A vida no cara ou coroa

Tenho todos os dentes na boca, nenhum filho e faço parte dos 10,6% dos jovens com 25 anos ou mais que possuem diploma universitário. Antes mesmo de concluir o curso, pensava em morar em lugares diferentes de Guarapuava, uma cidade média do centro-sul do Paraná, onde fui criado. Tendo todas as facilidades de morar junto ou próximo da família, amigos e oportunidades de trabalho na minha área, ainda assim decidi ir para longe. Para alguma cidade onde eu não conhecesse ninguém.

Eu queria me virar sozinho no mundo. Só não sabia para onde ir.

Nenhum homem deveria nascer e morrer no mesmo lugar. Navegar ainda é preciso

Abri o site do IBGE. Na parte de cidades, há o mapa de todos os estados e todos os municípios brasileiros. O Brasil tem 5.565 municípios no momento – excluindo minha própria cidade, eu poderia ir para as outras 5.564 delas, afinal acabei de receber a minha licenciatura e professores estão em falta em várias regiões do Brasil, quiçá em todos os estados e municípios. Nesse primeiro momento, eu queria me inscrever para dar aulas aqui mesmo no estado do Paraná. Logo, teria 398 das 399 opções possíveis.

Eu tinha quase 400 destinos, mas decidi não decidir para onde ir.

O Random escolheu por mim. Digitei 399 no Random e apertei o botão "Generate". Apareceu o número 101. Comecei a contar no site do IBGE qual a cidade seria a de número 101 na lista. Caiu um lugar do qual eu nunca tinha ouvido falar antes: Douradina. Pesquisei e descobri que era uma cidadezinha de mais ou menos 7.500 habitantes, na porção noroeste do estado, próximo a Umuarama.

Legal. Nunca tinha ido antes para essa região, e era lá que eu iria morar.

Link IBGE | Saiba mais sobre Douradina

Depois disso, me inscrevi como professor substituto para esta cidade e outra próxima por meio do Processo Seletivo Simplificado. Poucos dias após o início das aulas, recebi uma ligação de Douradina. Havia aulas para mim. No mesmo dia, arrumei as malas e embarquei em um ônibus.

Trezentos e sessenta e dois quilômetros e algumas horas depois, cheguei ao município. Desembarquei sem a menor ideia de onde era o colégio. Não sabia onde dormir. Não sabia onde morar. Não conhecia absolutamente rosto algum.

— Você tem parentes aqui?

— Não, não conheço ninguém.

— Você tem onde ficar?

— Não sei ainda. Vou ver um hotel e depois alugar uma casa.

— Conheço uma república ao lado de minha casa. Vou falar com eles e te retorno — comentou a simpática funcionária do colégio que nunca havia me visto na vida.

— Muito obrigado, agradeço a sua ajuda e aguardarei pela ligação.

Os moradores da república me ligaram e avisaram que tinha um quarto sobrando. Estou lá há seis meses.

Moedas ao alto e o efeito dominó

Todos passamos por alguma situação em que onde algo da sua vida pode ser decidido pelo aleatório. Como jogar cara ou coroa para ver se deveria investir na loira ou na morena sentadas no bar. Ou como em situações mais complexas, como o lugar onde você vai viver durante os próximos meses ou anos.

Cara ou coroa?

Chegar na loira ou na morena, ou morar nesta ou naquela cidade simplesmente muda a vida de algumas pessoas envolvidas. A aleatoriedade atua sobre todos nós, quando permitimos. Somos sempre influenciados e sempre influenciamos alguém. Meus alunos, por exemplo, foram de alguma forma impactados com a decisão aleatória de eu vir para esta escola, esta cidade. Tenho um sotaque e experiências bem diferentes daquilo a que eles estavam acostumados.

Por outro lado, eu estou vivendo a experiência de conhecer cada vez mais a pequena cidade de Douradina, com um povo muito acolhedor e muito gentil. Professores, alunos, funcionários do colégio, meus colegas de república, todas as pessoas que eu convivo estão me influenciando também, gerando experiências marcantes para a minha vida.

Uma decisão, seja simples ou complexa, pode influenciar toda uma vida. Para o bem ou para o mal. Pode ser a sua vida e pode ser a vida de outro. Ou de vários outros. E as suas experiências estão modificando o mundo.

Este texto pode acabar por mudar a vida das pessoas que o lerem. Pouco ou muito. Para o bem ou para o mal.

Talvez eu fique para sempre em Douradina, se eu considerar que serei feliz por aqui. Talvez eu vá embora daqui algum tempo. Tenho vontade de morar em outros lugares mais distantes ainda. Gostaria de passar algum tempo da minha vida em todas as regiões do Brasil. Onde será? Acho que o Random vai novamente me ajudar.

Fiz um sorteio agora. Das 27 unidades federativas, o Random me deu o número 12, que representa o estado do Mato Grosso do Sul. De 78 municípios, caiu o número 44, que representa a cidade de Jaraguari, com pouco mais de 6.300 habitantes, localizada no centro do estado, na região metropolitana de Campo Grande. Se eu quisesse me mudar hoje, esta seria a cidade que eu iria morar. Quantas pessoas diferentes poderiam me influenciar? Quantas pessoas diferentes serão influenciadas por mim?

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Nota do Editor: Quando li este texto, gostei da história e da ideia de se deixar ser regido pela aleatoriedade. De qualquer forma, decidi tentar o Random para saber se deveria aceitar o texto, editá-lo e publicá-lo. O resultado foi este:


publicado em 03 de Agosto de 2011, 05:02
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André Kaminski

Professor de Inglês em uma cidadezinha do interior do Paraná. Ama heavy metal e seus vários subgêneros, churrasco e principalmente o Coritiba. Já foi a alguns estados brasileiros para visitar pessoas que conheceu pela internet. E tem mania de fazer sorteios.


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