos os jornais todos os dias; atualizar cem vezes por dia a página do site da Câmara dos Vereadores e da Alesp para ver o que aparece; estudar as diferentes matérias e saber como comunicar as coisas de um jeito fácil; pensar em estratégias online de mobilização, sem nunca esquecer a importância de organizar eventos cara a cara, de impacto, na rua; e eu penso que tudo isso é realmente muito importante. Mas como continuar bancando as pessoas da equipe que, como eu, se dedicaram a fazer isso da vida?

Somos apenas todos nós.

Muitos ainda vêem o terceiro setor como um ambiente muito pouco profissionalizado, sendo muito ancorado no trabalho voluntário e no assistencialismo. Mas essa não é mais a realidade de boa parte das organizações. No caso da Minha Sampa especificamente, me preocupo muito em ter as pessoas mais engajadas e competentes, porque o impacto que vamos gerar na nossa cidade depende diretamente disso.

Nosso futuro

Encontrar empresas ou fundações dispostas a apoiar financeiramente nosso trabalho tem sido super difícil. Primeiro porque muitos financiadores não querem bancar uma organização que faz pressão nos governos, mesmo sendo um trabalho apartidário. Depois, porque pouca gente entende que lançar uma campanha de mobilização depende de muitos fatores, como o tal tempo político. E terceiro porque os investidores querem apoiar um projeto que tenha começo, meio e fim.

Eles querem saber exatamente quais campanhas nós vamos lançar nos próximos meses e consequentemente com as quais eles estarão associados, mas eles quase nunca entendem que nosso trabalho não funciona dessa forma.

Nossas campanhas dependem de muitos fatores, entre eles de ter outros grupos ou pessoas dispostas a encampar aquele assunto junto conosco; da mídia ter interesse em cobrir aquilo naquele momento; de termos um pedido claro e objetivo para fazer; da nossa própria capacidade de abraçar a ideia; e por aí vai. Como eu disse, a implementação de uma política pública não depende apenas de identificar um problema na cidade e ter orçamento disponível, é muito mais complexo do que isso.

E é difícil transmitir a mensagem de que uma doação não estará apoiando esta ou aquela campanha, mas a Minha Sampa como um todo.

Foi a duras penas que percebi que, passada a desconfiança do projeto ser novo, você terá que enfrentar um novo desafio: o de que a maioria dos financiadores tradicionais esperam previsibilidade e não uma organização rápida, adaptável e que vai responder às demandas e necessidade das pessoas. E foi assim que percebi que muito provavelmente a Minha Sampa não será financiada por empresas, institutos ou fundações, mas pelos próprios interessados diretos: as pessoas.

Pessoas que se envolvem nas campanhas com a gente, que pressionam, que compartilham, que vão nos atos que organizamos. Pessoas que valorizam o fato de fazermos esse trabalho sem ter o rabo preso com ninguém, sem receber dinheiro de partidos políticos ou de empresas públicas. Pessoas que estão cansadas da política tradicional e que querem agir, participar, ter voz, mas não sabem como. É, portanto, com elas que estamos contando agora.

E mesmo sabendo que esse caminho pode ser o mais difícil, escolhi, agora em conjunto, mais uma vez arriscar e acreditar que com esforço e trabalho vai dar certo e vai valer a pena. É por isso que estamos testando, errando, avaliando, aprendendo e fazendo de novo até dar certo. Eu sei que existem pessoas que querem acreditar na possibilidade de construir uma cidade melhor. E provavelmente são elas que leram essa história até o final.

***

Nota da edição: este artigo foi pensado e produzido a partir de uma visita da nossa equipe de conteúdo a sede da Minha Sampa e escolhido para ser publicado hoje, 29 de novembro, o #diadedoar. Nós do PapodeHomem acreditamos na importância do serviço prestado por eles e damos nossa contribuição para a manutenção desse projeto.

No site da rede Minha Sampa você pode ver todos os gastos que eles têm e, portanto, para onde vai seu dinheiro. Logo em seguida você pode saber como doar e ajudar a manter funcionando essa importante iniciativa para a cidade.

Link Youtube

Agora, se você se interessou mas é de fora de São Paulo, não tem problema. Sendo do Rio de Janeiro, Recife, Ouro Preto, Porto Alegre, Campinas, Garopaba, Blumenau, Jampa, Oiapoque, Igarassu, Japeri, Campina ou Jundiaí, você pode contribuir com a rede da sua própria cidade clicando no respectivo link. Não sendo de nenhuma dessas cidades, talvez você mesmo possa ser o fundador da rede no seu município, informe-se.


publicado em 29 de Novembro de 2016, 00:10
Anna livia minha sampa jpg

Anna Livia Arida

Advogada de formação, ativista de coração e fundadora da Minha Sampa, Anna Livia é apaixonada pela defesa dos direitos humanos e acredita no poder da mobilização para mudar o mundo. É mãe de duas vira-latas e ama viajar.


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